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segunda-feira


Universidade para Todos...que podem pagar!



O programa Universidade para Todos (PROUNI), principal ação de apelo midiático da gestão Tarso Genro afrente do MEC, tem sido divulgado pelo ministro como uma medida que estaria "abrindo as portas da Universidade". Será mesmo?


PROUNI: breve histórico

O programa visa obter vagas, sem custo aos estudantes beneficiados, nas Instituições Privadas de Ensino Superior em troca de isenções fiscais. Originalmente lançado pelo MEC via Projeto de Lei (PL 3582/04), o mesmo foi, desde o início, alvo de duras críticas do movimento educacional. Tanto na concepção, por instituir a compra de vagas, quanto no método, pois o PL não foi alvo de um amplo debate, não permitindo que de uma forma democrática e participativa, pudéssemos avaliar em profundidade as conseqüências do projeto.
No congresso, o projeto teria de passar, para o bem e para o mal, pelo crivo dos deputados. Isto não representava nenhuma garantia de aperfeiçoamento do PROUNI, no entanto, seria uma forma (ainda que deformada) de ocorrer algum debate sobre o conteúdo do projeto. No entanto, como que confirmando uma máxima da "lei de Murphy", "o que é ruim, sempre pode piorar", e o MEC optou por instituir o programa via Medida Provisória (MP 213/04).
Se, em algum momento, esperava-se uma abertura democrática das formulações acerca dos rumos do ensino superior no Brasil, com a MP estas expectativas acabaram. O MEC reafirma a sua disposição em definir a Reforma da Universidade a "portas fechadas". No entanto, mais do que uma dura crítica ao método adotado, é importante que nos debrucemos quanto ao conteúdo do PROUNI.

A supremacia do ensino privado

Estima-se que apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos tem acesso à universidade. Paradoxalmente, o Censo da Educação Superior 2003 do INEP, divulgou que há cerca de 726 mil vagas ociosas nas universidades privadas. O número é 439% maior do que o registrado há cinco anos. Estes números nos demonstram algumas certezas.
Primeiramente, estas vagas ociosas não são resultado de uma ausência de demanda, mas sim do esgotamento da supremacia do modelo privado de universidade. A ganância pela ampliação dos lucros também é outro fator que explica esta alta ociosidade. De 1997 a 2003, as mensalidades subiram mais de 120%, enquanto a inflação do período ficou quase pela metade. Sem contar a expansão discriteriosa que tem ocorrido nos últimos anos.
O MEC realizará com o PROUNI, ao operar a compra de vagas, uma verdadeira política de "salva vidas" para com as privadas, visto que as vagas a serem preenchidas se encontram ociosas, garantindo o "retorno" financeiro do investimento feito pelas universidades particulares. Para a sociedade brasileira, esta situação é insustentável, pois acaba "arcando" com esta renúncia fiscal, de resultado comprovadamente negativo. Hoje, pelo menos 50% do setor já não paga sequer a cota patronal e 35% pagam o PIS (que representa 0,65% do faturamento). Apenas 15% do setor paga, em tese, todos os tributos, embora a inadimplência seja elevada e haja indícios de evasão fiscal. O setor privado oferece 2,5 milhões de vagas, fatura em torno de R$12 bilhões anualmente e recolhe aos cofres públicos pouco mais de R$200 milhões (em números gerais). Mesmo assim, o setor alega "dificuldades" e pede "socorro ao governo", o que o PROUNI pode representar. Com o PROUNI as instituições que se credenciarem no programa receberão uma série de isenções fiscais (PIS, COFINS, Imposto de Renda, Contribuição Sobre o Lucro Líquido). Cálculos do próprio ministério dão conta de que a renúncia fiscal pode chegar a R$122 milhões ao ano.
Outro aspecto nefasto da MP se encontra no Artigo 12. Este artigo faculta as instituições de ensino, sem fins lucrativos, a possibilidade de optarem por transformar sua natureza jurídica em sociedade com fins lucrativos. Acarretará assim a transferência de patrimônio da universidade filantrópica, adquirido com anos de subsídios públicos, em uma nova sociedade com fins lucrativos.

Quantidade versus qualidade

Para ampliar as estatísticas e dar falsa impressão ao conjunto da sociedade de que está havendo uma ampliação do ensino superior no Brasil, o MEC não se importa em assegurar um mínimo de qualidade no ensino disponibilizado. Assim, o ministério da educação opta em manter a tendência privatista do crescimento quantitativo de vagas e de incentivar as instituições de caráter mercantil, conforme os governos anteriores.
Isto se comprova por dois aspectos do programa. Primeiramente, não é previsto de maneira efetiva nenhuma garantia de qualidade no ensino executado. Principalmente se levarmos em conta a péssima qualidade, de um modo geral, do ensino privado. Outro aspecto é a ausência de uma política de assistência que acompanhe o programa e dê condições ao estudante contemplado de manter o estudo.
Dados do INEP apontam que apenas 42% dos estudantes conseguem terminar a faculdade. Isto se dá por não ser garantida a permanência no curso. Apenas garantir o acesso a universidade, ainda que importante, não é o suficiente. É indispensável que haja uma política que assegure condições básicas de estudo, como por exemplo moradia estudantil, transporte, alimentação e etc. Sem contar o fato de que não é assegurada a gratuidade do ensino, já que a maioria das bolsas do PROUNI deverão ser parciais. Mesmo tendo uma isenção de 50% do valor da mensalidade (como prevê a MP), os valores cobrados nas universidades privadas são extremamente altos. Se tornará uma façanha para muitos conseguir concluir o curso.

"Petisco de largada"

Outra distorção, é que as instituições que aderirem ao programa começarão a receber isenções fiscais antes mesmo de matricular os estudantes beneficiados. O Secretário-Executivo do MEC, Fernando Haddad, ao ser questionado sobre esta situação, classificou como um "petisco de largada". Ou seja, além do Governo de maneira equivocada operar uma transferência indireta de recursos públicos para os cofres dos empresários do ensino, o MEC não satisfeito em aumentar o lucro das universidades particulares, já concede as isenções antes mesmo que haja qualquer aluno contemplado. É dinheiro público que deixa de ser arrecadado para dar um "petisco" aos "tubarões" do ensino.
Em um cenário desses, a saída não passa por ampliar ou manter a "farra" das isenções tributárias e maximização dos lucros, e sim por um maior controle fiscal do Estado sobre o setor. Bem como uma política de "abertura do caixa" das universidades. Permitindo um controle maior do poder público e da sociedade sobre as contas das particulares. Os recursos que o Estado perderá com a renúncia fiscal gerada pelo PROUNI, deveria ser utilizada para criar vagas no ensino público e gratuito. Uma alternativa viável seria a implementação de bolsas custeadas sobre a lucratividade das universidades, pois isto não oneraria os cofres públicos e desarticularia a corrida desenfreada por lucros, dando assim uma outra dimensão ao funcionamento do setor.
Esperamos que o "petisco de largada" do PROUNI seja revisto e alterado. Pois do contrário, a supremacia do ensino privado na universidade brasileira não será interrompida. O objetivo de termos um modelo centrado na universalização do ensino público, gratuito e de qualidade, que fortaleça o papel fundamental que deve ter a universidade no desenvolvimento nacional e na soberania brasileira, ficará cada vez mais distante.




Erick da Silva
Diretor de Universidades pagas da UEE/RS

sexta-feira

Desenvolvimento político insustentável

Maurício Thuswohl

Na grande festa que tomou conta das ruas de Brasília no dia da posse de Lula, um dos momentos mais marcantes foi o anúncio dos nomes dos novos ministros, a maioria deles recebidos com muitos aplausos pela multidão que se concentrava desde a Esplanada dos Ministérios até o Palácio do Planalto. Quando o locutor oficial anunciou o nome de Marina Silva, um verdadeiro delírio tomou conta da massa, que passou alguns minutos aplaudindo a nova ministra do Meio Ambiente. O entusiasmo se justificava porque todos ali, desde os ambientalistas e militantes de esquerda até os eleitores menos politizados, sabiam que a então senadora petista era um dos mais fortes símbolos do novo governo, garantia de que boas mudanças estavam por vir. Metaforicamente, pode-se dizer que os aplausos à nomeação de Marina Silva se estenderam do Brasil ao exterior, tamanha foi a acolhida positiva que sua confirmação no governo recebeu de outros governos, de grandes ONGs internacionais e até mesmo de setores da ONU.
Agora que estamos chegando à metade do governo Lula, a necessidade de realização de um balanço se impõe em todos os setores, e a pergunta que não quer calar, no caso de Marina e de toda a equipe do Ministério do Meio Ambiente, é: será que vale a pena continuar integrando este governo? Está certo que avanços foram obtidos – a própria ministra, em recentes entrevistas publicadas nos grandes jornais, exemplificou alguns e garantiu que não cogita deixar o governo espontaneamente –, mas não seriam eles muito pontuais em relação ao entrave no avanço das questões de maior importância política prática, como a definição do foco da Lei de Biossegurança, por exemplo? A ministra tem razão quando comemora o fato de que o MMA terá disponíveis em 2005 cerca de R$ 63 milhões para aplicar no combate ao desmatamento. Está certa também quando comemora o acordo com o Ministério dos Transportes para avaliação do impacto ambiental de todas as principais estradas do país. Essas e outras medidas são inéditas no Brasil e muito importantes, é claro, mas serão suficientes? E se o Ministério dos Transportes acabar nas mãos do PMDB, será que o acordo vai ser respeitado?
Neste artigo, são muitas as perguntas e poucas as respostas, mas seu objetivo é justamente provocar um exercício de reflexão. De um lado, pode-se argumentar tranqüilamente que pior ainda seria abandonar o barco e deixar a pasta de Meio Ambiente em mãos pouco recomendáveis. Mas, sendo um símbolo da mudança que não veio e conferindo ao governo um “selo internacional de qualidade verde” que ele talvez não mereça, não estariam Marina e sua equipe contribuindo involuntariamente para a derrota dos movimentos socioambientalistas no Brasil? Afinal de contas, já está claro que uma das características deste mandato de Lula que entrará para a História é a indecisão e paralisia que tomou conta da chamada “sociedade civil organizada” frente a um governo tão ambíguo. No movimento ambientalista, com a crise da biossegurança, o quadro seria cômico, se não fosse trágico: todas as principais entidades representativas apóiam o MMA e suas ações, quadro que, infelizmente, não se repete no Palácio do Planalto.
Se a escolha de um conhecido garoto de recados da transnacional Monsanto – o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS) – para relatar o PL da Biossegurança na Câmara não for revertida a tempo com uma ação concreta do governo, a situação do “pessoal do MMA” pode entrar num processo de “desenvolvimento político insustentável”. Na disputa da biossegurança estará posta à prova não somente a verdadeira posição do Palácio do Planalto sobre os transgênicos, mas também a real capacidade que têm o MMA e a ministra de realizarem uma política ambiental transversal a todos os ministérios, como foi prometido no dia de sua posse. Essa promessa ainda não foi cumprida e o episódio da disputa com o Ministério da Agricultura – com a grande mídia apresentando o voraz agronegócio como se fosse arauto do conhecimento científico e a ministra quase como uma curandeira supersticiosa – mostra que, muito provavelmente, jamais será. Há que se reconhecer que processos como a realização das Conferências Nacionais de Meio Ambiente (adulta e infanto-juvenil), a formação de grupos de trabalho como o que discute o Programa Nacional de Educação Ambiental (Pronea) ou as audiências para o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) são progressos políticos. Mas, eles também não estariam sendo realizados mesmo que o presidente fosse José Serra e o ministro – sabe lá Deus – fosse o Fábio Feldman?
Se não houver de fato o compromisso da cúpula governista com o objetivo de tornar a política ambiental uma política de governo, isto ficará claro com o desfecho da novela do PL da Biossegurança. Deixar a palavra final sobre a liberação dos transgênicos a cargo único e exclusivo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que já mostrou mais de uma vez ser, digamos, excessivamente vulnerável às pressões econômicas do pouco escrupuloso setor de biotecnologia, será um pecado mortal do governo Lula. O isolamento do MMA quanto ao processo político decisório, no entanto, pôde ser medido pelas palavras quase desesperadas contra a liberação do algodão trasngênico proferidas durante evento em Brasília pelo secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, João Paulo Capobianco. Mais uma vez, diante de um impotente MMA, a política do fato consumado se repete, com os mesmos atores: capitalistas internacionais desonestos, agricultores gananciosos e governo fraco.
Lendo as palavras de Capobianco, e conhecendo sua trajetória de militante ambientalista antes de integrar o governo, dá para imaginar seu descontentamento. O mesmo não estará se passando com outras “estrelas do movimento” que atenderam ao chamado de Marina para compor a equipe do MMA? Estarão satisfeitas figuras com um passado político a zelar e um futuro político a preservar como o secretário-executivo Claudio Langone, o assessor especial Pedro Ivo Batista e a secretária da Amazônia Muriel Saragoussi – só para citar alguns que gozavam (e ainda gozam) da confiança do movimento ambientalista? Corre um boato de que Marina estaria esperando o momento oportuno para se desligar do MMA e anunciar sua candidatura ao governo do Acre. Se verdadeira, seria a adoção dessa tática pragmática o melhor caminho para a defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável? Quem souber as respostas (de preferência os personagens citados) pode procurar a Agência Carta Maior. Só não garantimos sigilo absoluto...

Maurício Thuswohl é editor de Meio Ambiente e correspondente no Rio de Janeiro da Agência Carta Maior.

segunda-feira

Cartum da Semana:

Cartum de autoria do português Sergei.




sexta-feira


A situação da mídia


Erick da Silva*


A muito se tem colocado a necessidade de se adotar uma nova política de democratização das comunicações. Principalmente no que toca a questão dos veículos de comunicação em massa. Os meios de comunicação de massa têm imensas potencialidades mas, no Brasil, triste exemplo, temos um poder desmedido nas mãos de alguns poucos, sem que haja o adequado controle democrático da sociedade.
A passagem da ditadura militar à democracia no Brasil, produto de um conluio expresso no Colégio Eleitoral, foi mais um pacto das elites na nossa história. Nenhuma reforma profunda que atentasse contra a concentração de renda e de poder no Brasil foi posta em prática. Ao contrário, se consolidou o monopólio privado sobre fatores fundamentais de poder, como o dinheiro e a terra, acontecendo o mesmo com os meios de comunicação. Recordemos que na campanha pelos 5 anos de mandato para José Sarney, ACM – então ministro da Comunicações – terminou de repartir pelo Brasil afora os canais de televisão e as concessões de rádio que ainda restavam em troca dos apoios, sem que houvesse nenhum tipo de preocupação quanto ao fim social que a mídia tem, ou deveria ter.
Na imprensa escrita, as mesmas famílias continuam a ser proprietárias dos maiores conglomerados da mídia. Não restando espaço para que se tenha acesso a informação vinda de outras visões, ou até mesmo permitindo que significativos setores da sociedade tenham as suas aspirações publicizadas com a devida importância que merecem. A informação acaba por ficar condicionada ao filtro de meios de comunicação diretamente dependentes das agências de publicidade e das empresas que costumam anunciar – dentre elas, as faculdades privadas, as empresas de telefonia, os bancos – de que são caudatários.
O Ministério das Comunicações atua como se fosse apenas um "ministério da infra-estrutura" desta área. Assim, disfarça sua capacidade, "de fato", de incidir sobre o conjunto dos sistemas de comunicações. Também é assim que deixa de explicitar a dimensão política das suas decisões técnicas. Os assuntos públicos, referentes à área das comunicações, ainda hoje, são conduzidos, no fundamental, de forma exclusiva entre o Estado e o setor privado, através de práticas permeadas pelo patrimonialismo, corporativismo e cartorialismo.
Para se constituir como uma nação substantivamente democrática, para caminhar no sentido da humanização, o Brasil deve deflagrar um processo civilizatório a partir do controle público dos meios de comunicação de massa. Esta é uma tarefa para agora. Não há protelações aceitáveis. Não há como abdicar das tarefas inerentes à democratização da comunicação.


*Erick da Silva é estudante de história

terça-feira

Cartum da semana:

Cartum de autoria do Maringoni.




sexta-feira

Porquê o Socialismo?

Albert Einstein

Será aconselhável para quem não é especialista em assuntoseconómicos e sociais exprimir opiniões sobre a questão do socialismo? Eu pensoque sim, por uma série de razões.
Consideremos antes de mais a questão sob o ponto de vista do conhecimentocientífico. Poderá parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entrea astronomia e a economia: os cientistas em ambos os campos tentam descobrirleis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenómenos de forma atornar a interligação destes fenómenos tão claramente compreensível quantopossível. Mas, na realidade, estas diferenças metodológicas existem. Adescoberta de leis gerais no campo da economia torna-se difícil pelacircunstância de que os fenómenos económicos observados são frequentementeafectados por muitos factores que são muito difíceis de avaliar separadamente.Além disso, a experi ência acumulada desde o início do chamado períodocivilizado da história humana tem sido – como é bem conhecido – largamenteinfluenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamenteeconómicas por natureza. Por exemplo, a maior parte dos principais estados dahistória ficou a dever a sua existência à conquista. Os povos conquistadoresestabeleceram-se, legal e economicamente, como a classe privilegiada do paísconquistado. Monopolizaram as terras e nomearam um clero de entre as suaspróprias fileiras. Os sacerdotes, que controlavam a educação, tornaram adivisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criaram umsistema de valores segundo o qual as pessoas se têm guiado desde então, atégrande medida de forma inconsciente, no seu comportamento social.
Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa do passado; em lado nenhumultrapassámos de facto o que Thorstein Veblen chamou de “fase predatória” dodesenvolvimento humano. Os factos económicos observáveis pertencem a essa fasee mesmo as leis que podemos deduzir a partir deles não são aplicáveis a outrasfases. Uma vez que o verdadeiro objectivo do socialismo é precisamenteultrapassar e ir além da fase predatória do desenvolvimento humano, a ciênciaeconómica no seu actual estado não consegue dar grandes esclarecimentos sobre asociedade socialista do futuro.
Segundo, o socialismo é dirigido para um fim sócio-ético. A ciência, contudo,não pode criar fins e, muito menos, incuti-los nos seres humanos; quando muito,a ciência pode fornecer os meios para atingir determinados fins. Mas ospróprios fins são concebidos por personalidades com ideais éticos elevados e –se estes ideais não nascerem já votados ao insucesso, mas forem vitais evigorosos – adoptados e transportados por aqueles muitos seres humanos que,semi-inconscientemente, determinam a evolução lenta da sociedade.
Por estas razões, devemos precaver-nos para não sobrestim armos a ciência e osmétodos científicos quando se trata de problemas humanos; e não devemos assumirque os peritos são os únicos que têm o direito a expressarem-se sobre questõesque afectam a organização da sociedade.
Inúmeras vozes afirmam desde há algum tempo que a sociedade humana está apassar por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. Écaracterístico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmohostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar omeu pensamento, permitam-me que exponha aqui uma experiência pessoal. Faleirecentemente com um homem inteligente e cordial sobre a ameaça de outra guerra,que, na minha opinião, colocaria em sério risco a existência da humanidade, ecomentei que só uma organização supra-nacional ofereceria protecção contra esseperigo. Imediatamente o meu visitante, muito calma e friamente, disse-me:“Porque se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana? ”
Tenho a certeza de que há tão pouco tempo como um século atrás ninguém teriafeito uma afirmação deste tipo de forma tão leve. É a afirmação de um homem quetentou em vão atingir um equilíbrio interior e que perdeu mais ou menos aesperança de ser bem sucedido. É a expressão de uma solidão e isolamentodolorosos de que sofre tanta gente hoje em dia. Qual é a causa? Haverá umasaída?
É fácil levantar estas questões, mas é difícil responder-lhes com um certo graude segurança. No entanto, devo tentar o melhor que posso, embora estejaconsciente do facto de que os nossos sentimentos e esforços são muitas vezescontraditórios e obscuros e que não podem ser expressos em fórmulas fáceis esimples.
O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto sersolitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe sãopróximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suascapacidades inatas. Enquanto ser social, p rocura ganhar o reconhecimento eafeição dos seus semelhantess, partilhar os seus prazeres, confortá-los nassuas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destesesforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo carácterespecial de um ser humano, e a sua combinação específica determina até queponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para obem-estar da sociedade. É perfeitamente possível que a força relativa destesdois impulsos seja, no essencial, fixada por herança. Mas a personalidae quefinalmente emerge é largamente formada pelo ambinte em que um indivíduo acabapor se descobrir a si próprio durante o seu desenvolvimento, pela estrutura dasociedade em que cresce, pela tradição dessa sociedade, e pelo apreço pordeterminados tipos de comportamento. O conceito abstracto de “sociedade”significa para o ser humano individual o conjunto das suas relações directas eindirectas com os seus contem porâneos e com todas as pessoas de geraçõesanteriores. O indíviduo é capaz de pensar, sentir, lutar e trabalhar sozinho,mas depende tanto da sociedade – na sua existência física, intelectual eemocional – que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora da estruturada sociedade. É a “sociedade” que lhe fornece comida, roupa, casa, instrumentosde trabalho, língua, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo dopensamento; a sua vida foi tornada possível através do trabalho e daconcretização dos muitos milhões passados e presentes que estão todosescondidos atrás da pequena palavra “sociedade”.
É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade éum facto da natureza que não pode ser abolido – tal como no caso das formigas edas abelhas. No entanto, enquanto todo o processo de vida das formigas eabelhas é reduzido ao mais pequeno pormenor por instintos hereditários rígidos,o padrão social e as interrelações dos seres humanos sã o muito variáveis esusceptíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações, odom da comunicação oral tornaram possíveis os desenvolvimentos entre os sereshumanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentosmanifestam-se nas tradições, instituições e organizações; na literatura; nasobras científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isto explica a formacomo, num determinado sentido, o homem pode influenciar a sua vida através dasua própria conduta, e como neste processo o pensamento e a vontade conscientespodem desempenhar um papel.
O homem adquire à nascença, através da hereditariedade, uma constituiçãobiológica que devemos considerar fixa ou inalterável, incluindo os desejosnaturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a suavida, adquire uma constituição cultural que adopta da sociedade através dacomunicação e através de muitos outros tipos de influências. É estaconstituição cult ural que, com a passagem do tempo, está sujeita à mudança eque determina, em larga medida, a relação entre o indivíduo e a sociedade. Aantropologia moderna ensina-nos, através da investigação comparativa daschamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos podedivergir grandemente, dependendo dos padrões culturais dominantes e dos tiposde organização que predominam na sociedade. É nisto que aqueles que lutam pormelhorar a sorte do homem podem fundamentar as suas esperanças: os sereshumanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, aexterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infligido.
Se nos interrogarmos sobre como deveria mudar a estrutura da sociedade e aatitude cultural do homem para tornar a vida humana o mais satisfatóriapossível, devemos estar permanentemente conscientes do facto de que hádeterminadas condições que não podemos alterar. Como mencionado anteriormente,a natu reza biológica do homem, para todos os objectivos práticos, não estásujeita à mudança. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficosdos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações comfixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existênciacontinuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho eum aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhandopara trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamentepequenos podiam ser completamente auto-suficientes. É apenas um pequeno exagerodizer-se que a humanidade constitui, mesmo actualmente, uma comunidadeplanetária de produção e consumo.
Cheguei agora ao ponto em que vou indicar sucintamente o que para mim constituia essência da crise do nosso tempo. Diz respeito à relação do indivíduo com asociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da suadependência relativamente à sociedad e. Mas ele não sente esta dependência comoum bem positivo, como um laço orgânico, como uma força protectora, mas mesmocomo uma ameaça aos seus direitos naturais, ou ainda à sua existênciaeconómica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsosegotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto osseus impulsos sociais, que são por natureza mais fracos, se deterioramprogressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição nasociedade, sofrem este processo de deterioração. Inconscientemente prisioneirosdo seu próprio egotismo, sentem-se inseguros, sós, e privados do gozo naïve,simples e não sofisticado da vida. O homem pode encontrar sentido na vida,curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade.
A anarquia económica da sociedade capitalista como existe actualmente é, naminha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enormecomunidade de produtores cujos membros lutam incessantemen te para despojar osoutros dos frutos do seu trabalho colectivo – não pela força, mas, em geral, emconformidade com as regras legalmente estabelecidas. A este respeito, éimportante compreender que os meios de produção – ou seja, toda a capacidadeprodutiva que é necessária para produzir bens de consumo bem como bens deequipamento adicionais – podem ser legalmente, e na sua maior parte são,propriedade privada de indivíduos.
Para simplificar, no debate que se segue, chamo “trabalhadores” a todos aquelesque não partilham a posse dos meios de produção – embora isto não correspondaexactamente à utilização habitual do termo. O detentor dos meios de produçãoestá em posição de comprar a mão-de-obra. Ao utilizar os meios de produção, otrabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. Aquestão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz eo que recebe, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que ocontrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado nãopelo valor real dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas epelas exigências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número detrabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmoem teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seuproduto.
O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa daconcorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimentotecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidadesde produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destesdesenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não podeser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamenteorganizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos sãoescolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou inf luenciadospelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam oeleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo nãoprotegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegidas dapopulação. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privadoscontrolam inevitavelmente, directa ou indirectamente, as principais fontes deinformação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo,na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual,chegar a conclusões objectivas e utilizar inteligentemente os seus direitospolíticos.
Assim, a situação predominante numa economia baseada na propriedade privada docapital caracteriza-se por dois principais princípios: primeiro, os meios deprodução (capital) são privados e os detentores utilizam-nos como achamadequado; segundo, o contrato de trabalho é livre. Claro que não há tal coisacomo uma sociedade capitalista puran este sentido. É de notar, em particular,que os trabalhadores, através de longas e duras lutas políticas, conseguiramgarantir uma forma algo melhorada do “contrato de trabalho livre” paradeterminadas categorias de trabalhadores. Mas tomada no seu conjunto, aeconomia actual não difere muito do capitalismo “puro”.
A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição emque todos os que possam e queiram trabalhar estejam sempre em posição deencontrar emprego; existe quase sempre um “exército de desempregados. Otrabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. Uma vez queos desempregados e os trabalhadores mal pagos não fornecem um mercado rentável,a produção de bens de consumo é restrita e tem como consequência a miséria. Oprogresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alíviodo fardo da carga de trabalho para todos. O motivo lucro, em conjunto com aconcorrência entre capitalistas, é responsável p or uma instabilidade naacumulação e utilização do capital que conduz a depressões cada vez maisgraves. A concorrência sem limites conduz a um enorme desperdício do trabalho ea esse enfraquecimento consciência social dos indivíduos que mencioneianteriormente.
Considero este enfraquecimento dos indivíduos como o pior mal do capitalismo.Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitudeexageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso deaquisição como preparação para a sua futura carreira.
Estou convencido que só há umaforma de eliminar estes sérios males,nomeadamente através da constituição de uma economia socialista, acompanhadapor um sistema educativo orientado para objectivos sociais. Nesta economia, osmeios de produção são detidos pela própria sociedade e são utilizados de formaplaneada. Uma economia planeada, que adeque a produção às necessidades dacomunidade, distribuiria o trabalho a ser fei to entre aqueles que podemtrabalhar e garantiria o sustento a todos os homens, mulheres e crianças. Aeducação do indivíduo, além de promover as suas próprias capacidades inatas,tentaria desenvolver nele um sentido de responsabilidade pelo seu semelhante emvez da glorificação do poder e do sucesso na nossa actual sociedade.
No entanto, é necessário lembrar que uma economia planeada não é ainda osocialismo. Uma tal economia planeada pode ser acompanhada pela completaopressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução deproblemas socio-políticos extremamente difíceis; como é possível, perante acentralização de longo alcance do poder económico e político, evitar aburocracia de se tornar toda-poderosa e vangloriosa? Como podem ser protegidosos direitos do indivíduo e com isso assegurar-se um contrapeso democrático aopoder da burocracia?
A clareza sobre os objectivos e problemas do socialismo é da maior importânciana nossa época de tran sição. Visto que, nas actuais circunstâncias, adiscussão livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu poderoso, considero a fundação desta revista como um serviço público importante.

Einstein escreveu este trabalho especialmente para o lançamento da MonthlyReview, cujo primeiro número foi publicado em Maio de 1949. Tradução de AnabelaMagalhães.
O original deste artigo encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/598einst.htm .

quinta-feira

Cartum da Semana:

1º lugar na categoria Cartum no 30º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, de Leandro Spett (São Paulo/SP)



quarta-feira

Os donos do saber


Como as grandes corporações capitalistas desenvolvem, sem alarde, tecnologias que poderão obrigar as sociedades a lhes pagar royalties pelo acesso à vida e à cultura

Rafael Evangelista


Em meados do século XIX, Karl Marx descreveu, no capítulo 25 do livro primeiro de “O Capital” o que chamou de acumulação primitiva. Ela seria como o pecado original do capitalismo, o início do processo que culminou na distinção entre os que detêm e os que não detêm os meios de produção. Teria acontecido entre os séculos XIV e XVI e resultado na extinção da figura do servo feudal e na criação do homem livre – aquele que não dispõe de outra alternativa para sua sobrevivência senão vender a sua força de trabalho.

Mais de 500 anos após o início do processo de acumulação primitiva – e pouco mais de um século depois de Marx tê-lo descrito – alguns movimentos sociais, liderados pela ONG canadense ETC Group (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologias e Concentração), sustentam que estaria ocorrendo um processo análogo. Segundo eles, as grandes corporações estariam promovendo, com o uso da tecnologia, novos “cercamentos” (enclosures, em inglês). Da mesma forma como as terras comunais foram sendo “cercadas” e tomadas, por aqueles que se tornaram os donos dos meios de produção, as empresas estariam fazendo uso da tecnologia para adquirir privilégios e criar novos monopólios.

A idéia foi apresentada no em uma sessão do Fórum Social Europeu no início de outubro. Em uma atividade intitulada “Resistindo aos monopólios corporativos e aos novos cercamentos”, o ETC Group reuniu representantes de organizações como a Associação Britânica pelo Software Livre, o Greenpeace e o Corporate Watch. Na sessão, foram debatidas a questão das patentes sobre software e sobre a vida; o futuro, aplicações e a fusão entre nanotecnologia e biotecnologia; e as características da nova geração de plantas transgênicas, entre outros.



Um dos efeitos da acumulação primitiva foi o surgimento da figura do grande proprietário capitalista, o dono dos meios de produção e da terra. O capital acumulado por ele tranformou-se, em seguida, em investimentos que levaram à industrialização e à emergência do proletário. Hoje, esse papel seria desempenhado pelas empresas. Controlando o desenvolvimento tecnológico, elas criariam mecanismos que, combinados com as leis de propriedade intelectual, reforçam antigos monopólios e geram outros, agora sobre as formas de vida. Algumas novas tecnologias serviram para controlar a germinação de plantas, o posicionamento geográfico de animais ou mesmo para o gerenciamento de obras que circulam pela internet. Assim como a acumulação primitiva usou da usurpação da terra dos camponeses, hoje o controle sobre as formas de vida estaria a caminho de se tornar um privilégio de certas empresas.


Não cresça, não se reproduza

As siglas V-GURTs e T-GURTs designam dois “novos cercamentos” sobre as formas de vida. V-GURT significa algo como Tecnologia para a Restrição de Uso da Variedade Genética. A sua maior expressão é a tecnologia Terminator, aquela em que a variedade transgênica da planta é estéril. Logo após a concessão de patente por essa tecnologia, em 1998, houve intensa repercussão internacional. Agricultores de diversos países protestaram, por temer que a prática de guardar as sementes de uma safra para outra se tornasse impossível. A Monsanto, que adquiriu a patente no ano seguinte, comprometeu-se a não usar a a tecnologia, a não ser para testes internos da companhia.



A tecnologia T-GURTs foi descrita como a segunda geração do controle sobre a vida. A sigla pode ser traduzida por Tecnologia para a Restrição do Uso de Traços Genéticos. Nesse caso, não é apenas a fertilidade da planta que é controlada mas também a expressão de certa característica do organismo. Uma plantação transgênica, por exemplo, só poderia ter sua resistência a certa praga ativada a pós a aplicação de um determinado composto químico, fornecido pela empresa detentora da tecnologia. Os agricultores que adquirirem as suas sementes no mercado ilegal não obterão vantagem alguma, pois não possuirão o composto químico capaz de "ligar" o gene de resistência.

Para as entidades presentes da sessão do Fórum Europeu, há um risco evidente nessa tecnologia. Como a semente que ela produz não é estéril, poderia haver a contaminação de plantações vizinhas. Nesse caso, uma plantação alvo de contaminação poderia não se desenvolver por completo, já que o agricultor não disporia dos insumos químicos que ativariam um gene de crescimento, por não ter adquirido as sementes do detentor da tecnologia.


Em novos contratos, “polícia genética”


A tecnologia para tornar o desenvolvimento normal de uma planta dependente da adição de um determinado insumo químico já existe. Sua patente é de propriedade da Syngenta, um dos gigantes da biotecnologia. As sementes estéreis têm um alto custo de produção, o que dificulta a sua entrada no mercado. Plantas que precisam ser "ligadas" para crescer ou para se tornarem férteis - patente estadunidense de número 6147282 - teriam um menor custo de produção.



O ETC Group acredita que o alto investimento das empresas no desenvolvimento dessas tecnologias se deve à dificuldade encontrada para a aplicação legal dos direitos de propriedade intelectual. “Terminator e outras tecnologias de controle da expressão de traços genéticos podem substituir ou se somar à propriedade intelectual como a opção para estabelecer a supremacia tecnológica no mercado de sementes”, afirma o grupo no comunicado intitulado “Novos cercamentos: métodos alternativos para aumentar o monopólio das corporações e a bio-servidão no século XXI”.


Contratos como os que são estabelecidos pelas empresas com os agricultores nos Estados Unidos são tidos, pelas entidades, como equivalentes jurídicos das GURTs. De acordo com esses contratos, os agricultores se comprometem a comprar novas sementes a cada safra, usar o pesticida fornecido por um único fornecedor e se submeter à inspeção periódica de agentes da empresa, além de manterem sigilo sobre pontos do contrato. O New York Times já classificou esses agentes de “polícia genética”.


Não veja, não ouça

No mundo digital, as GURTs encontram seu parelelo no DRM (sigla em inglês para Gerenciamento Digital de Direitos). “Sabe que é curioso, estávamos pensando em passar a usar o termo DURTs (Tecnologias Digitais para a Restrição de Uso, em inglês) mesmo antes de conhecer o problema na área biotecnológica”, afirmou o hacker britânico MJ Ray, desenvolvedor de software livre presente na sessão promovida pelo ETC Group.


Ray acredita que o DRM é intrinsicamente incompatível, técnica e filosoficamente, com o software livre. A tecnologia de gerenciamento digital de direitos permite ao proprietário dos direitos autorais (as empresas) "autorizar" ou não a execução de um arquivo. Ao ouvir um arquivo em MP3, por exemplo, o computador do usuário entraria em contato, pela internet, com um banco de dados que confirmaria a posse legal daquele arquivo. "Isso pode trazer problemas ao software livre pois, pela sua arquitetura, ele é capaz de burlar facilmente esse tipo de restrição", disse Ray. Os EUA, baseando-se em uma lei chamada DMCA (Lei de direitos autorais do milênio digital, em inglês), já prenderam e multaram milhares de usuários por violarem ou construírem sistemas que burlam restrições de direitos autorais.

"Isso pode ser um problema para o software livre", afirma o advogado especializado em direitos autorais Marco Ciurcina. Mas para ele, o DRM afeta principalmente o chamado "uso justo", o direito que alguém que compra um CD, por exemplo, tem de fazer uma cópia para si. "O DRM é incompatível com a lógica de um direito flexível. O direito autoral não é absoluto, acima dele está o direito da comunidade de usufruir das obras - o que hoje é permitido pela regra do uso justo".

A preocupação dos ativistas refere-se também ao controle da produção intelectual na mão das grandes empresas. Quase a totalidade das obras artísticas coletivas (músicas, filmes) e grande parte das obras individuais (livros, fotos) não é controlada pelos autores e sim por gravadoras, estúdios, editora e outros. Em um episódio recente, nem mesmo o ministro da cultura do Brasil, o músico Gilberto Gil, conseguiu dar autorização legal para que três de suas músicas pudessem ser compartilhadas livremente na internet. Refazenda, Refavela e Realce são controladas pela gravadora Warner, que não autorizou a liberação. Gil compartilhou Oslodum, canção gravada de forma independente.

O sucesso do DRM pode significar o controle sobre um processo (o compatilhamento na rede) que tem democratizado o acesso à cultura e pressionado a indústria do entretenimento a alterar seu modelo de negócio, diminuindo as margens de lucro. Ao mesmo tempo, ao adquirir um controle monopolista sobre os produtos culturais e sobre a reprodução da vida, usando dos "novos cercamentos", a indústria pode, pelo diagnóstico do ETC Group, expandir seu campo de atuação e dar origem a novos monopólios: sobre a vida e sobre as idéias.

terça-feira


Democracia é bomba

Erick da Silva*

Logo após ter sido oficializada a sua vitória na disputa presidencial, George W. Bush em sua primeira entrevista coletiva, afirmou que o resultado das eleições confirmavam o acerto de sua política. O quê para o resto do mundo poderia parecer uma piada, infelizmente não era. Bush afirmava estar respaldado a ir além pelo resultado obtido nas urnas. No entanto, o pior não foi isso.
Nesta mesma coletiva, Bush afirma que se orgulhava de estar promovendo a democracia ao redor do mundo, em especial no Oriente Médio. Esta afirmação nos leva a compreender que para George W. Bush, promover a democracia é sinônimo de bombas. É sinônimo de unilateralismo na política internacional. É não reconhecer a ONU em quanto espaço regulador da política internacional e nem a soberania nacional dos demais países. É praticar verdadeiras barbáries e dizer que promove a democracia.
Para piorar, o Presidente reeleito dos Estados Unidos já prepara uma mega-operação militar no Iraque, ainda mais violenta, neste final de 2004. Não restando dúvidas de que no segundo mandato de Bush não deverá ocorrer alteração em sua política geral. Para a perplexidade de todos aqueles que acreditam que um mundo sem guerras e com igualdade social é possível e necessário.
O absurdo e o erro da política implementada por Bush é evidente. Os conflitos armados e a intolerância (em suas mais diferentes formas) não diminuiu no mundo, pelo contrário. A política norte-americana "pós-11 de setembro", apenas tem contribuído para o aumento em larga escala da violência. Uma situação de relativa paz global permanece sendo cada vez mais distante. A política externa ultraconservadora dos EUA ganha uma perigosa sobrevida com o resultado das eleições presidenciais norte-americanas.
A "guerra sem fim" de Bush deve ser imediatamente interrompida. É cada vez mais necessário que todas e todos que se opõem a esta política de guerra que tomem as ruas, mostrando a sua contrariedade. Democracia e paz não combina com bombas de guerra.


Erick da Silva é acadêmico de história

sexta-feira


O PT derrotou a si mesmo
Emir Sader


Uma derrota dessas proporções não se improvisa. Foi meticulosamente preparada ao longo do tempo. Dois anos depois da vitória de Lula, que finalmente chega à presidência do Brasil depois de quatro tentativas, o PT tem o pior resultado eleitoral de sua história, impondo uma dura derrota à esquerda brasileira.
Produziu-se o pior dos cenários possíveis: um governo que não é de esquerda, que não saiu do neoliberalismo, é vítima do monopólio privado da mídia alimentado pelos seus recursos, perde todas os conflitos no poder judiciário e enfrenta uma aliança de partidos que o isola politicamente. Se se estivesse realizando um governo de esquerda, seria de se prever esse isolamento, mas com um governo que faz todas as concessões às elites tradicionais, o resultado não poderia ser pior.
O governo Lula e a direção do PT aparecem como os grandes organizadores das derrotas sofridas pela esquerda nestas eleições. O governo, pela política econômica neoliberal e pelo discurso liberal, e a direção do PT, por ter anestesiado o partido e a militância, fazendo com que o partido perdesse sua alma (pela primeira vez em sua história, a onda final das eleições foi contrária ao PT. A tal da "profissionalização" fez da ação do PT algo indissociável à de outros partidos, substituindo os militantes por gente contratada para cumprir funções). A grande aliança nacional com o PMDB se esboroou. A oposição, na lona até dezembro do ano passado, ganhou novo oxigênio, propiciado pelo governo e remontou um arco de alianças políticas que não pensava ter, dado de presente pelos erros do governo e da direção do PT.
O PT preparou sua derrota, ao assumir a ideologia e a política liberal. Não bastou para cooptar a oposição a nível local, porque neste plano prima o melhor do PT – as políticas sociais – e isso as elites tradicionais detestam. O apoio que dão ao governo federal vem de sua política econômica, ausente dos governos locais.
A luta da esquerda hoje – dentro e fora do PT – é contra a hegemonia liberal dentro do governo. Caso esta prevaleça, a esquerda como um todo terá sido derrotada. Os caminhos desta luta podem ser distintos conforme a inserção de cada um, de cada movimento social, conforme a localidade e o setor social onde se situem. Mesmo os que considerem que se trata de uma batalha perdida, a luta contra a hegemonia liberal é um processo inevitável de acumulação de forças, porque o liberalismo penetra profundamente em quase todos os poros da sociedade e da prática política e cultural brasileiras. Sem um combate frontal a essa influência, não teremos no Brasil uma esquerda à altura das necessidades da construção de um modelo pós-neoliberal. A construção de uma ampla frente antineoliberal é a forma de lutar pelos ideais do Fórum Social Mundial no nosso país, para que Porto Alegre não seja apenas um quadro na parede.

quinta-feira

Cartum da Semana:

Cartum de autoria de Eduardo Grosso (Piracicaba, SP).


quarta-feira

Fórum Social pode sair de Porto Alegre já em 2005


Os organizadores do Fórum Social Mundial se reúnem hoje em São Paulo para discutir o futuro do evento após a derrota do PT em Porto Alegre. Alguns organizadores querem que o FSM deixe a capital gaúcha já em 2005, transferindo-se para cidades como Recife, Belo Horizonte ou Fortaleza. Uma definição poderá ocorrer em reunião entre os dias 13 e 15 deste mês.
O sociólogo Emir Sader, coordenador do evento, defende a mudança. "Deixou de haver sentido Porto Alegre ser a sede permanente, o que sempre defendi. Por mais bonita que seja a cidade, não foi isso que nos atraiu, mas a natureza das administrações públicas. Não é revanchismo, mas perdeu sentido ficar em Porto Alegre. Belo Horizonte, Recife e Salvador já se ofereceram", afirmou à Folha de S.Paulo.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a União Nacional de Estudantes (UNE), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Cáritas Brasil se manifestaram a favor da saída do evento de Porto Alegre em 2005.
Uma nota divulgada por algumas entidades que fazem parte do comitê organizador do Fórum segue a mesma linha. "A mudança das políticas democráticas desenvolvidas em Porto Alegre, com o retorno daqueles que sempre estiveram com FHC e implementaram o desastre neoliberal no país, comprometeria a condição de Porto Alegre como capital do Fórum Social Mundial", diz o texto, conforme o jornal.
O coordenador executivo do evento no Rio Grande do Sul, Jefferson Miola, sustenta a manutenção da próxima edição em Porto Alegre. Ele alega dificuldades técnicas para mudar a sede quando faltam pouco mais de dois meses para o evento, como a compra de passagens e reservas em hotéis que já foram feitas por participantes no mundo inteiro.
O evento ocorre entre 26 e 30 de janeiro, e há até a possibilidade de adiamento para definir o local.


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