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sábado

A racionalização da sociedade capitalista em Weber e a perspectiva revolucionária em Marx 

Erick da Silva


Com grande freqüência temos visto idéias de Max Weber serem confrontada e apresentadas como sendo uma antítese do marxismo, uma visão sociedade que se contrapõe as idéias marxistas. O que é plenamente justificável.
Marx e Weber, em comum, possuem o fato de ambos terem dedicado boa parte de suas obras a analisar a sociedade capitalista contemporânea. No entanto, o diagnóstico feito por ambos em muito se confronta.
Weber, em seu tempo, teve uma grande influência sobre a academia, é inegável a sua contribuição no sentido de consolidar a sociologia como uma ciência. Muitas das idéias levantadas por Weber ainda hoje exercem forte influência (das mais diferentes maneiras) em muitos setores. Principalmente no debate sobre a viabilidade (ou não) de mudanças na ordem vigente, aos quais muitos defensores do status quo se valem de um discurso ambíguo que se apóia por diversas vezes em pressupostos levantados por Weber.
Da mesma forma que as idéias de Marx permanecem em debate e colocadas a prova frente às diversas mudanças conjunturais e ao processo de evolução do sistema capitalista. Mesmo após a “queda do muro”, onde muitos ideólogos da ordem se apressaram em afirmar a falência do marxismo. O que se vê na prática é que ainda se faz presente o debate levantado pelo marxismo. Parafraseando Marx, o “fantasma do comunismo” ainda ronda a atormentar o sistema vigente.
A grande questão é que, se temos de um lado uma teoria centrada na transformação e derrubada do capitalismo e de outro um aparente “contraponto” que legitimaria o capitalismo enquanto um constante evolutivo, através da racionalização permanente da sociedade. Como se colocam em debate essas duas visões é o que, de forma breve, estará sendo apresentado a seguir.

A racionalização da sociedade capitalista em Weber

Max Weber tinha como uma de suas idéias centrais a de que as sociedades capitalistas ocidentais teriam uma tendência central a racionalização em todas as esferas. E é com esta premissa que Weber estrutura a sua analise das sociedades modernas.
O princípio estruturante desta teoria seria de que o capitalismo moderno teria uma tendência para uma crescente racionalização burocrática de sua organização. Substituindo ou se sobrepujando a outras formas de dominação. Pela dominação burocrática se reduziria a influência de outros fatores externos a própria lógica de funcionamento do sistema, como por exemplo, costumes, moral, amizades pessoais e etc. tomando lugar normas e leis que regulariam a sociedade. “As ordens passam a ser dadas de maneira previsível e estável; cuida-se da execução dos deveres e dos direitos dos que se submetem a ela; a especialização necessária para o exercício de cargos ou funções é claramente determinada; (...)” (QUINTANEIRO, 2003, p.139).
A este processo ideal de crescente racionalização burocrática da sociedade, Weber atribuía grande importância para a consolidação do capitalismo e, possivelmente, para a sua própria continuidade. Esta racionalização seria impossível de vir a florescer sem que acompanha-se uma conduta ética que a legitime. “Tal processo ocorrera por meio ‘da empresa permanente e racional, da contabilidade racional, da técnica racional e do Direito racional. A tudo isso se deve adicionar a ideologia racional, a racionalização da vida, a ética racional da economia.’ Em suma, o capitalismo vinculava-se à racionalização na vida prática” (QUINTANEIRO, 2003, p.141). E a este processo, Weber atribuía grande importância a religião protestante.
Principalmente por ser o protestantismo um instrumento decisivo para uma mudança de atitudes e valores em relação ao cristianismo. Que se tornaria claro, no campo dos valores, “a perda de tempo (...) é o primeiro e principal de todos os pecados. (...) A perda de tempo, através da vida social, conversas ociosas, do luxo e mesmo do sono além do necessário para a saúde – seis, no máximo oito horas por dia – é absolutamente dispensável do ponto de vista moral” (WEBER IN: QUINTANEIRO, 2003, p.141). Ou seja, tínhamos uma religião que estimulava a busca pelo lucro, ao contrário do catolicismo que condenava a ambição do lucro e a usura.
Ao fator religioso, Weber via como sendo o impulso decisivo para a consolidação do capitalismo. “Mas este foi apenas um impulso inicial. A partir dele, o capitalismo libertou-se do abrigo de um espírito religioso e a busca de riquezas passou a associar-se a paixões puramente mundanas. O capitalismo moderno já não necessita mais do suporte de qualquer força religiosa e sente que a influência da religião sobre a vida econômica é tão prejudicial quanto a regulamentação pelo Estado.” (QUINTANEIRO, 2003, p.143).
Ou seja, partindo-se deste pressuposto, o processo de racionalização, dentro da sociedade capitalista, seria um processo permanente, e em alguns casos, até mesmo necessário para as sociedades modernas. Mesmo que este processo, carregue consigo também aspectos contraditórios e regressivos.
Como pode-se observar, muitas dessas idéias se vê com freqüência serem proclamadas por diferentes ideólogos do sistema. O próprio neoliberalismo tem muito deste “espírito” weberiano ao defender um sistema em constante processo de transformação a fim de se consolidar e se legitimar a partir de uma retirada do Estado das esfereras produtivas e econômicas e um processo de ideologização constante.

A transformação revolucionária da sociedade em Marx

Karl Marx ao analisar o sistema capitalista, buscou identificar as suas origens, desenvolvimento e, principalmente as suas contradições internas. E seria nestas contradições internas que permitiria a possibilidade da transformação da sociedade para Marx.
O fator fundamental para o nascimento do capitalismo teria se dado a partir do momento que o capital penetrou na esfera da produção, o que permitiu a sua reprodução através do modo de produção capitalista e com ele o surgimento do capital moderno. “Agora, o detentor de capitais não é simplesmente usuário, banqueiro ou mercador. É proprietário de meios de produção, alugador de braços, organizador da produção, fabricante, manufaturador ou industrial. A mais-valia deixa de ser extraída da esfera da distribuição. Passa a ser correntemente produzida no decurso do próprio processo de produção.” (MANDEL, 1978, p.54). Neste processo, temos uma mudança radical na sociedade, passando a burguesia (detentora dos meios de produção) a ser a camada a se beneficiar deste sistema, à custa do proletariado (possuidora apenas de sua força de trabalho).
No entanto, a burguesia apesar de exercer um domínio na sociedade, isso só se dá através de um processo de conflitos permanentes. “A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos das classes. Estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta no lugar das antigas.” (MARX, 2000, p.09) Foi a própria burguesia que possibilitou o surgimento de uma numerosa classe trabalhadora, e que estabelece esta dominação para a sua própria sobrevivência enquanto classe hegemônica.
Marx identificava neste fato: burguesia rica minoritária baseada na exploração de um lado, e proletariado explorado e em maior número de outro, como uma das contradições fundamentais que expunham a possibilidade de mudanças na sociedade. Através do acirramento desta contradição elementar, de que uma minoria se mantém através da exploração da maioria, no transcorrer da luta de classes residiria à possibilidade da transformação da sociedade. Pois “a sociedade não pode mais viver sob esta burguesia, (...) A condição essencial para a existência e para o poder da classe burguesa é a formação e o crescimento de capital. A condição para o capital é o trabalho assalariado. (...) O avanço da indústria, cujo promotor involuntário é a burguesia, substitui o isolamento dos trabalhadores, devido à competição, pela combinação revolucionária, devido à associação. O desenvolvimento da indústria moderna, portanto, tira sob seus pés a própria fundação sobre a qual a burguesia produz e apropria-se de produtos. O que a burguesia, portanto, produz, acima de tudo, é seus próprios coveiros.” (MARX, 2000, p.28).
A solução final para a supressão do sistema capitalista (baseada na dominação de uma classe minoritária sobre a maioria) seria a abolição deste sistema. Pois este, em essência, não seria passível de ser “melhorado” enquanto permanecesse a contradição fundamental da expropriação da mais-valia pela detenção privada dos meios de produção. Esta contradição só seria eliminada pela construção de uma sociedade socialista, baseada na supressão da propriedade privada dos meios de produção e a socialização das mesmas. O que só se faz possível através de uma ruptura, pela via revolucionária.
Mas este ainda não seria o estágio final para a consolidação de uma sociedade de novo tipo. A luta dos trabalhadores, mesmo após a vitória e construção do socialismo, seria um avanço parcial para a construção da verdadeira emancipação. “Se o proletariado se eleva necessariamente à condição de classe dominante em sua luta contra a burguesia e, na condição de classe dominante, tira de cena as antigas relações de produção, então com isto ele tira também de cena a condição para a existência da oposição entre as classes e para a própria existência destas classes. E acaba por abolir seu papel de classe dominante. No lugar da sociedade burguesa antiga, com suas classes e antagonismos de classe, teremos uma associação, no qual o desenvolvimento livre de cada um é a condição para o desenvolvimento livre de todos.” (MARX, 2000, p.44) E esta sociedade, sem divisão de classes, seria o comunismo, um estágio superior de desenvolvimento da sociedade.
Este processo, de derrubada do capitalismo pelo socialismo e de evolução deste último para o comunismo, não seria algo já pré-determinado pela própria evolução da sociedade, muito pelo contrário. Para que ela sagrar-se vitoriosa seria necessária a ação organizada do proletariado em uma perspectiva revolucionária.

Racionalização versus Revolução

Weber e Marx têm em comum o fato de terem ambos buscado analisar o desenvolvimento da sociedade capitalista contemporânea. No entanto, com pontos de partida, objetivos e métodos distintos. Não ignoramos, no entanto que há pontos de contatos entre as duas posições teóricas. Mas o que aqui queremos destacar são as posições centrais sobre a concepção da sociedade capitalista e suas visões quanto a sua evolução (ou não) de maneira geral.
Se por um lado, Weber reconhecia algumas das mazelas e contradições da sociedade capitalista ele entendia, no entanto, que o capitalismo promovia o desenvolvimento através da racionalização e da eficiência. Enquanto que Marx, ainda que reconheça alguns avanços promovidos pelo capitalismo em relação às sociedades anteriores, coloca-se também as crescentes contradições do sistema, principalmente devido à exploração dos trabalhadores pela burguesia. Residindo aí os limites do capitalismo enquanto sistema, se fazendo necessário (e possível) a sua derrubada.
Para Marx a racionalização não poderia ser entendida como um fim para o capitalismo, mas sim, um meio para incrementar a exploração de classe. E que se dá de forma por deveras irracional não permitindo assim, uma idealização desta racionalização. Weber entendia como possível uma racionalização permanente e (talvez) plena do capitalismo em todas as suas esferas. O que possibilitaria uma evolução do capitalismo para estágios superiores de seu desenvolvimento.
Neste debate, um argumento que é muito corrente ser levantado para contrapor as idéias de Weber as de Marx, é de que o marxismo teria um “pecado original” que o limitaria enquanto teoria, que seria a sua tendência a um unilateralismo do econômico sobre as análises, não levando em conta outros fatores. Esse não é um argumento que surge apenas por parte dos “discípulos” (ou assemelhados) de Weber, mas é comum a muitas outras correntes teóricas que buscam decretar a “morte” ou a “falência” do marxismo frente a teorias mais “modernas” ou completas. E nem é um questionamento novo, mas extremamente necessário de se fazer, visto que ele correntemente surge nos debates e estudos sociológicos e de outras áreas.
Sobre este tema, Engels no final de sua vida buscou esclarecer esta polêmica. “Segundo a concepção materialista da história, o fator que, em última instância determina a história é a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos, uma vez se quer, algo mais do que isso. Se alguém o modifica, afirmando que o fator econômico é o único fator determinante, converte aquela tese em uma frase vazia, abstrata e absurda. A situação econômica é a base, mas os diferentes fatores da superestrutura que se levanta sobre ela – as formas políticas da luta de classes e seus resultados, as constituições que, uma vez vencida uma batalha, a classe triunfante redige, etc, as formas jurídicas, e inclusive os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos que nelas participam, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as idéias religiosas e o desenvolvimento ulterior que as leva a converter-se num sistema de dogmas – também exercem sua influência sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam sua forma, como fator predominante. Trata-se de um jogo recíproco de ações e reações entre todos esses fatores, no qual, através de toda uma infinita multidão de acasos (isto é, de coisas e acontecimentos cuja conexão interna é tão remota ou tão difícil de demonstrar que podemos considera-la inexistente ou subestimá-la), acaba sempre por impor-se, como necessidade, o movimento econômico. Se não fosse assim, a aplicação da teoria a uma época histórica qualquer seria mais fácil de resolver que uma simples equação de primeiro grau.” (MARX e ENGELS, 1983, p.547).
Ou seja, desde o ponto de vista do materialismo dialético, não é possível a compreensão da totalidade da sociedade sem se levar em conta outros fatores, as vezes até mesmo fatores de ordem secundários, para a correta análise da sociedade. Mas não se podem negar os fatores determinantes que definem as contradições internas de uma dada sociedade. Na sociedade capitalista, os fatores de ordem econômica, pela própria lógica de dominação do capital, vem a exercer uma influência decisiva sobre a sociedade em sua totalidade.
E, para o bem e para o mal, a história destes últimos séculos tem demonstrado de forma cabal que não há “correção de rumo” de forma “natural” destas contradições, tanto do ponto de vista racionalista-weberiano e assemelhados, como do ponto de vista de um “marxismo vulgar” a acreditar na derrubada natural do sistema e a edificação do socialismo em seu lugar. Sobre este última em especial, apesar de não pretender aqui aprofundar muito, cabe uma breve observação sobre o equívoco dela, do ponto de vista marxista. O atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, com uma tendência a cada vez mais se fortalecer os monopólios transnacionais que buscam apenas a maximização rápida de seus lucros, sem preocupação alguma com a degradação ambiental por que passa o planeta e a exploração amplificada dos trabalhadores, somada a uma política imperialista belicista com alto poder destrutivo da vida, nos leva a crer que, a frase proferida por Rosa Luxemburgo (comunista alemã do início do século XX) de que é as alternativas seriam o “socialismo ou barbárie” é profundamente atual. O capitalismo não cairá sozinho, a possibilidade mais concreta de sua “morte natural” é levando a humanidade a própria ruína junto consigo.
Este é um debate a ser permanentemente travado, e que a evolução histórica tem mostrado (ou
mostrará) os acertos e falhas destas duas visões distintas sobre a análise da sociedade capitalista.

sexta-feira

As últimas falácias sobre as eleições 


Flávio Aguiar

Nas últimas semanas cresceram as tentativas de definir, no grito, como se diz, os rumos e as interpretações sobre as eleições.

A primeira e a mais grosseira delas – mas logo acolhida pelas manchetes principais da imprensa – foi a de vincular o PCC ao PT. Não colou. Em primeiro lugar, nada foi investigado. Tratava-se apenas de gerar frases impressionantes para os que só lêem as manchetes nas bancas ou em casa, e para aproveitamento posterior, se autorizadas, em programas de TV no horário eleitoral.
É até possível que o PCC tenha algum rancor contra o PSDB. É difícil medir isso com precisão. Afinal de contas, um dos aspectos mais graves da situação da segurança pública em São Paulo, é a de que ela deixou de ser pública. Ninguém sabe o que aconteceu nem o que está acontecendo. Os tempos da ditadura militar nos legaram o triste espólio dos desaparecidos. Em São Paulo enfrentamos a realidade dos invisíveis: quem morreu? Por que morreram os que morreram? Houve acordo do governo com o PCC? Parece que sim, mas...
O mas... é o aspecto mais complicado da questão, porque permite uma profusão de hipóteses, uma mais sinistra do que a outra. A mais abrangente é a de que haveria na verdade um acordo antes da remoção dos presos para Presidente Venceslau no começo de maio. Essa remoção foi, na verdade, a ruptura do acordo que haveria, daí os ataques de 12 de maio, que seriam uma retaliação.
Depois a situação fica mais confusa ainda. Não se sabe até hoje a identidade de vários dos mortos, nem seu número exato, nem por que nem como morreram, há informações sobre execuções que ficam sem investigação apropriada.
Mas essa situação caótica, provocada por uma política de segurança pública completamente inadequada do ponto de vista conceitual e anacrônica, como foi a de São Paulo faz muito tempo, jamais favoreceu partido algum de esquerda em eleições. Ao contrário, ela favorece tradicionalmente a direita. Se alguém sair favorecido dela será ainda a coorte dos que pregam as políticas truculentas, a construção de megapresídios e outras soluções aparentes, na verdade, mega becos sem saída.
A mais recente tentativa na mídia é semelhante a esta: trata-se de colar no PT e no governo Lula tudo o que diz respeito a “sanguessugas” e a só agora badalada máfia das ambulâncias. Novamente há indícios muito sérios de que isso vinha de antes. Mas não interessa, o que importa é malhar o governo. E na esteira vêm outros comentários da mesma laia. Israel arrasa o Líbano e atrapalha a saída de brasileiros? É uma humilhação para o governo Lula! A rodada Doha empacou, estão todos desesperados, uma representante dos EUA saiu batendo as portas: não importa, o fracasso foi da política do governo Lula! E por aí se vai.
Mas o caso mais interessante dos últimos tempos foi o da interpretação da ascensão nos votos da senadora Heloisa Helena. É certo que ela foi catapultada por um auxílio da mídia. Mas o que ela capta tem motu próprio, ainda que ela capte votos em águas muito diferentes entre si. Uma parte do seu voto vem do auto-descontentamento petista; outra parte vem de um descontentamento fluido e generalizado; há um voto feminino; e há um voto de direita, baseado no eterno moralismo que divide a cena política em “bons” e “maus” administradores e assim “naturaliza” as diferenças políticas dos projetos, sempre a favor daqueles que nada querem mudar e criam um véu de aparência ética em torno de suas atitudes, que protegem, no fundo a imoral desigualdade da sociedade brasileira.
Essa captação de votos em várias águas tem mais a ver com a atuação ambígua da própria senadora que ora dá duas no prego, ora três na ferradura, do que com qualquer outra coisa. De um lado, faz um discurso à esquerda, atacando as concessões da política econômica aos valores do mundo financeiro; de outro, faz um discurso à direita, quando, por exemplo, diz que no seu governo nem Bush nem Chávez mandarão no Brasil.
Mas esse movimento ganhou uma interpretação quase unânime de que favorece Alckmin e ameaça Lula. Essa interpretação nasce mais da impossibilidade, até o momento, da candidatura de Alckmin tornar-se auto-sustentável. Até pode ser que eventualmente uma parcela ponderável de eleitores de Heloísa Helena venha a votar em Alckmin num segundo turno. Mas esses seriam eleitores que jamais votariam em Lula; são eleitores que estão descontentes com a própria candidatura tucana, seja lá por que razão for. O que não se cria, até o momento, é a hipótese de que a candidatura tucana mais necessitaria, que é a de migração de votos de Lula para Alckmin através de Heloísa Helena, além da migração direta de um para o outro.
Há um esforço no ar, na mídia e fora dela, de fazer de Alckmin o Felipe Calderón do Brasil. Felipe Calderón foi o candidato conservador que, saindo de um percentual menor nas pesquisas iniciais empatou no final com López Obrador, o candidato de esquerda, e num pleito conturbado e com indícios graves de fraude, venceu por pequena margem no final. Nessa disputa os votos nulos pregados pelos zapatistas e o voto centrista dado à candidata Mercado (1,2 milhões de votos, quando a diferença de votos entre Calderón e Obrador ficou em 250 mil votos num universo de 60 e tantos milhões), foram decisivos. Mercado se apresentava como uma candidatura mais contestadora do “sistema político”, baseada em movimentos sociais de classe média, voto feminino, voto verde, e outros. No caso, a atuação combinada de Mercado e dos zapatistas cortou o contato de Obrador com setores importantes nas franjas do eleitorado que poderia ser seu, e foi decisiva na eleição.
A senadora e seu discurso estão assim entre o dos zapatistas (embora não peçam o voto nulo, mas no sentido de embargar o caminho do candidato que está pegado ao seu no espectro político) e o de Mercado (pegando o voto difuso de uma classe média que não se identifica, por várias razões, com o voto nos candidatos a que tendem as maiorias polarizadas).
Como a senadora é uma, e não duas opções, como ocorreu no México, ela terá, no curso dos acontecimentos, que escolher, porque uma das mostras que essas eleições estão trazendo é a de que o eleitorado está muito mais polarizado em torno de proposições definidas do que querem apresentar os nossos tradicionais “formadores de opinião”. Se for para a esquerda, definirá melhor o patamar ideológico sobre o qual dizem se afirmar ela e seu partido; se for para a direita ou ficar na indefinição, fará jus ao certificado de udenista rediviva cuja ameaça paira sobre sua cabeça.
Uma outra dimensão em que as esquerdas – como um todo – precisam atentar é para a internacionalização dessas eleições brasileiras. Nunca a platéia internacional esteve tão atenta e tão engajada na nossa cena nacional. É artigo do Financial Times para cá, do Wall Street Journal para lá, é avaliação de casa bancária de um lado, de agência de avaliação econômica do outro, é impressionante. O mundo – o da esquerda e o da direita – sabe que a eleição brasileira é decisiva em escala mundial. Por isso também os representantes da ideologia neoliberal no Brasil se empenham tanto em desmoralizar a política externa do governo Lula e apresentar o seu interessante sucesso como um retumbante fracasso, no varejo e no atacado.
Num quadro desses não se pode entrar numa campanha com espírito paroquial, pensando apenas em picuinhas micuins, que é o que a direita faz, enquanto não mostra como pretende administrar a grande fatia do bolo: neutralização das políticas sociais, engajamento internacional subordinado, manutenção dos velhos cacicatos nas regiões definidas como “atrasadas” e dos novos nas definidas como “modernas”.Uma coisa, de tudo isso, é certa: no presente contexto, candidaturas de direita carecem de luz própria para o conjunto mais amplo da população. Dependem de quem lhes queira emprestar alguma.

quinta-feira

Humor 

Autor: Angeli

quarta-feira

Quem entende o economês? 

Bernardo Kucinski
É notável a orquestração da grande imprensa nas últimas semanas em torno de temas da economia muito difíceis de serem entendidos pela maioria dos leitores. Os jornais, em coro, estão pegando pesado contra investimentos do governo, que chamam de “gastos públicos”, e no aumento do salário mínimo. Exigem, por exemplo, “ajuste fiscal de longuíssimo prazo” e “autonomia do Banco Central”.
O Globo fala em “farra fiscal” e atribui “gastos” do governo à proximidade da eleição. O Estado de Minas aterroriza seus leitores com a advertência que os “impostos ainda podem aumentar” devido aos gastos públicos e que “a culpa é do governo federal”. A Folha de S.Paulo destaca que o “superávit primário recorde deste ano esconde 39 bilhões de reais” de contas não pagas pelo governo. No Estadão, o economista do Ipea Fábio Giambiagi manda o governo parar de aumentar o salário mínimo. Até o jornal Valor, normalmente mais sério que os outros, entra na ciranda, acusando estatais de investir 29% a mais este ano sem ter orçamento aprovado – enquanto o correto seria elogiar as estatais por terem conseguido investir mais que no ano passado, mesmo com a oposição boicotando a votação do orçamento no Congresso.
Os principais objetivos dessa orquestração são:
1) A grande imprensa tenta criar uma nova agenda de debates que assuste o eleitor com palavras difíceis e previsões catastróficas. O motivo é que o candidato de sua preferência, Geraldo Alckmin, nada tem a dizer sobre o presente. É difícil reclamar dos programas sociais do governo, a queda nos preços dos alimentos, o barateamento dos materiais de construção ou o crescimento do emprego. Também é difícil comparar a atual gestão com a de FHC, porque todos os índices de comparação favorecem Lula.
2) Colocar uma camisa de força no próximo governo, cobrando antecipadamente autonomia do Banco Central e ajuste fiscal de longo prazo. Impõem um debate hegemônico a fim de ditar a agenda e o programa do futuro governo.
3) Reinventar argumentos contra aumentos reais do salário mínimo e as ações de transferência de renda, depois que a realidade desmoralizou a velha tese de que causam inflação. Depois do reajuste do salário mínimo de abril, o principal índice de preços, o IPCA, caiu de 0,2% para 0,1% ao mês. O grande economista brasileiro Ignácio Rangel (1914-1994) já havia demonstrado que, quando o consumo deslancha e a demanda aumenta, os preços caem em vez de subir; as empresas de bens de consumo passam a produzir e vendem mais com os mesmos custos fixos, já que sempre têm enorme capacidade ociosa. O resultado é que podem baixar preços ao consumidor sem prejuízo no lucro.
4) Acabar mesmo com os aumentos reais do salário mínimo e com as transferências de renda para os mais pobres, independentemente de quem ganhar as eleições. Em artigo de enorme destaque no Estadão, Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), chega a dizer que aumentos reais do salário mínimo desde o início do Plano Real “custaram 250 bilhões de reais para o setor público, o equivalente a 12,1% do PIB de 2,2 trilhões estimado para 2006”.
Ora, como ele pode comparar fluxos de mais de dez anos com o valor do PIB de um único ano? Giambiagi só considera o que chama de “gastos” com salário mínimo, não considera os ganhos trazidos aos cofres públicos com esses aumentos, como maior recolhimento direto ao INSS. Nem o efeito positivo desse aumento de renda para a economia, gerando mais impostos. A campanha contra os aumentos reais para o salário mínimo comete outro erro conceitual ao ignorar que salário é renda – portanto, é parte do próprio PIB. Quanto maior o salário, em especial o salário mínimo, maior o PIB. E quanto maior o PIB, menor a proporção dos déficits do INSS e outras dívidas do governo em relação ao PIB.
O coro da mídia culpa cinicamente os trabalhadores pelos juros altíssimos cobrados pelos bancos, através de um raciocínio tortuoso. “A relação entre a dívida pública e o PIB – o ponto mais vulnerável da macroeconomia do país atualmente – seria hoje de 37,9%, e não de 50%, se não tivessem sido concedidos aumentos reais ao salário mínimo desde dezembro de 1994, acarretando, assim, aumentos no valor das aposentadorias pagas pela Previdência”, diz Giambiagi.
Ele inverteu a lógica dos fatos. Ocultou que a principal despesa do governo são os juros, que realimentam a dívida pública, fazendo com que o peso da dívida em relação ao PIB cresça como bola de neve (e quem usa o limite do cheque especial sabe o que é isso). Bastou o Conselho de Política Monetária (Copom) baixar a taxa de juros repetidamente nos últimos meses para a relação dívida-PIB parar de crescer, mesmo com aumento do salário mínimo. Diz Giambiagi: “Sem os aumentos, os investidores perceberiam menos riscos no Brasil e os juros reais poderiam ser bem mais baixos”. Outra desonestidade intelectual. Até o risco Brasil caiu, depois do aumento do salário mínimo.

segunda-feira

Lula com a força do povo 


Erick da Silva

No último dia 06 de julho iniciou-se uma das disputas eleitorais mais decisivas e importantes para o país que se encerrará em outubro quando se definirá quem será o novo Presidente da República.
Tivemos pela primeira vez a experiência de ter um partido de esquerda, o Partido dos Trabalhadores, a frente da presidência. Nesta disputa eleitoral se fará o necessário balanço do saldo político desta experiência, seus erros e acertos, e se lançará as bases para o futuro segundo mandato.
A conjuntura tem desenhado uma disputa que deverá se polarizar entre dois projetos: de um lado uma opção pelas mudanças e transformações representados na candidatura Lula, e de outro o retorno da velha política neoliberal representada em Alckmin. As demais candidaturas não têm uma expressão decisiva e em geral, tem se prestado mais a fortalecer o retorno do neoliberalismo (mesmo que indiretamente) do que se apresentado como uma “terceira via” com um projeto distinto e alternativo.
As condições para garantir a reeleição de Lula são favoráveis, a grande maioria da população tem demonstrado reconhecer que houve importantes avanços no atual governo e que a sua derrota seria um retrocesso duríssimo.
No dia 13 de julho, em São Bernardo (SP), foi lançada a campanha de reeleição do Lula, onde se apresentou o slogan da campanha: “Lula de novo com a força do povo.” O que demonstra um tom de campanha voltado ao diálogo junto a quem é a verdadeira maioria no país: os milhares de trabalhadores e trabalhadoras (da cidade e do campo) e a grande massa de excluídos e marginalizados; que sempre foram relegados a um segundo plano pelo Estado brasileiro em seus sucessivos governos.
Deram-se importantes passos neste primeiro mandato que apontam nesta direção em diferentes áreas. E para o segundo mandato a expectativa é de se manter e ampliar estas políticas sociais. O desafio é tornar a “força do povo” da marca da campanha em algo mais e transformá-la na marca símbolo do novo governo Lula.
Para isso, no entanto, precisamos dar um “passo a mais” no segundo mandato e tornar ainda mais profundas as mudanças e apontar para a construção de um projeto democrático e popular que altere o quadro de exclusão e desigualdades sociais no Brasil. Para isso serão necessárias medidas muito mais ousadas, que apontem para uma transição de modelo. Um ponto fundamental para isto, é a mudança na política econômica. Mudando radicalmente a sua orientação e apontando para uma perspectiva voltada a democratização e distribuição de renda.
Teríamos outros aspectos e áreas do governo que poderíamos estar aqui listando como políticas que deveriam estar sendo implementadas, alteradas ou aprofundadas no segundo mandato de Lula, mas entendemos que na política econômica esta um dos principais pilares a impedir um aprofundamento dos avanços.
Um outro ponto que merece destaque para se pensar como aprofundar o segundo governo Lula é o tema da participação popular. O seu caráter profundamente transformador (sob os mais diferentes aspectos) daria ao governo algo que lhe faltou (de forma organizada e atuante): a força do povo. Não se pode querer estabelecer uma relação com a população de apoio passivo, mas sim, uma relação de construção e diálogo permanente e direto, dando uma outra qualidade na política do governo como um todo. A votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano (ou melhor, a não votação) nos mostra claramente que a forma como tem sido encaminhada a discussão orçamentária esta falida. A necessidade de termos um Orçamento Participativo nacional se tornou ainda mais evidente. Teríamos na discussão do orçamento não mais este jogo de barganhas da Câmara, mas um amplo processo democrático de participação, debates e deliberação junto à população que daria uma legitimidade ao processo inigualável. A pressão da população para ter o orçamento por ele debatido e deliberado aprovado, daria ao governo muito mais força para aprovar e sair do “balcão” das emendas parlamentares.
O grande desafio, por tanto, é lutar para garantir a reeleição do companheiro Lula com a força do povo e ousadia tornar esta força não apenas uma peça publicitária, mas uma marca transformadora do nosso futuro governo.

quarta-feira

Humor 



Autor: Laerte

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