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sexta-feira

Humor 


quinta-feira

Uma chance desperdiçada 

Erick da Silva

Recentemente os jornais da capital noticiaram um caso comovente de um jovem viciado em crack que pediu para a sua família acorrentá-lo para não consumir mais a droga. Disputar a juventude com as drogas, com o tráfico, tem sido a angústia de muitas famílias em Porto Alegre diante da ausência de políticas públicas municipais.
O tema da juventude geralmente é tratado como uma questão secundária quando não ausente das políticas desenvolvidas pelos governos. Isso só começou a modificar a partir da década de 90, devido as iniciativas e lutas de diferentes segmentos juvenis (movimentos sociais, ONGs, juventudes partidárias, etc.) que conquistaram uma maior visibilidade ao tema, frente ao grande crescimento da população jovem no país. Hoje, mais de 20% da população brasileira tem entre 15 e 24 anos. Dados do IBGE de 2001 apontam que este setor é o mais afetado pelo desemprego, com um índice superior a 18%, quando a média nacional é de pouco mais de 9%.
A situação de exclusão e desassistência do poder público com a juventude é grave e vai desde a violência que atinge com maior intensidade aos jovens, do drama do desemprego, o difícil acesso à educação, à cultura, etc. Estes e outros fatores dão conta da urgência dos governos (federal, estaduais e municipais) em encarar o tema com a prioridade necessária. É neste contexto que a juventude tem reivindicado e conquistado a criação de espaços próprios para a elaboração, articulação e execução de políticas públicas específicas.
Ao assumir a Prefeitura de Porto Alegre, Fogaça anunciou a criação de uma Secretaria para o tema. Passado mais de um ano de gestão, o que vemos é uma iniciativa que poderia ser importante, se revelar uma grande frustração.
Temos uma secretaria sem iniciativa, que ainda não mostrou a que veio. Até o momento não foram apresentadas políticas públicas para superar a situação crítica da juventude na cidade.
A Secretaria de Juventude, além de sofrer de falta de iniciativa, acabou com experiências positivas que já existiam, como por exemplo, o Fórum Municipal da Juventude, que era um espaço de interlocução e participação direta da juventude com a Prefeitura. No Fórum se buscava estimular o protagonismo direto dos envolvidos para a formulação de projetos e programas.
A nova Secretaria, impregnada de velhas práticas, não debate e não estimula espaços que permitam a um amplo conjunto da juventude da cidade discutir os seus problemas e soluções. O prejuízo para o município como um todo é evidente. Tivemos uma longa construção de lutas e debates para colocar o tema da juventude em seu devido lugar. E vemos um espaço que poderia ser uma importante conquista para a juventude de Porto Alegre, se transformar em uma chance desperdiçada, uma mera vitrine vazia.

quarta-feira

A verdade das manchetes 

Flávio Aguiar - Carta Maior
Os grandes jornais paulistanos vêm exercendo com regularidade a função de exporem ao público leitor ora o conservadorismo exasperante, ora o conservadorismo exasperado. Seu exercício é eqüitativo, distribuído igualmente pelos editoriais, colunistas, manchetes, sobretudo as de capa, e até na redação das reportagens. E os jornais trocam de função entre si, pondo em evidência alternadamente ora o que exaspera, ora o que é exasperado.
Por dever de ofício, assino um deles, que me dá a dose diária e matutina de exasperação, de que já devo estar até quimiodependente. Em todo caso, isso me salva das doses cavalares de exasperação que me dariam as revistas semanais, quando então eu poderia morrer por overdose de desespero, e meu e o alheio.
Essa dose menor, mas constante, da exasperação ora me deixa de bom humor, quando devo estar na fase eufórica, por me divertir com a aflição dos outros; ora me deixa sem humor, quando devo estar na fase deprê, exasperado com a falta de senso ou até de elegância dos escritos, alguns histéricos, da nossa direita em ação. Confesso, com sentimento masoca, que tenho crises de saudade dos artigos de Gustavo Corção, que eu lia no “Correio do Povo”, em Porto Alegre, em que o ilustre escritor católico defendia todas as causas de direita, inclusive o golpe de 1964. Não sabia o que me exasperava mais, se a defesa de tudo o que era reacionário, ou se a elegância e a qualidade do estilo de Corção, com quem, confesso humildemente, também aprendi a ler e a escrever.Como devo ter realmente algum cromossomo voltado para o meu mal, diariamente examino em alguma banca as manchetes e a capa do outro jornal, o que não assino, para ver se o compro ou não. Nem sempre isso é interessante, porque eles vão ficando muito parecidos do ponto de vista de reportagens e manchetes, apesar dos colunistas de um preferirem um conservadorismo claramente modernoso, enquanto os do outro advogam uma modernidade decididamente conservadora.Mas no sábado, 18 de março de 2006, achei uma manchete original no jornal que busco nas bancas, cuja gravidade me chamou a atenção. Dizia ela: “Reforma agrária acelera desmatamento na Amazônia”. Opa, eu pensei, isso é muito grave. Se assim for, terei de rever meu apoio incondicional à reforma agrária em curso. Comprado o jornal, os dizeres debaixo da manchete me deixaram em dúvida, pois assinalavam que o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) afirmava que “até 2004” os assentamentos do Incra eram responsáveis por 15% do desmatamento na Amazônia Legal. Nenhuma frase sobre os outros 85%; além disso, pensei, “15%” não acelera nem desacelera. E mais: logo depois vinha uma frase dizendo que o coordenador de Meio Ambiente do Incra declarava que neste ano o Instituto teria R$ 26 milhões para aplicar em recuperação ambiental.Buenas, continuei pensando, hábito velho que tenho, vamos à página interna. Meu susto foi maior: “Assentamentos derrubam a floresta” era a manchete. Cáspite!, gritei de mim para mim. Estamos perdidos! Aquele “a”, artigo definido, universalizava a ameaça para toda a Amazônia, prestes a ser derrubada pelas enxadas dos assentados. Não era parte da floresta, nem do ecossistema, etc. Não! Era a Amazônia inteira que caía ante a sanha desabrida da reforma agrária! Havia, nos gráficos e mapas apresentados, uma ligeira contradição sobre se os tais de 15% do desmatamento se referiam a um período que ia até 2002, antes do começo do governo Lula, ou até 2004, já em pleno governo dele, mas isso, pensei, deve ser quezília minha, hábito também antigo, o de buscar rigor, precisão e investigação comprobatória nas denúncias. Hoje em dia, continuei pensando, com estas CPIs finis mundi e com os novos hábitos da imprensa de atirar para todo o lado e depois buscar provas, aliás, freqüentemente declaradas desnecessárias, tanto faz falar de 2002 ou de 2004. O importante é obter a manchete. Ela é a prova que prova a si mesma, mesmo que não tenha sustentação – já não digo nos fatos, mas sequer na matéria.Esta enveredava por caminhos que semeavam dúvidas. O coordenador do estudo do Imazon dizia que era impossível afirmar que todo o desmatamento tivesse sido causado pelo assentamento de colonos, porque parte dos dados recolhidos era de informações obtidas por satélite a partir de 1997. Ou seja: pode ser que os assentamentos tivessem sido feitos em áreas já desmatadas. Mas prosseguia a matéria, e aqui vale a pena recorrer à citação para não incorrer em possível distorção:“Ainda assim, os dados confirmam uma impressão disseminada de que os assentamentos da reforma agrária também têm um papel significativo na destruição da floresta – ainda que muito menos do que o dos latifúndios de soja e gado. Isso, sem contar o desmatamento praticado por invasores e outros pequenos agricultores em áreas não homologadas pelo Incra”.
De propósito não grifei nada no parágrafo citado: confio na inteligência dos leitores e leitoras, costume também já idoso que tenho e prezo. Mas assinalo que, problemas à parte, a base das manchetes assinaladas era “uma impressão disseminada”. De todo modo, o estudo apontava um problema, afirmando que “a maior parte” dos assentamentos tinha sido feita em áreas de cobertura florestal, e que o percentual de floresta entre 1997 e 2004 tinha caído de 76% para 66%. Buenas, continuei pensando a sós com meu mate, isso é de fato um problema. Mas vai ver que o fato dos assentamentos terem sido feitos em áreas de floresta tenha a ver com a quantidade de terras devolutas, isto é, do Estado, na região, em comparação com áreas indevidamente deflorestadas pelo avanço das grandes plantações monoculturais ou de criação de gado, mas que permanecem inutilizáveis para fins de reforma agrária pela antigüidade da legislação que declara uma propriedade como improdutiva, que hoje deveria incluir o conceito de “produção negativa”, isto é, se o seu método de produção gera mais malefícios que exigem investimentos públicos compensatórios do que benefícios para a sociedade. Isso deveria ser investigado, pensei. Procurei sinais de investigação na matéria: necas de pitibiribas. Deve ser besteira minha, pensei. No jornalismo moderno não se fazem perguntas correlatas, vai ver que é isso, e que sou de uma escola antiga. E vejam o tamanho da frase que tive de escrever para levantar a área de investigação! No jornalismo conservador hodierno tal tamanho de frase, cheia de orações subordinadas, é impensável. Esse jornalismo proclamou sua independência, a da autonomia do texto: subordinados, só os espíritos; jamais as orações! E eu dispunha apenas da pergunta. Para obter respostas, eu teria de ir atrás de quem estudou a questão. E provavelmente obteria respostas diferentes, de pessoas diferentes! E iria ao encontro de novas perguntas que eu, como leigo no assunto, não fui capaz de pensar! Nossa! Quantas orações subordinadas eu teria de escrever para reportar tudo isso! Bofé! Para o jornalista pós-moderno, de espírito macunaímico (Ai! Que preguiça!) é melhor sair logo desancando o governo e a reforma agrária na manchete, ao invés de pedir novas matérias. Os patrões ficam contentes e o expediente termina mais cedo.
Entretanto, medindo-se a área ocupada pela matéria no jornal, via-se que dois terços dela era ocupada por declarações daquele coordenador de Meio Ambiente do Incra, Marco Aurélio Pavarino. Dizia ele a seguir que a concepção de assentamento tinha mudado desde 2001. Olha só, me observou o pensamento, não é alguém que algum conservador pudesse acusar de estar fazendo uma defesa doentia do atual governo.
Prosseguia o coordenador dizendo que essa mudança tinha ocorrido a partir da introdução de conceitos sobre “o aproveitamento sustentável da floresta”. Já em 2005, 75% dos novos assentamentos feitos obedecia essa nova concepção mais sofisticada, exigindo inclusive o licenciamento ambiental dado por órgão estaduais, portanto, fora do âmbito federal. E que em 2006 há o tal de financiamento de 26 milhões para recuperação ambiental, o que é inteira novidade, segundo ele, que ressalta não ser essa verba “suficiente para tudo”, embora aponte para “o começo de uma nova visão sobre o impacto ambiental dos assentamentos”.
O restante da matéria é ocupado por declarações de Evaristo Miranda, chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite, falando da história de um assentamento que ele acompanha há 20 anos, onde houve gente que deu certo e gente que não deu. Diz ele ainda que a preservação da floresta é garantida por uma área de reserva legal comum, nos fundos de cada lote, (que deve ocupar 80% da área para ter licenciamento ambiental). E que este é o modelo “defendido atualmente” pelo Incra.Depois de ler a matéria, fiquei pensando que a manchete deveria ser “AÇÃO DO INCRA ACELERA REFLORESTAMENTO NA AMAZÔNIA”. E que deveria haver olhos e manchetes internas ressaltando a mudança conceitual, e a quantidade de trabalho que ainda resta planejar para que a situação de desmatamento seja revertida de modo sustentável. Mas em lugar disso, na matéria havia um único olho: “Em 7 anos assentamentos destruíram 10% da mata remanescente”.O pior de tudo é que eu não soube dirimir minha dúvida sobre serem tais olhos e manchetes frutos do conservadorismo exasperante ou do exasperado, matéria com que o pensamento me azucrinou a paciência pelo resto do dia.

sexta-feira

Tucanos escolheram candidato a gerente 

Emir Sader
Os tucanos escolheram o candidato a “gerente do Brasil”. Assim o governador de São Paulo se auto-definiu, quando lançou seu nome como pré-candidato do PSDB à presidência da República. Segundo ele, é disso que o Brasil precisaria – de um gerente. A partir dali começou a construir uma plataforma liberal ortodoxa, reunindo a velhos membros do governo FHC e outras figuras do mundo financeiro que, no auge da crise do governo Lula, passaram a se lambuzar com o mel da prometida retomada do Estado nas suas mãos.
Velhas utopias mercantis foram entoadas, de uma nova reforma da previdência até a privatização do Banco do Brasil, da Petrobrás, da Eletrobrás, da Caixa Econômica e do que ainda esteja porventura nas mãos do Estado. Olhando para o modelo bushiano e o berlusconiano, acenaram com a bandeira neoliberal em estado puro.
Menos Estado, menos governo, menos impostos. “Custo PT” – passou a servir para criminalizar qualquer gasto social. Chalita promovido a educador – como modelito neoliberal de “intelectual” de auto-ajuda.
Mario Covas havia anunciado que o Brasil precisaria de um “choque de capitalismo”, nas eleições presidenciais de 1989. Antonio Ermírio acreditou que poderia levar adiante a idéia de que, se as empresas vão bem e o Estado vai mal, nada melhor que um governador empresário, para depurar o Estado dos seus déficits. Berlusconi foi o ícone máximo dessa estratégia de privatização do Estado por dentro.
Ao escolher a Alckmin, o PSDB abandona qualquer prurido planejador ou de regate de políticas sociais e aponta diretamente para a retomada da versão mais radical das privatizações do governo FHC. É uma escolha fácil no início, porque cativa o grande empresariado paulista, antes de tudo aos banqueiros. Mas leva uma bola de ferro amarrada nos pés, que não se resume a seu estilo sem qualquer carisma, mas se estende a um modelo que se choca frontalmente com as maiores preocupações dos brasileiros. Menos Estado significa menos políticas sociais, menos possibilidades de incentivo à criação de empregos e à distribuição de renda, menos autoridade que tenha políticas de segurança pública. Em suma, é uma candidatura com vôo muito curto.
Para o PT, o presente não poderia ser melhor: um candidato opositor com pouca projeção popular, que obriga a campanha lulista a se diferenciar pela esquerda – tudo o que o partido precisa, para propor o resgate do social no segundo mandato presidencial. Se a isso se soma a inexistência de um candidato peemedebista, pela manutenção da verticalização pela Justiça – Lula sai direto do inferno astral para o paraíso, sem passagem pelo purgatório. Agradece a opção preferencial dos tucanos pelo gerente.

quinta-feira

Humor 


Socialismo macroeconômico 

José Luís Fiori
Goste-se ou não, o socialismo e a esquerda em geral deram contribuições decisivas ao pensamento e às instituições modernas. No Século XVII, na Inglaterra, os “democratas populares”, do exército republicano de Oliver Cromwell, formularam as idéias e propuseram as reformas políticas que estão na origem do “liberalismo revolucionário” e da “democracia radical”, dos séculos seguintes. E sua ala mais à esquerda propôs a coletivização da propriedade da terra, que se transformou na idéia seminal de todos os “socialismos utópicos” da história moderna. No século XVIII, os franceses Meslier, Mably, Morelly, Marechal e Babeuf aprofundaram o debate sobre a liberdade política e a distribuição desigual da riqueza, e Rousseau propôs, pela primeira vez, a estatização da propriedade privada. No século XIX, Marx formulou uma teoria histórica do capital e do desenvolvimento capitalista e sua tendência à globalização, que se transformou na referência obrigatória do pensamento social contemporâneo. Por fim, no século XX, a esquerda teve uma participação muito importante na construção do “estado de bem-estar social”dos europeus, na luta de independência nacional dos povos coloniais, e no sucesso de algumas experiências desenvolvimentistas do “terceiro mundo”.
No campo da política econômica, entretanto, os socialistas deram muito poucas contribuições teóricas originais. E quando participaram pela primeira vez de um governo democrático, logo depois da 1º Guerra Mundial, tomaram uma posição conservadora, seguindo uma política econômica rigorosamente ortodoxa, para enfrentar o caos econômico, o desemprego e a inflação da década de 20. Como no caso mais conhecido de Rudolf Hilferding, marxista austríaco, que assumiu o Ministério da Fazenda da Alemanha, em 1928, e adotou uma política monetarista de estabilização da moeda, contribuindo para aumentar a recessão e o desemprego, e para a derrubada do seu próprio governo. O mesmo que passou com o partido laborista inglês, em 1929, e com os socialistas franceses do governo de Frente Popular de Leon Blum, em 1936, que optaram pela “visão do Tesouro”, para enfrentar suas crises econômicas nacionais, contra a opinião heterodoxa de liberais como John Keynes e David George. Mais à frente, depois da 2º Guerra Mundial, os social-democratas e socialistas só aderiram plenamente às teorias e políticas keynesianas, no final da década de 50. E, assim mesmo, quando enfrentaram crises monetárias mais sérias, como no caso da Grã Bretanha e da Alemanha, em 1966 e 1972, os laboristas ingleses de Harold Wilson e os social-democratas de Helmut Schimit abandonaram suas opções keynesianas, e voltaram para as fórmulas conservadoras da ortodoxia monetarista. Neste sentido, portanto, do ponto de vista estritamente macroeconômico, a adesão de uma boa parte da esquerda à nova ortodoxia neoliberal, na década de 90, não foi um acontecimento excepcional. Nesta longa história, a única grande exceção ficou por conta dos economistas da Escola de Estocolmo e dos social-democratas suecos que enfrentaram a crise econômica da década de 30 com uma política de pactação social, e de promoção ativa do crescimento e do pleno emprego.
Neste campo das políticas econômicas, entretanto, o que ocorreu de essencial depois da 2º Guerra Mundial foi a mudança de posição dos social-democratas que passaram a defender – a partir da década de 50 - um desenvolvimento acelerado do capitalismo, como melhor forma de distribuir a riqueza sem tocar mais na propriedade privada. E, como conseqüência, passaram a defender e praticar as políticas econômicas que favorecessem o aumento da lucratividade do capital – quaisquer que fossem – desde que estimulassem ou permitissem o aumento do produto, e da possibilidade de uma redistribuição fiscal a favor do mundo do trabalho, e do aumento da proteção social. Esta “convergência de interesses”, entretanto, só existiu em alguns países, no período entre 1945 e 1980, a chamada "época de ouro" do capitalismo. E deixou de existir, logo em seguida, durante a “era neoliberal”, quando as políticas ortodoxas atuaram de forma devastadora sobre as economias, as classes e as pessoas mais frágeis.
O surpreendente é que este aumento da desigualdade da riqueza entre as nações, as classes sociais e os indivíduos - nas últimas décadas do século XX - não tenha trazido de volta os temas da agenda clássica dos socialistas, centrada na questão da igualdade social. Pelo contrário, neste período recente, as minudências internas da política macroeconômica passaram a ocupar um lugar crescente e obsessivo nas discussões da esquerda. Mais do que isto, ocorreu algo inimaginável, do ponto histórico: além de definir seus inimigos externos, a esquerda passou a se diferenciar internamente, e a medir as distâncias entre suas tendências reformistas ou revolucionárias, segundo suas posições e divergências macroeconômicas. E passou a travar verdadeiras guerras teológicas sobre alguns conceitos inéditos e totalmente a-históricos, como por exemplo: qual seja o “tamanho ideal” do déficit fiscal ou da relação “dívida externa/ PIB”; ou qual deva ser o “crescimento possível” dentro do modelo de “metas de inflação”, e a “distância ideal” entre as suas “bandas” superior e inferior; ou ainda, de um ponto de vista mais propositivo, o que fazer para “flexibilizar a forma pela qual o Banco Central maneja sua política de juros, para combater a inflação, sem tocar na própria política”. Uma lista de questões conceituais e problemas práticos extremamente limitada e específica, mas que pode ser considerada pertinente do ponto de vista do mundo das finanças, ou do mundo dos economistas, mesmo quando às vezes pareçam filigranas de um debate medieval. Mas é uma coisa completamente diferente ver estas mesmas questões e divergências, colocadas no topo das preocupações socialistas. Neste caso, não cabe dúvidas: trata-se de uma perda de rumo e de identidade e de um empobrecimento notável de uma das principais matrizes do pensamento moderno.

segunda-feira

Mulheres em movimento para mudar o mundo 

fonte: www.democraciasocialista.org.br
O 8 de março - Dia Internacional da Mulher -, hoje, faz parte do calendário dos movimentos sociais no Brasil. Ou seja, é reconhecido como um dia de luta convocado pelo movimento de mulheres, em que todos e todas vão para as ruas se manifestarem. Assim, a adesão dos movimentos é cada vez maior.
É fundamental seguir reafirmando o caráter de luta desse dia, uma vez que vários meios de comunicação e empresas tentam banalizá-lo como um dia de homenagem, até mesmo procurando vinculá-lo ao mercado.
A história do 8 de março e sua relação com a luta das mulheres operárias e socialistas traz desde o início seu caráter combativo e de mobilização. A proposta de Clara Zetkin de dia internacional se inspirou na luta de sindicalistas estadunidenses, em sua maioria, socialistas. Os estudos sobre a história do 8 de março mostram que a data é vinculada ao papel das operárias russas na mobilização do Dia Internacional da Mulher, que desencadeou a revolução russa de 1917. Alexandra Kolontai escreveu que "o dia das operárias, em 8 de março (23 de fevereiro no calendário russo) de 1917, foi uma data memorável na história. A revolução de fevereiro acabara de começar". Também Trotsky em A História da Revolução Russa escreveu "Dia 23 de fevereiro (8 de março) era o Dia Internacional das Mulheres, e estavam programados atos, encontros, etc. Mas não imaginávamos que esse dia das mulheres viria inaugurar a revolução".
Em 2006, no 8 de março, haverá atividades e mobilizações nos estados. Em vários deles, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) é a principal impulsionadora da organização, ao lado das camponesas dos vários movimentos, as sindicalistas, as mulheres negras, lésbicas, donas de casa, indígenas, jovens etc. Em muitos estados, serão atos ou marchas organizados conjuntamente, como é o caso de Porto Alegre.
Para a MMM, o lançamento da Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, em 8 de março de 2005, a partir de uma grande mobilização em São Paulo, deixou um saldo organizativo que coloca para este ano uma grande expectativa de mobilização em todo o país. Isso foi confirmado ao longo do ano nos principais processos de mobilização, e no 17 de outubro, quando houve manifestações em 12 estados no dia da chegada da Carta a Burkina Faso, fazendo parte de 24 horas de Solidariedade Feminista pelo mundo. Por isso, nos estados em que está organizada, a MMM imprime esse sentido de continuidade e processo, que é também de construção de alianças com um amplo conjunto de movimentos.
Neste 8 de março, a MMM atuará a partir do eixo contra a mercantilização, a violência e a exploração das mulheres. É um chamado a combater de forma permanente a violência machista, racista e homofóbica em todas suas manifestações, assumindo a luta feminista pela igualdade como objetivo comum na construção de nossas resistências e alternativas à política de mercantilização e guerra. Por isso, se somará à campanha "Mulheres dizem não à guerra", convocada por uma organização estadunidense chamada "Code Pink" (Código Rosa), que exige a retirada das tropas militares do Iraque. No Brasil, esse eixo se traduzirá na crítica à política de livre mercado e na exigência de tirar dos trilhos a OMC. Também dará continuidade a crítica e denúncia de imposição de controle sobre o corpo das mulheres e à reivindicação de direito à autodeterminação, na qual se insere a luta pela descriminalização e legalização do aborto. Outro tema que terá ênfase será a luta contra a violência doméstica e sexual que se aprofundou sob o neoliberalismo e sua política conservadora, tanto no âmbito familiar quanto no mercado de trabalho e na sociedade em geral.
No âmbito de propostas de alteração da atual desigualdade e hierarquização da sociedade brasileira, terá continuidade a campanha pela valorização do salário mínimo. No 8 de março, a MMM quer promover uma nova ofensiva nessa campanha para, em conjunto com os movimentos que organizaram a Assembléia Popular Mutirão por um Novo Brasil, culminar com uma jornada que vai de 17 de abril a 1° de maio. Segue a reivindicação de dobrar o valor real do salário mínimo, e que se aprovem, ainda este ano, regras que garantam a recuperação desse valor. Também é parte da agenda da MMM o apoio à mobilização das donas de casa em sua luta pela garantia da aposentadoria.
A mobilização e a ocupação dos espaços públicos são, para a Marcha Mundial das Mulheres, suas principais ferramentas de ação. Por isso, as manifestações são sempre animadas, com muitas palavras de ordem, alegorias, faixas, colagens e ao ritmo de uma batucada feminista em vários estados brasileiros.
O 8 de março se insere na continuidade do Fórum Social Mundial de Caracas, e terá como marca uma posição anti-imperialista e anti-capitalista, afirmando seu compromisso com a construção de uma sociedade sem exploração de classes, sem machismo, sem racismo e sem homofobia.

sexta-feira

Título da Vila Isabel é vitória política de Hugo Chávez 

Maurício Thuswohl – Carta Maior


Acostumada a cada ano a retomar o trabalho mais aprofundado de cobertura e análise dos fatos políticos somente na segunda-feira seguinte ao Carnaval, em 2006 a grande imprensa brasileira foi tomada de assalto por um tema político em plena Quarta-Feira de Cinzas. Com o enredo “Soy loco por ti, América – A Vila canta a latinidade”, a G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel sagrou-se campeã do Grupo Especial do Carnaval carioca cantando forte a mensagem da integração do continente e do fortalecimento da identidade latino-americana. Na avenida, a escola da Zona Norte do Rio retratou heróis que lutaram pela emancipação da América Latina, como Tiradentes, Che Guevara, San Martín e Sandino, entre outros, além de trazer uma alegoria com mais de dez metros de altura de Simon Bolívar, general que comandou os processos de independência de Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia no século XIX.

Muito viva por trás dessas personagens históricas, a figura do presidente venezuelano Hugo Chávez foi a mais comentada após a vitória da Vila Isabel. Mesmo não estando presente na Marquês de Sapucaí no domingo de Carnaval para ver a escola, como chegara a admitir, Chávez acabou se tornando o grande beneficiário político da conquista da azul-e-branco. A idéia de divulgar os ideais bolivarianos propagados pela Venezuela através daquele que é considerado “o maior espetáculo da Terra” - e que se materializou através do aporte financeiro dado à escola carioca pela estatal venezuelana de petróleo, a PDVSA - revelou-se para o governo Chávez uma tremenda bola dentro. Ou, para ficar em linguagem carnavalesca, o governo Chávez mereceu nota dez no quesito oportunidade política.



“O triunfo da Vila Isabel demonstra que a consciência da necessidade de integração dos países do Sul tem tomado força e é também o triunfo da idéia de emancipação latino-americana e do resgate dos valores originários dos povos do continente que vem sendo defendida pelo presidente Hugo Chávez há seis anos”, afirmou Nelson Gonzáles, da Embaixada da Venezuela no Brasil. O diplomata ressalta a importância do Carnaval carioca para popularizar os ideais bolivarianos. “O pensamento libertador de Bolívar está aí desde o século XIX e, no entanto, ainda é muito pouco conhecido pelas camadas mais populares no Brasil e até mesmo nos países de língua espanhola. Como o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro é transmitido pela televisão para várias partes do mundo, acreditamos que a mensagem de Bolívar esteja um pouco mais conhecida no Brasil e em outros países”, disse.

O embaixador Julio Montoya também ligou a vitória da Vila Isabel à expansão “da idéia de integração de nosso continente” e garantiu presença no desfile das campeãs que acontecerá no próximo sábado (4). É grande a expectativa quanto a uma possível aparição de Chávez no Sambódromo, mas é pouco provável que ela aconteça, pois o presidente venezuelano teme uma exposição excessiva que possa melindrar o colega Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo que Chávez não apareça, no entanto, é certo que a Venezuela tomou gosto pelo Carnaval e pretende repetir a dose. “O governo venezuelano vai dar continuidade ao apoio a esse trabalho que aproveita o poder da cultura popular para buscar a conscientização coletiva e a emancipação dos povos. São idéias que não foram criadas pelo presidente Chávez, elas estão aí há anos, mas nosso governo tem a compreensão de que é necessário difundi-las”, afirmou Nelson Gonzáles.

ASSUNTO PERIGOSO
A abordagem claramente politizada das autoridades venezuelanas sobre o desfile e seus desdobramentos políticos torna-se mais tímida entre os dirigentes da Unidos de Vila Isabel. Todos repetem o refrão de que a política não é determinante na escolha dos enredos da escola, mas o fato de que nunca se falou tanto de política internacional no Morro dos Macacos e em toda o bairro de Vila Isabel quanto este ano ficou evidente antes do Carnaval, quando o site da Vila na internet conclamava “toda a América Latina a formar um só povo”, e depois, com as inúmeras bandeiras da Venezuela que foram vistas na festa da vitória nas mãos de moradores das comunidades mais pobres da região.

Como o tratamento dado pela grande imprensa tornou o assunto subitamente perigoso, o presidente da escola, Wilson Alves Vieira, conhecido como Moisés, baixou uma regra determinando que todas as declarações sobre o tema Venezuela ficassem concentradas nele. A Carta Maior tentou falar com ele diversas vezes durante o dia, mas seu celular permaneceu desligado. Um diretor da escola, que pediu para não se identificar, afirmou que Moisés está preocupado com possíveis ilações políticas que possam estigmatizar e prejudicar a Vila nas próximas disputas. “Já ouvimos repórter falando que a Venezuela bancou todo o desfile da Vila, o que não é verdade. É por isso que, para o ano que vem, vamos adotar um enredo do Joãosinho Trinta sobre os fenícios ou algo ainda mais distante da realidade política atual”, disse.

Na realidade, o aporte da PDVSA à Unidos de Vila de Isabel foi de cerca de US$ 450 mil dólares, quantia suficiente, segundo os dados tornados públicos pela escola, para arcar com os custos de um terço do desfile de 2006. Houve quem, alheio à polêmica surgida após o título, reforçasse os laços com o tema bolivariano. Foi o caso de Martinho da Vila, figura maior da escola e militante histórico de esquerda. Um dos autores do enredo deste ano - ele também tem um projeto solo sobre latinidade - Martinho (que acabou não desfilando por estar aborrecido com a eliminação do seu samba na escolha interna) afirmou estar “com a alma em festa por a Vila ter vencido com um enredo tão importante”.

O carnavalesco campeão, Alexandre Louzada, passou toda a comemoração pelo título enrolado em duas bandeiras. a da Unidos de Vila Isabel e a da Venezuela. Em entrevista à Carta Maior antes do Carnaval, ele afirmara. “Procuramos explorar a união cultural da América Latina, procurando resgatar a identidade de nosso povo. É um tema polêmico e mexe com diversos interesses políticos. Mas, somos artistas. Não estamos fazendo propaganda política. Falamos apenas sobre a integração cultural. Daí vêm os pensamentos de Bolívar como espinha dorsal de nosso trabalho. Mas não é a política que nos interessa”.

“INFLUÊNCIA CHAVISTA”

Parte da grande imprensa, no entanto, enxergou politização excessiva no Carnaval da Vila Isabel em 2006. Todos os canais de televisão mostraram imagens de populares com bandeiras da Venezuela durante a comemoração pelo título e associaram o desfile a Hugo Chávez, o mesmo acontecendo com os jornais de maior circulação. O jornal O Globo, que fez a maior cobertura da festa carioca, colocou em sua primeira página desta quinta-feira (2) uma foto das bandeiras da Vila e da Venezuela na quadra da escola com a legenda. “As bandeiras da escola de samba e da Venezuela, cujo governo do presidente Hugo Chávez patrocinou o enredo, são agitadas por foliões na quadra da Unidos de Vila Isabel”.

Na matéria de corpo, o jornal afirma que a vitória da Vila “representa uma vitória também para o presidente da Venezuela Hugo Chávez” e diz que ele “tem se notabilizado pela política de enfrentamento com George W. Bush (EUA), Vicente Fox (México) e Alejandro Toledo (Peru) e tem sido acusado de se intrometer na política interna de outros países, como a Bolívia, além de usar a alta do preço do petróleo para comprar aliados”. A matéria diz ainda que Chávez agora “conseguiu estender sua influência ao Carnaval carioca”.

O tom foi o mesmo na parte da mídia venezuelana que é contra o governo de Chávez. As matérias variaram entre as denúncias sobre um “trem-da-alegria” de 500 foliões do governo venezuelano que foram curtir a festa carioca “com tudo pago”, as críticas ao “oportunismo político-carnavalesco” do presidente e as acusações de “mais um desvio de dinheiro da PDVSA pelos roubolucionários”. Segundo Nelson Gonzáles, o governo de Chávez já contava com essas reações. “Qualquer ato de qualquer governo que tente resgatar o respeito ao povo latino-americano para lutar contra a exclusão atual e em prol de mudanças políticas e econômicas no continente será sempre questionado por parte da mídia que é de direita, conservadora e atrelada aos interesses do grande mercado capitalista”, disse.

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