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domingo

Fidel já morreu? 

Fausto Wolff

Com ele morrem muitos personagens: o jovem advogado, filho de rico fazendeiro envergonhado de viver numa pátria em que um patife vagabundo como Batista havia transformado num bordel de luxo para a máfia e políticos norte-americanos corruptos. Morreu o rapaz que passou dos 27 aos 29 anos na cadeia por não aceitar a democracia imposta pelos americanos com votos comprados ou obtidos à força.

Morreu o leitor de Martí, de frei Bartolomeo de las Casas, de Marx e, certamente, de Cervantes. Morreu o homem mais amado de Cuba e o mais odiado pelos cubanos que preferiram Miami e Disney. Morreu também o homem que condenou muita gente à morte, entre elas, o número 2 das Forças Armadas Cubanas, envolvido com o tráfico de drogas. Morreu o homem que a CIA tentou matar mais de dez vezes e que suportou o maior embargo econômico da história moderna.

Morreu o homem que fez a reforma agrária como já poderíamos ter feito há muito tempo: pagando aos latifundiários o que declararam que valiam as terras na hora de pagar seus impostos. Morreu o homem que devolveu a auto-estima aos cubanos. Morreu o homem que diziam possuir a quinta fortuna no mundo. Fidel respondeu que, se encontrassem um dólar numa conta em seu nome no exterior, ele resignaria ao cargo. Morreu o homem que acabou com o analfabetismo, tornou obrigatório o ensino médio e financiou universitários. Morreu o homem que fez de Cuba um exemplo para a medicina da América Latina. Morreu o homem que fez de Cuba a maior potência atlética da América Latina. Morreu o comunista que o papa abençoou.

Certa vez, em Cuba, comecei a entrevistar passantes nas ruas. Todos estavam empregados, ninguém morava em casa alugada e todos, de certa forma, eram funcionários do Estado. Menos um. Perguntei ao senhor carequinha se era funcionário e ele, sorrindo, disse-me que não. "Profissional liberal. Soy limpiabotas."

Na verdade, foram os americanos que jogaram Fidel nos braços da União Soviética. Queriam eleições em Cuba e tinham um candidato que - como já haviam feito com Batista - seria apenas um homem de palha. Foi muito ingênuo achar que, depois de limpar e dedetizar a casa, Fidel deixaria que os americanos colocassem alguém como Collor, por exemplo, lembram-se? Ou como Sarney e FHC, que deixaram o poder riquíssimos e o povo cada vez mais pobre e ignorante.

Arthur Miller, Robert Frost, Edmond Wilson, Sartre, Russell, Clifford Odets, Adlai Stevenson, John Steinbeck, entre outros grandes intelectuais da época, escreveram artigos pedindo a Kennedy que deixasse Cuba em paz. Mas ele preferiu promover o fiasco da Baía dos Porcos e receber, como hóspedes, cubanos leais que em Cuba ninguém queria.

Estive duas vezes com Fidel. Da primeira, perguntei-lhe (ordem da direção da TV) por que não instituía eleições livres. Ele me declarou que sairia muito caro para eles e mais caro ainda para os americanos que mandariam dinheiro para corromper os poucos indecisos. Da segunda vez, eu e outros jornalistas o acompanhamos num passeio pelas ruas - e não vi um guarda-costas.

Formou-se uma multidão gritando "Viva Fidel!" e uma mulher grávida o abraçou. Perguntou-lhe quantos filhos já tinha. Ela disse que este seria o terceiro, e ele: "Por que não está tomando pílula? Que seja o último. Nossa ilha não pode alimentar mais do que o seu espaço permite". Hoje em dia falam muito das prostitutas de Cuba, mas esquecem-se de falar dos milhões de mulheres que, graças a Fidel, salvaram-se da miséria, da fome e da prostituição. Podemos dizer a mesma coisa?

Mas Cuba é uma ditadura e Fidel um ditador. Pois eu lhes digo que 80% do povo brasileiro jamais viu tal democracia. Da última vez que estive em Cuba, entrevistei Teófilo Stevenson, cinco vezes campeão mundial olímpico dos pesos pesados. Ele me apresentou a mulher e filhos, bem como os alunos de educação física. Perguntei-lhe por que não aceitara o contrato de US$ 5 milhões que os americanos haviam lhe oferecido. Respondeu: "Havia muito a fazer em Cuba e, além disso, há coisas mais importantes que o dinheiro".

Fidel já morreu? Não? Então, viva Fidel.

sexta-feira

Humor 


Autor: Angeli

quinta-feira

As 12 regras da imprensa ao noticiar o conflito no Oriente Médio 


Veja as regras que todo mundo deve ter em mente quando escuta os noticiários à noite ou lê os jornais pela manhã.
Regra 1 - No Oriente Médio, são sempre os árabes que atacam primeiro e sempre Israel que se defende. Esta defesa chama-se represálias.
Regra 2 - Os árabes palestinos ou libaneses não têm o direito de matar civis. Isso se chama terrorismo.
Regra 3 - Israel tem todos os direitos de matar civis árabes. Isso se chama legítima defesa.
Regra 4 - Quando Israel mata civis, as potências ocidentais pedem que seja mais comedida. Isso se chama uma reação da comunidade internacional
Regra 5 - Os palestinos e os libaneses não têm o direito de capturar combatentes de Israel mesmo que o número dos capturados seja inferior a três soldados. Isso se chama seqüestrar pessoas indefesas.
Regra 6 - Os israelenses têm o direito de levar a qualquer hora e de qualquer lugar quantos palestinos e libaneses
desejarem (atualmente são mais de 10 mil, incluindo 300 crianças e 1.000 mulheres). Não há limite e não precisam ter provas de culpabilidade de crimes cometidos pelos> seqüestrados. Basta mencionar a palavra mágica "Terrorista" como justificativa. Israel pode manter os seqüestrados presos indefinidamente.
Regra 7 - Quando se menciona "Hezbollah", é obrigatório
na mesma frase dizer a expressão "apoiado e financiado pela Síria e pelo Irã".
Regra 8 - Quando se menciona "Israel'', é proibido falar
a expressão "apoiado ou financiado pelos Estados Unidos". Isso pode dar a impressão de que o conflito é desigual e que Israel não está em perigo existencial.
Regra 9 - Nunca falar de "Territórios Ocupados" ou de
resoluções da ONU, nem violações de direitos humanos ou internacionais nem da convenção de Genebra. Isso pode perturbar os israelenses ou os ocidentais, especialmente os telespectadoras da CNN, da FOX, da BBC, etc.
Regra 10 - Tanto os palestinos quanto os libaneses são
covardes que se escondem entre a população civil que não os querem. Eles dormem com as suas famílias nas suas casas.
Isso se chama de covardia. Israel tem todo o direito de aniquilar os bairros onde eles estão. Isso é permitido e
se chama de "ações cirúrgica de alta valentia".
Regra 11 - Os israelenses falam melhor o inglês, o
francês, o espanhol, o português etc. que os árabes. E, por isso,
eles e os que os apóiam são mais entrevistados e têm
mais oportunidade que os árabes para explicar as presentes
regras (Isso se chama de neutralidade jornalística).
Regra 12 - Todas as pessoas que não estão de acordo com
o exposto acima são definitivamente terroristas e
anti-semitas de alta periculosidade.


(Texto enviado pelo Comitê de Solidariedade à Luta do Povo Palestino/RJ. Traduzido do francês por M.N.Manasseh)

Em defesa da política e da democracia 

Marco Aurélio Weissheimer
Se a ficha ainda não caiu, atenção! Há fortes e crescentes indícios de que está crescendo na sociedade brasileira um movimento subterrâneo (ou nem tão subterrâneo assim) profundamente autoritário que, sob o manto de um discurso de indignação moral, mal consegue disfarçar seu desprezo pela política e pela democracia. Um comercial veiculado pela MTV resume bem o ideário desse movimento. O texto diz: “Vêm aí as eleições. Cuidado! De um lado, o governo sujo pela corrupção, pela hipocrisia que contamina os novos ricos e velhas raposas no poder. De outro uma oposição pensando que todo mundo é idiota e não se lembra do que fizeram quando estavam no governo e nem de suas responsabilidades por zonas de caos em que estamos metidos. No meio de tudo isso, uma campanha inútil e marqueteira com candidatos se atacando e lançando bravatas em busca de votos cordeirinhos. Você vai ficar de que lado? A MTV te dá uma dica: prepare seu saco, os ovos e os tomates”. A conjugação desse texto com as imagens poderia muito bem servir como um comercial de lançamento de um novo movimento fascista.Exagero? Vejamos o que diz exatamente o comercial da MTV, com perdão pelo didatismo. No momento em que certos limites parecem estar sendo ultrapassados, é bom começar a chamar as coisas pelo nome. Em primeiro lugar, uma advertência para a ameaça que as eleições representam. É preciso tomar cuidado, algo que merece ovos e tomates vai começar: a campanha eleitoral. Um processo inútil e mentiroso. Não há qualquer ambigüidade ou ironia na mensagem. O que está sendo dito é isso mesmo. E ninguém escapa da acusação: nem governo, nem oposição. Toda a política é jogada na vala comum da mentira e da inutilidade. Ora, se é assim, para que eleição? Abandonemos a idéia de representação política, de participação da população no processo político. A única forma de enfrentar os problemas da mentira e da corrupção na política seria assim, dissolvendo a própria política. Nada de partidos, nada de candidatos, nada de debate nos meios de comunicação. Ovos e tomates neles! E o que será colocado no lugar disso?
Tomates e ovos. Por que não pedras e tiros?
Ao falar do objetivo do comercial dedicado às eleições deste ano, o diretor de programação da MTV, Zico Góes, disse à Folha de São Paulo, que “a gente não está convidando ninguém a agredir os políticos. A gente só quer que o jovem fique indignado”. É difícil dizer o que é mais assustador: a falsidade ou a banalidade da declaração. Em primeiro lugar, não é verdade que o comercial não está convidando a agredir os políticos. É exatamente isso o que faz. Em segundo, quem é exatamente “a gente”? Quem está convidando? Ao que parece é a direção da MTV. Ela resolveu, então, desencadear uma campanha em defesa do fascismo e contra a democracia, destinada aos jovens? É isso? Outra pergunta singela: quer despertar indignação em relação ao que mesmo? Os recentes acontecimentos da política nacional recomendam uma rejeição total aos políticos envolvidos em esquemas de corrupção. Em qualquer regime democrático, a melhor maneira de fazer isso é através do voto. Ora, se qualificamos o processo eleitoral como algo mentiroso e inútil, como a população poderá materializar sua indignação? Tomates e ovos? Por que não pedras e tiros? Fechemos logo o Congresso e os parlamentos estaduais e municipais, então.
O referido comercial faz um diagnóstico devastador dos políticos, da campanha eleitoral e da atividade política. Mas, aparentemente, a julgar pelas palavras do diretor de programação da MTV, não leva em conta as possíveis conseqüências desse discurso, não para este ou aquele político corrupto, mas para a própria idéia de democracia. Reside aí a banalidade da declaração. A idéia é “que o jovem fique indignado”. Com a democracia e o processo eleitoral? Pois é isso o que está sendo dito em alto e bom tom. Não custa lembrar que a história da democracia no Brasil é marcada por uma série de interrupções autoritárias, quando os políticos foram acusados de serem todos corruptos e incapazes de ajudar a resolver os problemas do país. Em todas essas interrupções, as eleições foram primeiro desqualificadas e depois suspensas. A mais recente delas ainda é muito recente para que seja esquecida. Assim, colocar os políticos e as eleições na sarjeta e sugerir que recebam ovos e tomates não é exatamente uma mensagem original. Mas há um agravante no caso da MTV: a banalidade com que isso é dito e defendido como se fosse uma peça publicitária qualquer.
O Estado é o inimigo?
Alguém poderá considerar tudo o que foi dito acima como um exagero, afinal de contas trata-se apenas de um comercial. Sem entrar no mérito do debate sobre o sentido deste “apenas um comercial”, é preciso destacar que não se trata de um caso isolado. Nos últimos meses, vem crescendo na internet e fora dela manifestações em defesa do voto nulo, movimentos que qualificam a atividade política como uma “coisa suja” e os políticos como seres que deveriam ser varridos do mapa. Dias atrás, uma importante professora da Faculdade de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul concedeu uma entrevista ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde disse estar enojada da política e disposta a fazer uma campanha pelo voto nulo junto aos seus amigos e conhecidos. Que uma professora de História - que certamente conhece a frágil história da democracia brasileira - diga isso já é motivo de espanto. Mas o furo é mais embaixo: manifestações como essa vem se repetindo pela mídia, repetindo, com algumas variações, um mesmo mantra: os políticos não prestam, a política é uma coisa suja, o Estado e os seus agentes são o inimigo a ser enfrentado.
O jornalista Clóvis Rossi, articulista da Folha de São Paulo, destaca em sua coluna de 16 de agosto, intitulada “Delinqüente é o Estado”, um trabalho de André Moysés Gaio, mestre em ciência política e doutor em história social, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. Intitulado “O Estado é delinqüente”, o trabalho “apresenta a noção de Estado delinqüente para explicar uma modalidade de crime que conta com a iniciativa e a liderança dos agentes públicos”. Não é que os agentes públicos se corrompam facilmente no Brasil, diz Rossi. “É pior: eles tomam a iniciativa, lideram o saque aos bens públicos”. É inegável que a corrupção é um grave problema a ser resolvido no país e que o Estado e o sistema político estão exigindo um choque de democracia. Mas não é possível esquecer ou diminuir que são aparelhos do Estado, como a Polícia Federal e o Ministério Público, que vêm denunciando e prendendo, como nunca antes na história da República, servidores públicos dos mais variados escalões. Mas a questão central não é essa. O que esse discurso do “Estado delinqüente” oculta, entre outras coisas, é a delinqüência do setor privado. Afinal de contas, onde há um corrompido há um corruptor que, na esmagadora maioria das vezes, está no setor privado. Não parece que o debate sobre quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, seja o caminho para a superação do problema.
A solução é mais democracia e não menos
Há anos, um grupo de renomados juristas internacionais reúne-se para debater novas formas de combater a lavagem de dinheiro e o crime organizado em todo o mundo. Uma de suas conclusões aponta para uma forte conexão entre o crime organizado e o sistema financeiro internacional. Não há tráfico sem lavagem de dinheiro e não há lavagem de dinheiro sem a participação do sistema financeiro. No entanto, por alguma razão, essa conexão, é muito pouco divulgada e debatida na grande mídia. Particularmente, no caso brasileiro, o Estado e a política são apresentados como os grandes vilões. Serão mesmo? Um possível caminho para tentar elucidar essa dúvida é apostar em mais democracia e não em menos. Há muita gente que anda desencantada com a política e que argumenta que não vem adiantando grande coisa votar. Esse diagnóstico é revelador de duas coisas. A primeira sugere que um sistema democrático não sobrevive se os cidadãos limitarem sua participação ao ato de votar. Se é assim, participar das eleições, manifestar sua indignação ou aprovação através do voto, é uma condição necessária mas não suficiente para a democracia. Se é razoável definir a corrupção como a apropriação do espaço público e do Estado por interesses privados, a forma de combatê-la é democratizar o espaço público e o Estado, o que exige uma participação mais ativa da cidadania, uma participação que não se esgota no ato de votar.
A questão central aqui não é propriamente o tema do voto nulo. Alguém pode querer anular seu voto em uma determinada eleição e não ser contra o processo eleitoral e a democracia. O problema é que essa fronteira, às vezes, pode assumir um caráter nebuloso, criando um caldo de cultura para a proliferação de discursos autoritários e fascistas que têm como alvo a própria idéia de democracia. A história já nos ensinou que, não raras vezes, o autoritarismo e o totalitarismo andam de mãos dadas com a banalidade. Hannah Arendt cantou essa pedra em obras como “Eichmann em Jerusalém” (Companhia das Letras, 1999) e “Origens do Totalitarismo” (Companhia das Letras, 1989). Ao comentar o julgamento do criminoso nazista Eichmann, Arendt afastou a hipótese de que ele fosse um monstro, um sádico, ou um carrasco, descrevendo-o como alguém caracterizado por uma “terrificante superficialidade”, como um indivíduo banal. Não temos nenhum Eichmann entre nós, pelo menos que se saiba. Mas alguns sintomas recentes recomendam uma forte atenção para o risco da banalidade. Se começamos a achar normal que devemos despertar a indignação dos jovens, mostrando que a política e o processo eleitoral são coisas mentirosas e inúteis, as sementes da banalidade, do mal e do autoritarismo encontrarão um fértil terreno para florescer.

Humor 


Autor: Maringoni

quarta-feira

Ataque ao Líbano põe fogo no Oriente Médio 


José Arbex Jr
Admitamos, por um instante, que as explicações dadas pelo governo israelense para o ataque ao Líbano sejam verdadeiras: o grupo terrorista Hizbalá representa um perigo para a segurança nacional israelense, uma ameaça aos seus cidadãos, uma afronta à sua soberania, e deve, por isso, ser erradicado do mapa, ou pelo menos ser expulso para bem longe da fronteira com o Líbano. Ok. Ainda assim, Israel teria o direito de atacar e destruir bairros residenciais, causar o deslocamento de 20 por cento da população libanesa e, em três dias, assassinar brutalmente 350 crianças, mulheres e civis? Se a resposta for “sim”, então qual a diferença de natureza entre o exército de Israel e o Hizbalá? Desde quando a punição coletiva de um povo é um método aceitável de política externa? Por que o terrorismo de Estado é mais lícito do que aquele praticado por grupos?
Mas nem sequer as explicações do governo israelense são verdadeiras, como mostra o jornalista Uri Avneri, militante israelense que, há décadas, batalha por uma paz justa e duradoura entre os povos árabe e judeu:
“(A atual invasão) é semelhante à Operação Paz para a Galiléia de 1982. Naquela época, o Knesset (Parlamento) e o público foram informados de que o objetivo da guerra era ‘expulsar os mísseis Katyushas (do Hizbalá) para uma distância a 40 quilômetros da fronteira’. Era uma mentira deliberada. Ao longo de onze meses antes da guerra, nem um só míssil Katyusha (nem um único tiro) foi disparado através da fronteira. Desde o começo, o objetivo da operação era ocupar Beirute e instalar um ditador fantoche. Como eu contei várias vezes, o próprio (Ariel) Sharon me disse isso nove meses antes da guerra, informação que publiquei, com o seu consentimento (mas sem revelar a fonte). (...) Todos entendem que a atual operação – tanto em Gaza quanto no Líbano – foi planejada pelo Exército e ditada pelo Exército. O homem que hoje toma as decisões em Israel é o (general) Dan Halutz (chefe do Estado-Maior).” (http://palestinechronicle.com/story-07170600448.htm, edição de 17 de julho)
Avneri esclarece, ainda, que o pretexto para a atual invasão – o resgate de dois soldados israelenses capturados e não “seqüestrados”, como quer a mídia (ser)vil, pelo Hizbalá –, é tão pífio e artificial como foi o motivo alegado para a invasão de 1982, isto é: o assassinato do embaixador israelense em Londres pelo grupo terrorista de Abu Nidal. “O assassinato não tinha nada a ver com o Líbano, e muito menos com a OLP, mas cumpriu o seu papel”, diz Avneri. Curiosamente, o mesmíssimo pretexto foi usado para o ataque a Gaza, em junho: libertar soldados “seqüestrados” pelo Hamas. Hum... O governo israelense poderia, ao menos, ter inventado historinhas diferentes.
Se a questão é mesmo acabar com a ameaça representada pelo Hizbalá, por que o ataque é feito justamente agora? A resposta é simples: a operação, além de ter como objetivo instalar um governo fantoche em Beirute (coisa que Sharon não conseguiu fazer em 1982), obedece hoje aos interesses imediatos de Washington. O pano de fundo de toda a questão é a situação insustentável que o brilhante gênio George Bush armou para si próprio no Iraque. É isso, aliás, que explica o pronto e incondicional apoio de Condoleezza Rice à invasão, contra os clamores da ONU e da comunidade internacional; também explica a recente e extraordinária remessa, ao exército israelense, de um carregamento de bombas estadunidenses de alta precisão, guiadas por laser e capazes de destruir bunkers de concreto, segundo informa o jornal New York Times, edição de 22 de julho.
Mas o que tem a ver a invasão israelense do Líbano com o fiasco de Bush no Iraque? Resposta: o Hizbalá, por mero acaso, é apoiado pelos governos da Síria e do Irã, também acusados de fomentar a resistência dos combatentes iraquianos. Os dois regimes devem ser devidamente “disciplinados”, como condição para permitir aos Estados Unidos construir uma paxamericana minimamente estável no Oriente Médio. Se essa condição não for cumprida, as tropas estadunidenses terão que permanecer indefinidamente no Iraque, pois a Casa Branca jamais poderá correr o risco de entregar o país, ou pelo menos as suas regiões mais ricas em petróleo – razão última da invasão de 2003 –, aos xiitas ou a quaisquer outras forças alinhadas aos governos “terroristas” da Síria e do Irã. Só que os gringos não podem permanecer no Iraque: 3.000 soldados já foram mortos, e a contagem não pára de subir. Chegamos, portanto, na raiz do problema: Damasco e Teerã devem se curvar, ou cair.
A invasão israelense constitui, portanto, apenas um desdobramento de uma estratégia arquitetada na Casa Branca e executada por Tel Aviv, em nome da pax americana. Essa perspectiva permite compreender, por exemplo, por que os Estados Unidos, aproveitando o grande impacto causado pelo assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, em fevereiro de 2005, impuseram a retirada de tropas do exército sírio do sul do Líbano, obviamente abrindo o flanco para uma eventual invasão israelense. Simultaneamente, Bush tentou criar, no cenário internacional, as condições políticas para isolar e, eventualmente, atacar o Irã, a pretexto de impedir o desenvolvimento de seu programa nuclear (como, em 2003, o alvo eram as tais “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein).
Em síntese, é disso que se trata: patrocinado por Washington, o governo israelense pratica uma aventura bárbara e criminosa, ditada por interesses e conveniências estratégicas, obviamente contando, para isso, com a cumplicidade ativa ou o silêncio conivente e covarde das ditaduras e monarquias árabes. As demais potências – notadamente União Européia, Rússia e China –, mesmo tendo os seus interesses próprios contrariados pela política expansionista de Washington, não têm vontade política nem se sentem com força para impor qualquer limite real.
Nesse quadro, literalmente qualquer coisa pode acontecer, até mesmo o envolvimento dos exércitos da Síria e do Irã na guerra. Por outro lado, mesmo que os demais governos árabes se submetam docilmente aos desígnios de Washington, eles não controlam completamente as populações, cada vez mais miseráveis e revoltadas. Guerras civis podem se multiplicar pelo Oriente Médio, com conseqüências trágicas para o mundo todo, tanto em termos humanos quanto econômicos (o fornecimento de petróleo, nesse caso, seria fatalmente comprometido, pela multiplicação de atentados e destruição de oleodutos). A única coisa facilmente previsível é a de que a conta em sangue, suor e lágrimas será paga pelas camadas mais pobres e indefesas das populações árabe e judaica.
Em Israel, grupos mais lúcidos de ativistas – aqueles que não aceitam ser bucha de canhão da Casa Branca – articularam, imediatamente, manifestações contra a aventura criminosa do governo Olmert (aliás, Sharon; aliás, Halutz). Mas grande parte da população apoiava a invasão do Líbano, pelo menos no seu início. Novamente, é Avneri quem explica:
“O público israelense não está entusiasmado com a guerra. Está resignado, em clima de fatalismo estóico, por ser informado de que não há alternativa. E, de fato, quem pode ser contra? Quem não quer libertar os ‘soldados seqüestrados’? Quem não quer remover os Katyushas e impor a trégua? Nenhum político se atreve a criticar a operação (exceto os parlamentares árabes, que são ignorados pelo público judeu). Na mídia, os generais reinam supremos... (Um exemplo: o canal de televisão mais popular de Israel convidou-me para uma entrevista sobre a guerra, depois de saber que eu havia participado de uma manifestação contra a guerra. Fiquei muito surpreso. Mas não durou muito – uma hora antes do programa, um apresentador me ligou, em tom de desculpa, e disse que havia cometido um erro terrível; na verdade, eles queriam convidar o professor Shlomo Avineri, ex-diretor geral do departamento de Relações Exteriores, que sempre, com certeza, justificará qualquer ato do governo, usando uma linguagem acadêmica pedante.)”
A cobertura absolutamente execrável da invasão feita pela mídia (ser)vil, aliás, é um capítulo à parte. Os “especialistas” que, de forma cínica, criminosa e irresponsável apresentam o terrorismo de Estado como uma política aceitável, justificada por “razões estratégicas”, deveriam pensar mil vezes naquilo que estão fazendo. Terror sempre gera mais terror e multiplica potencialmente, por todos os lados, o número de suas vítimas.

sexta-feira

Mudar, dentro do socialismo 


Emir Sader

É o regime socialista que permite a Cuba ser o único país no mundo em que não há pessoas abandonadas, sem direitos, sem amparo, sem apoio. Em que não há crianças dormindo nas ruas. O único país em que toda a população possui pelo menos nove anos de escolaridade. O primeiro país no mundo que pôde se declarar "território livre do analfabetismo", que ajudou a Venezuela na mesma conquista e agora o faz com a Bolívia.
Em que toda a população pode gozar gratuitamente dos serviços da melhor saúde pública do mundo. Cuba tem mais médicos trabalhando gratuitamente em países pobres do que toda a Organização Mundial da Saúde, materializando um dos lemas da revolução cubana: "A pátria é a humanidade" (José Martí).
E tudo isso apesar de ser um país sem recursos naturais valorizados no mercado internacional, submetido por séculos a uma economia primário-exportadora, centrada na monocultura do açúcar, pela divisão do trabalho imposta primeiro pelos colonizadores, depois pelos imperialistas. Essas conquistas, que tornam Cuba o país menos desigual -e, assim, o mais justo- do mundo, são possíveis pelo caráter socialista de sua sociedade. Uma orientação contraposta às economias de mercado -que produzem conforme a demanda, conforme o poder aquisitivo, via de regra desigual, dos consumidores e das empresas-, em que as necessidades da população comandam a produção.
Cuba não deve mudar de regime porque é o socialismo que lhe possibilita essas conquistas que permitiram que o país enfrentasse a dura crise da desaparição da URSS e esteja agora no caminho da retomada da consolidação do seu desenvolvimento. Mas Cuba pode mudar aspectos da sua política. Se terminar o bloqueio levado a cabo há mais de 40 anos pelos EUA -a maior potência imperial da história, que cerca de todas as formas a pequena ilha situada a apenas 140 km de seus limites territoriais. Em 47 anos, aconteceram centenas de tentativas de assassinato de Fidel Castro, um intento aberto de invasão, uma busca de cerco naval, ataques de inoculação de vírus em plantações, incêndios em canaviais e outras regiões do país, transmissões ininterruptas de rádio e televisão de canais sediados nos EUA, vôos sistemáticos com aviões supersônicos para fotografar e tentar controlar os movimentos no país -foram algumas das tantas ações de agressão contra Cuba.
O sistema político cubano foi forjado no marco desse cerco criminoso, de mais de quatro décadas, fazendo com que a revolução cubana se desenvolvesse como uma fortaleza assediada pelas agressões do poderoso vizinho do norte. A unificação dos três grupos que protagonizaram a revolução em um partido único surgiu como forma de somar forças, de construir um marco de alianças que dificultasse que os conflitos internos pudessem servir de flanco para a ação inimiga.
Quem se preocupa com soluções para a crise entre os EUA e Cuba e suas conseqüências dentro da ilha deveria olhar para Washington, e não para Havana. O governo cubano não coloca nenhuma condição. Não exige sequer a retirada da base de Guantánamo -que há mais de um século os EUA mantêm na ilha, contra a vontade dos cubanos, agora fazendo dela um calabouço para presos políticos ilegais, submetidos a tratamentos selvagens- para a normalização das relações entre os dois países. Enquanto isso, o governo dos EUA demanda que Cuba se converta em um sistema como o estadunidense para que a normalização das relações seja estabelecida. Exige mudanças justamente naquilo que diferenciou Cuba da República Dominicana ou do Haiti, países caribenhos que, ao ceder ao império vizinho, se encontram entre os mais pobres da região, sem nenhuma das conquistas da ilha. Cuba pode e deve mudar, se terminar o bloqueio. O papel do Brasil deve ser intermediar para superar essa sobrevivência da Guerra Fria e permitir que ambos convivam de forma pacífica, cada um respeitando as decisões soberanas do outro, sem intervenções nem ameaças. E que o povo cubano, soberanamente, sem bloqueios, decida seu presente e seu futuro.
(Observação: o jornal Folha de S.Paulo, perguntou a dois analistas: "Cuba deve iniciar uma transição política para outro regime?" O artigo acima foi a resposta do Emir Sader)

domingo

Humor 


Autor: Baraldi

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