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terça-feira

Agenda tucana para o Brasil prevê retomada da ALCA e privatizações 

Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior
Reforma trabalhista radical, com corte de encargos e direitos; privatização de todos os bancos estaduais; fusão dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário; adoção da política do déficit nominal zero; redução de despesas constitucionalmente obrigatórias em áreas como saúde e educação; menor peso ao Mercosul e retomada das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca): essas são algumas das idéias defendidas por um grupo de especialistas que vem se reunindo com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), com o objetivo de desenhar o esboço de um eventual programa de governo.
Em matéria publicada em 9 de janeiro, o jornal Valor Econômico anunciou: “Alckmin toma aulas para campanha”. Segundo a matéria, o ex-presidente do BNDES e ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros já se destaca como provável homem forte da “República dos Bandeirantes”.
Já participaram de reuniões da “República dos Bandeirantes”, entre outros: Luiz Carlos Mendonça de Barros (ex-ministro das Comunicações de FHC), Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central), Paulo Renato de Souza (ex-ministro da Educação de FHC), Roberto Giannetti da Fonseca (empresário, ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior), Sérgio Amaral (ex-ministro do Desenvolvimento e ex-porta-voz da Presidência da República durante o governo FHC), Xico Graziano (ex-presidente do Incra e ex-secretário da Agricultura de São Paulo), Arnaldo Madeira (ex-líder de FHC na Câmara e atual secretário da Casa Civil de SP), Raul Velloso (especialista em contas públicas) e José Pastore (sociólogo, especialista em relações do trabalho). As “aulas” deste grupo a Alckmin têm um objetivo claro: “o governador está em processo de entendimento dos problemas nacionais”, disse Mendonça de Barros ao Valor.
Déficit nominal zero
Repercutindo o mesmo tema, a Folha de São Paulo publicou em 10 de janeiro: “Alckmin já prepara plano econômico”. A matéria também fala das reuniões da “República dos Bandeirantes”, destacando conversas de Alckmin com Armínio Fraga e o economista Yoshiaki Nakano, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo a Folha, “Alckmin pretende utilizar na campanha as lições que tem recebido”. “Ele tem defendido, por exemplo, a idéia de déficit nominal zero, uma proposta antiga de Yoshiaki Nakano, um dos seus interlocutores mais freqüentes”, acrescenta. Segundo essa proposta, o governo teria que ter receitas para pagar todas as suas despesas, incluindo aí os gastos com juros da dívida pública. Como não há espaço para aumento da carga tributária, a proposta prevê o corte de despesas pelo governo e o aumento do limite de desvinculação de receitas da União.
Além de procurar “entender os problemas nacionais”, Alckmin também teria como objetivo, através das reuniões, demarcar aquela que seria uma de suas principais diferenças em relação ao prefeito de São Paulo, José Serra, outro líder tucano que postula a candidatura à presidência da República. Serra seria centralizador e Alckmin um gestor moderno que governaria com especialistas.
As idéias dos especialistas ouvidos por Alckmin dão uma idéia da agenda tucana para o país que está em construção. Roberto Giannetti da Fonseca, por exemplo, segundo a reportagem do Valor Econômico, é “pouco simpático ao Mercosul no formato atual, cobra evolução mais rápida dos acordos comerciais com a Alca e as negociações com a União Européia”. Já o sociólogo José Pastore “propõe uma reforma trabalhista radical, com corte de encargos e direitos”. Além disso, é um crítico da obrigatoriedade do abono de férias e o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) no formato atual. O deputado Xico Graziano, por sua vez, defende a fusão dos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário e a criação de uma agência reguladora voltada exclusivamente para o agronegócio. E Raul Velloso propõe a redução de despesas constitucionalmente obrigatórias em áreas como saúde e educação.
"Choque de gestão" e privatizações
Apontado como “homem forte” do grupo, Luiz Carlos Mendonça de Barros defende uma redução mais rápida da taxa de juros para conter a valorização do real. Considerado um dos principais representantes da ala desenvolvimentista do governo FHC – que acabou derrotada pela ala do ex-ministro Pedro Malan – Mendonça de Barros não propõe mudanças profundas em relação ao modelo atual. Se, por um lado, é crítico da política de juros praticada hoje pelo Banco Central, por outro, ficou ao lado do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na recente polêmica com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, crítica da tese do déficit nominal zero e defensora do aumento de investimentos nas áreas social e de infra-estrutura. Caso Alckmin seja o candidato tucano, um dos carros-chefe de seu programa deve ser o discurso do “choque de gestão” a ser aplicado no Estado brasileiro, proposta que representa uma variação das teses do estado mínimo.
Outra proposta da agenda tucana para o país que caminha nesta direção diz respeito às privatizações. Em entrevista concedida ao jornal O Globo (edição de 15 de janeiro), ao ser indagado se pretendia retomar a política de privatizações implementada pelo governo FHC, Alckmin respondeu positivamente e citou os bancos estaduais entre suas prioridades. “A maioria já foi privatizada, mas deveriam ser todos. Tem muita coisa que se pode avançar. Susep, sistema de seguros, tem muita coisa que se pode privatizar”, respondeu. Perguntado se os Correios estariam nesta lista de empresas privatizáveis, o governador paulista foi mais cauteloso, mas não descartou a possibilidade. “Correios acho que teria que amadurecer um pouco. Tem muita coisa que não precisa privatizar”, afirmou sem especificar quais. E, além das privatizações, acrescentou que pretende valorizar as parcerias público-privadas em um eventual governo tucano.
Política Externa: prioridade para a Alca
Mas uma das principais diferenças em relação ao governo Lula aparece mesmo é no plano da política externa, onde os tucanos criticam a proximidade com o governo de Hugo Chávez, da Venezuela, e defendem a retomada das negociações da Alca com os EUA. Após a palestra realizada pelo presidente George W. Bush, durante sua visita a Brasília, no início de novembro, o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM) elogiou a fala do líder norte-americano, destacando a questão da Alca.
Na avaliação do senador tucano, essa aliança comercial é de interesse do Brasil e “deve ser buscada e perseguida e não suportada ou adiada”. Para Virgílio, a Alca surgirá com ou sem o Brasil. “Sem o Brasil, fará a alegria do México”, comentou, defendendo que a prioridade da política externa brasileira deveria fazer um pacto político com os EUA em troca de vantagens comerciais claras, incluindo aí a queda de barreiras alfandegárias.
Em relação ao governo Chávez, a posição tucana ficou muito clara nas palavras de Virgílio. Para ele, Chávez só se sustenta na Venezuela “graças às milícias que procuram intimidar as oposições e ao alto preço do petróleo”. A simpatia do PSDB em relação à Alca manifesta-se também através de outras iniciativas. Em 2003, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, encaminhou correspondência ao presidente Lula apresentando a candidatura de Belo Horizonte para abrigar a sede permanente da secretaria geral da Alca.
Na carta, Aécio defendeu, entre outras coisas, que o Brasil deveria incluir, na sua pauta de negociação sobre a criação da área de livre comércio hemisférica a proposta de trazer para cá a sede da organização. “A questão da cidade-sede da área de livre comércio torna-se particularmente estratégica. São evidentes os ganhos oriundos de abrigar a Alca não apenas para Minas Gerais, mas para todo o Brasil”, escreveu o governador mineiro. Essas são algumas das idéias e prioridades que estão sendo alimentadas no ninho tucano para disputar o voto dos brasileiros este ano.

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sexta-feira

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terça-feira

A Socialização da Sociedade 

Rosa Luxemburgo
A revolução do proletariado, que acaba de começar, não pode Ter nenhum outro fim nem nenhum outro resultado a não ser a realização do socialismo. Antes de tudo, a classe operária precisa tentar obter todo o poder político estatal. Mas para nós, socialistas, o poder político é apenas meio. O fim para o qual precisamos utilizar o poder é a transformação radical da situação econômica como um todo.Hoje, todas as riquezas _ as maiores e melhores terras, as minas e empresas, assim como as fábricas _ pertencem a alguns poucos latifundiários e capitalistas privados. A grande massa dos trabalhadores, por um árduo trabalho, recebe apenas desses latifundiários e capitalistas um parco salário para viver. O enriquecimento de um pequeno número de ociosos é o objetivo da economia atual.

Esta situação deve ser eliminada. Todas as riquezas sociais, o solo com todos os tesouros que abriga no interior e na superfície, todas as fábricas e empresas, enquanto propriedades comuns do povo, precisam ser tiradas das mãos dos exploradores. O primeiro dever de um verdadeiro governo operário consiste em proclamar, através de uma série de decisões soberanas, os meios de produção mais importantes como propriedade nacional e em pô-los sob o controle da sociedade.

Só então começa propriamente a mais difícil tarefa: a construção da economia em bases totalmente novas.

Hoje, em cada empresa, a produção é dirigida pelo próprio capitalista isolado. O que e como deve ser produzido, quando e como as mercadorias fabricadas devem ser vendidas é o empresário quem determina. Os trabalhadores jamais cuidam disso, eles são apenas máquinas vivas que têm de executar seu trabalho.

Na economia socialista tudo isso precisa ser diferente! O empresário privado desaparece. A produção não tem mais como objetivo enriquecer o indivíduo, mas fornecer à coletividade, meios de satisfazer todas as necessidades. Consequentemente, as fábricas, empresas, explorações agrícolas precisam adaptar-se segundo pontos de vista totalmente novos:
Primeiro: se a produção deve ter por objetivo assegurar a todos uma vida digna, fornecer à todos alimentação abundante, vestuário e outros meios culturais de existência, então a produtividade do trabalho precisa ser muito maior que hoje. Os campos precisam fornecer colheitas maiores, nas fábricas precisa ser utilizada a mais alta técnica; quando às minas de carvão e minério, apenas as mais rentáveis precisam ser exploradas etc. Segue-se daí que a socialização se estenderá, antes de mais nada, às grandes empresas industriais e agrícolas. Não precisamos nem queremos tirar a pequena propriedade ao pequeno agricultor e ao pequeno trabalhador que, com seu próprio trabalho, vive penosamente do seu pedacinho de terra ou da sua oficina. Com o tempo, todos eles virão até nós voluntariamente e compreenderão as vantagens do socialismo sobre a propriedade privada.

Segundo: para que na sociedade todos possam usufruir do bem-estar, todos precisam trabalhar. Apenas quem executa trabalho útil para a coletividade, quer trabalho manual, quer intelectual, pode exigir da sociedade meios para a satisfação de suas necessidades. Uma vida ociosa, como hoje levam na maioria das vezes os ricos exploradores, acaba. A obrigação de trabalhar para todos os que são capazes, exceto naturalmente as crianças pequenas, os velhos e os doentes é, na economia socialista, uma coisa evidente. Quando aos incapazes de trabalhar, a coletividade precisa simplesmente tomar conta dele – não como hoje, com esmolas miseráveis, mas por meio de alimentação abundante, educação pública para as crianças, boas assistência médica pública para os doentes etc.

Terceiro: a partir do mesmo ponto de vista, isto é, do bem-estar da coletividade, é preciso que os meios de produção, assim como as forças de trabalho sejam inteligentemente administradas e economizadas. O desperdício, que ocorre hoje a cada passo, precisa acabar.

Assim, naturalmente, é preciso suprimir a indústria de guerra e de munição no seu conjunto, pois a sociedade socialista não precisa de armas assassinas. Em vez disso, é preciso que os valiosos materiais e a força de trabalho aí empregados sejam utilizados para produzir coisas úteis. As indústrias de luxo, que hoje produzem todo tipo de futilidades para os ociosos, assim como a criadagem pessoal, precisam igualmente desaparecer. Toda a força de trabalho posta nisso encontrará ocupação mais útil e mais digna.

Se desta maneira criarmos um povo de trabalhadores, em que todos trabalhem para todos, para o bem-estar e o beneficio coletivos, então, quarto: o próprio trabalho precisa adquirir uma configuração inteiramente diferente. Hoje em dia, o trabalho, tanto na indústria, quanto na agricultura ou no escritório é, na maioria das vezes, uma tortura e um fardo para o proletário. As pessoas vão para o trabalho porque é preciso, caso contrário não conseguirão meios de subsistência. Na sociedade socialista, onde todos trabalham em conjunto para o seu bem próprio bem-estar, é preciso Ter a maior consideração pela saúde e pelo prazer de trabalhar. Tempo de trabalho reduzido, que não ultrapasse a capacidade normal, locais de trabalho saudáveis, todos os meios para o descanso e o trabalho precisam ser introduzidos, para que cada um faça a sua parte com maior prazer.
Porem para todas as grandes reformas é necessário o material humano correspondente. Hoje atrás do trabalhador, esta o capitalista com seu chicote _ em pessoa, ou através de seu contra-mestre ou capataz. A fome arrasta o proletário para trabalhar na fábrica, na grande propriedade ou no escritório. O empresário cuida então para que o tempo não seja desperdiçado, para que o material não seja estragado, para que seja fornecido trabalho bom e competente.

Na economia socialista é suprimido o empresário com seu chicote. Aqui os trabalhadores são homens livres e iguais, que trabalham para seu próprio bem-estar e benefício. Isso significa trabalhar zelosamente por conta própria, por si mesmo, não desperdiçar a riqueza social, fornecer o trabalho mais honesto e pontual. Cada empresa socialista precisa, naturalmente, de um dirigente técnico que entenda exatamente do assunto, que estabeleça o que é mais necessário para que tudo funcione, para que seja atingida a divisão do trabalho mais correta e o mais alto rendimento. Ora, isso significa seguir essas ordens de boa vontade, na íntegra, manter a disciplina e a ordem, sem provocar atritos nem confusões.

Numa palavra: o trabalhador da economia socialista precisa mostrar que também pode trabalhar zelosa e ordeiramente sem o chicote da fome, sem o capitalista e seus contra-mestres atrás das costas, que pode manter a disciplina e fazer o melhor. Para isso é preciso auto-disciplina interior, maturidade moral, senso de dignidade, todo um renascimento interior do proletário.

Com homens preguiçosos, levianos, egoístas, irrefletidos e indiferentes não se pode realizar o socialismo. A sociedade socialista precisa de homens que estejam, cada um em seu lugar, cheios de paixão e entusiasmo pelo bem estar coletivo, totalmente dispostos ao sacrifício e cheios de compaixão pelo próximo, cheios de coragem e tenacidade para ousarem o mais difícil.

Porém, não precisamos esperar quase um século ou uma década até que tal espécie de homens se desenvolva. Precisamente agora, na luta, na revolução, as massas proletárias aprendem o idealismo necessário e adquirem rapidamente maturidade intelectual. Também precisamos de coragem e perseverança, clareza interna e disposição ao sacrifício para continuar a revolução até a vitória. Recrutando bons combatentes para a atual revolução, criamos futuros trabalhadores socialistas, necessários como fundamento de uma nova ordem.

A juventude trabalhadora, sobretudo, é chamada para esta grande tarefa. Como geração futura, ela formará com toda certeza o verdadeiro fundamento da economia socialista. Ela tem que mostrar já, como portadora do futuro da humanidade, que está à altura dessa grande tarefa. Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Mas nós conseguiremos, jovens amigos, não é verdade? Nós conseguiremos! Como diz o poema:
Não nos falta nada, minha mulher, meu filho, a não ser tudo que cresce através de nós, para sermos livres como os pássaros: nada, a não ser tempo!
Escrito em Dezembro de 1918

quarta-feira

Humor 


segunda-feira

Os movimentos sociais e seus desafios em 2006 

Emir Sader
A hora da resistência
Os movimentos sociais latino-americanos foram os principais protagonistas das lutas de resistência ao neoliberalismo. No México, no Brasil, na Bolívia, no Equador, entre outros países, coube a esses movimentos – diante da renúncia a resistir ou a dificuldades de mobilização por parte dos partidos – o papel principal nas lutas antineoliberais.
Na primeira fase de aplicação do neoliberalismo, a correlação era muito desfavorável às forças populares. A estabilização financeira obtida imediatamente pela aplicação drástica de planos de ajuste fiscal – que no Brasil teve o nome de Plano Real – deu legitimidade aos governos neoliberais – como os de Carlos Menem, FHC, Fujimori, Salinas de Gortari, entre outros –, isolando relativamente os movimentos sociais e a oposição política.
Os protestos reuniam a setores relativamente limitados – trabalhadores do setor público, movimentos camponeses e indígenas, movimento estudantil –, ainda isolados pelos efeitos propagandísticos dos plano de ajuste. Isto se deu especialmente ao longo da primeira metade da década de 90. Na segunda metade, as crises começavam a demonstrar mais claramente os efeitos negativos desses planos – a crise mexicana ocorreu em 1994, a brasileira em 1999 – e o descontentamento passou a possibilitar maiores manifestações de protesto.
A crise argentina de 2001 e as derrotas eleitorais dos principais implantadores dos planos de ajuste fiscal – Menem, o PRI, Fujimori, FHC – marcaram uma virada no consenso existente até então, que encontrou nos Fóruns Sociais Mundiais sua expressão mais clara da necessidade um outro projeto de sociedade. Começou a se impor o ponto de vista dos movimentos sociais, de que a grande maioria não recebe benefícios da globalização liberal, de que se impõe a necessidade da substituição de metas econômico-financeiras por metas sociais.

Começaram a ser eleitos governos apoiados na oposição aos planos de ajuste – Lula em 2002, Kirchner em 2003, Lúcio Gutierrez em 2003, Tabaré Vázquez em 2004. Parecia que as lutas de resistência dos movimentos sociais permitiriam a superação do modelo neoliberal.
Passados alguns anos, nenhum desses governos rompeu com esse modelo, mantendo a prioridade de metas econômico-financeiras. Um deles – Lucio Gutierrez – foi até derrubado pelos mesmos movimentos sociais que o haviam elegido. Qual a particularidade do ano de 2005 nessa longa caminhada dos movimentos sociais, das forças políticas e do movimento popular na luta contra o neoliberalismo?

A hora das alternativas
Depois de terem protagonizado a resistência aos governos neoliberais, os movimentos sociais tiveram de enfrentar desafios políticos, isto é, possibilidades de colocar em prática alternativas ou fazer parte de frentes políticas antineoliberais. Esses desafios já vêm de algum tempo. Primeiro foi a eleição de Lula à presidência, no Brasil. Depois, a eleição de Lúcio Gutierrez, no Equador, de Nestor Kirchner, na Argentina, e de Tabaré Vázquez, no Uruguai.
A luta dos movimentos sociais é uma luta pela defesa dos direitos da massa da população, atacadas pelas políticas neoliberais. Não se deveria exigir desses movimentos substituir às forças políticas. Mas na prática os movimentos sociais personificam alternativas, lutaram por elas e não podem se encerrar nas lutas sociais, terminam sendo responsáveis, diretos ou indiretos, pela luta política.
No caso de países como Brasil, Equador, Uruguai e, em certa medida, Argentina, os movimentos sociais tiveram que se defrontar com governos que, apoiados por eles ou por uma parte deles, assumiram com posições antineoliberais. Mas o balanço desses governos, desse ponto de vista, é decepcionante. No caso do Equador, já no começo do governo de Lucio Gutierrez houve a ruptura de uma parte dos movimentos camponeses e indígenas – também com conseqüências negativas para esses movimentos, que se dividiram, com uma parte deles permanecendo no governo.
Nos outros casos, os movimentos sociais mantêm posições críticas aos governos eleitos pela esquerda. Na Argentina, o movimento piqueteiro também se dividiu, uma parte mantendo apoio ao governo Kirchner, outra se colocando na oposição. No Brasil e no Uruguai, os movimentos sociais guardam distâncias e desenvolvem críticas – mais ou menos profundas, conforme o movimento – sem, no entanto, romper com o governo. Permanecem com a consciência que os avanços possíveis se darão no marco destes governos e que as alternativas serão de retorno da direita tradicional, no marco atual da relação de forças.
A comprovação de que os projetos políticos é que são decisivos e que os movimentos sociais tem que tomar posições em relação a eles está dado pelas experiências – negativas e positivas – dos governos da região. Do destino destes depende o dos movimentos sociais e a situação geral do povo de cada país.
No caso do Brasil, por exemplo, a manutenção de políticas herdadas do governo FHC foi determinante para os destinos do governo Lula e para a situação do povo brasileiro. Não apenas pela continuidade nos processo de concentração de renda, de transferência de renda para o capital especulativo, de desemprego e precariedade do trabalho, de expropriação de direitos – começando pelo direito à carteira de trabalho. Mas também pela decepção que causa no movimento popular, pela derrota que significa para a esquerda, pela falta da prioridade do social – prometida anteriormente.
O mesmo se pode dizer, de maneira ainda mais aguda, para os movimentos sociais e o povo equatoriano. O apoio dado à candidatura de Lúcio Gutierrez e a participação direta no seu governo não apenas não melhoraram as condições de vida da população, como levaram à divisão dos movimentos sociais, piorando bastante as suas condições de luta.
Dilemas similares passaram a viver os movimentos sociais uruguaios, diante das orientações que se sobressaíram no governo de Tabaré Vázquez. Em melhores condições se encontram os movimentos sociais venezuelanos, pela evolução ideológica e política do governo de Hugo Chávez, que promove efetivamente a prioridade do social, utilizando substanciais recursos do petróleo para programas sociais, que incluíram neste ano o fim do analfabetismo no país.
Os desafios atuais
Depois de terem protagonizado os principais combates de resistência ao neoliberalismo, os movimentos sociais passaram a enfrentar dificuldades, tanto pelos efeitos desmobilizadores dessas políticas – incluído o desemprego que produzem –, quanto pelas dificuldades da esquerda no seu conjunto para superar os programas neoliberais. Em países como Brasil, Uruguai e Argentina, existe a consciência de que, apesar da timidez das políticas governamentais, as transformações propostas pelos movimentos sociais serão possíveis nesses governos ou, dando-se sua substituição por governos da direita tradicional, elas serão postergadas por longo período.
Daí uma espécie de apoio crítico que tem caracterizado, em distintos graus, movimentos como o MST e a CUT, que não seguiram o caminho de setores políticos que optaram pela ruptura com o governo Lula e se isolaram socialmente.
Já outros movimentos, como os zapatistas, promoveram uma virada drástica nas suas políticas, revelando como suas diretrizes anteriores se chocavam com suas condições reais de efetivação. Diante de uma ofensiva militar das FFAA, alegando pretextos de plantações de coca em Chiapas, o EZLN decidiu não resistir militarmente e desmobilizou suas Juntas de Bom Governo.
2005 não foi diferente. Os movimentos sociais tiveram de se enfrentar com governos cujas políticas reproduzem os modelos existentes, embora tivessem pregado, em muitos casos, sua superação. Resistem, criticam, tentam mobilizações, revelam insatisfações com os partidos de esquerda, mas se chocam com a falta de alternativas. Esse é o seu limite. Ou conseguem participar de um processo comum – de forças sociais, políticas, intelectuais – que formule um projeto alternativo ao neoliberalismo, se empenhando, com sucesso, na mobilização popular para construir uma força capaz de romper com o modelo e inaugurar o pós-neoliberalismo, ou seguirão um processo de resistência, fragmentada, sendo vítimas de um modelo diante do qual apresentam pouca capacidade de reversão.
2006 é ano eleitoral em muitos países da região. Um calendário que se iniciou já no final de 2005, com as eleições na Bolívia e no Chile, mas que se estende pelas da Costa Rica, em fevereiro de 2006, da Colômbia, em maio, do México, em julho, do Brasil, em outubro, e da Venezuela, em dezembro. O quadro político pode se alterar, especialmente no Brasil – maior incógnita de todas essas eleições. As melhores novidades podem provir da Bolívia. Pouco ou quase nada se pode esperar da Colômbia, por enquanto, nem da Costa Rica. Do México, uma vitória da esquerda, ainda que moderada, pode consolidar um marco latino-americano ainda mais favorável à saída do modelo neoliberal.
Os movimentos sociais têm que participar desse processo, politicamente, constituindo força, articulando alianças, promovendo debates e formulação de alternativas, senão quiserem permanecer ainda por longo tempo na defensiva. A disputa decisiva se dá no campo política, mas o fundamental é a hegemonia ideológica neoliberal, que penetra inclusive na esquerda. A esquerda tem sido derrotada, principalmente, no campo do debate das idéias. Não que as idéias da direita sejam melhores, mas estas souberam se valer dos erros da esquerda – me refiro aqui desde aquelas do campo socialista, passando pela social-democracia, pelas guerrilhas, pelas múltiplas versões da ultra-esquerda até chegar à esquerda – e ultra-esquerda – atualmente existente entre nós.
A capacidade de seguir mobilizando o povo nas suas lutas depende, atualmente, sobretudo da capacidade de apontar para alternativas – teóricas e práticas – superadoras do neoliberalismo. Este é o maior desafio dos movimentos sociais na atualidade. Se não podem substituir a ação dos partidos, têm que atuar estreitamente ligados a eles, para construir o pós-neoliberalismo.

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