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sexta-feira

O pós-neoliberalismo da nova Bolívia 


Emir Sader

Os bolivianos votaram, pela primeira vez, em si mesmos. Elegeram um deles para dirigir coletivamente o país. E fazem, em poucos meses, o que nenhum governo fez, em séculos. Nacionalizaram os hidrocarburetos, convocaram a Assembléia Constituinte para refundar o Estado boliviano, deram início à reforma agrária.
E, coerentemente com as propostas de campanha, na semana passada o governo de Evo Morales apresentou seu plano “Bolívia digna, soberana e produtiva para viver bem”, um plano de desenvolvimento nacional. Os pontos essenciais do plano são a estabilidade macro-econômica – conservando as políticas monetária e cambial – e a adoção de políticas de saúde, educação, desenvolvimento, infra-estrutura e política externa. A matriz produtiva se articula em torno dos hidrocarburetos, das minas e da biodiversidade.
As prioridades do governo boliviano são o combate à miséria – buscando reduzir de 35% a 27% a parcela da população na extrema pobreza até 2011 –, a criação de 90 mil empregos por ano – reduzindo a taxa de desemprego de 8,4% a 4% –, assim como a construção de 100 mil habitações. Em um ritmo geral de expansão da economia de 4,1% neste ano, até chegar a 7,6% no final do mandato de Evo Morales.
O objetivo do Plano é a erradicação da pobreza e toda forma de exclusão social, para que se garanta o exercício pleno da dignidade e dos direitos de todos os bolivianos. A estratégia do Plano inclui o programa “Comunidades em ação”, com uma participação “maciça, integral e sustentada, inédita”, em saúde, habitação, água potável e apoio à produção em 80 municípios, principalmente nos Estados que concentram a 67% da população de extrema pobreza – La Paz, Cochabamba, Oruro e Potosí.
Nas zonas urbanas haverá um programa, chamado “Reciprocidade e Solidariedade”, junto a um programa para jovens: “Meu primeiro emprego” e “Minha empresa”, para o fomento do desenvolvimento de iniciativas produtivas, e “Bolívia sem fome”, com subsídios para cafés da manhã e almoços escolares.
Projeta-se a criação de um “Seguro Universal de Saúde” e um programa de “Desnutrição zero”, além de um novo pacto social para a refundação da educação pública, a reforma da educação superior, a alfabetização, com um programa “Eu sim, posso” – com apoio de Cuba, para atender a 1,2 milhões de bolivianos.
O plano prevê investimentos públicos, em cinco anos, de 6 bilhões e 883 milhões de dólares e 5 bilhões e 839 milhões de investimentos privados, principalmente nas minas, nos hidrocarburetos e na indústria manufatureira, incluindo as empresas estrangeiras, que se ajustarem à estratégia de desenvolvimento e às leis nacionais.

Humor 


terça-feira

Alerta: educação não é mercadoria 

Erick da Silva

Nos últimos dias, o conjunto do movimento estudantil esteve em alerta, surpreendido pela aprovação de um substitutivo ao Projeto de Lei 341/2003, no último dia 17 de maio, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. O PL altera a atual legislação sobre a cobrança das mensalidades e permite às universidades particulares afastar o estudante que estiver com a mensalidade atrasada por 60 dias.
Este substitutivo, que alteraria a lei de mensalidades, foi apresentado pelo deputado Colombo (PT/PR) e aprovado na CCJ em caráter conclusivo, o que o dispensaria de passar pelo plenário da Câmara, seguindo direto para votação no Senado.
A UNE conseguiu barrar o caráter conclusivo do projeto, através de pressão sobre parlamentares para colher assinaturas para que o projeto fosse discutido no plenário da Câmara. Esta vitória tem um caráter apenas parcial, na medida em que o projeto será alvo de debates na Câmara e posteriormente no Senado. Devido a própria pauta já extensa de votações do legislativo, e ao fato de ser ano eleitoral, esta votação deverá ficar para 2007.
O substitutivo era completamente descabido. Se aprovado, o estudante que atrasasse dois meses consecutivos ao pagamento das mensalidades poderia ser automaticamente desligado da instituição, não podendo mais freqüentar as salas de aula, realizar provas ou até mesmo utilizar a biblioteca. A perda do vínculo com a instituição de ensino, inclusive, quase que impossibilita que o estudante obtenha transferência para uma outra instituição e termine o seu semestre ou ano, podendo ver os seus estudos, forçadamente, interrompidos.
Felizmente este ataque aos direitos dos estudantes foi momentaneamente barrado. No entanto, para além do debate de mérito sobre este projeto de lei em si, é fundamental que tenhamos clareza de quais os objetivos que se tinham ao propor estas mudanças.
Este tipo de projeto tem um caráter marcadamente excludente e parte de uma visão em que o ensino superior privado deve ser voltado apenas para gerar lucro para os donos e mantenedoras das universidades. Não para educar melhor e formar futuros profissionais qualificados para exercer suas atividades e contribuírem, de alguma forma, para o desenvolvimento do país.
Se, por um lado, até podemos (com dificuldade) vir a acreditar que um ou outro parlamentar tenha votado favoravelmente a mudanças como estas por puro “desconhecimento de causa” ou “ingenuidade”; por outro lado, fica evidente que o setor ligado às instituições privadas e ao mercado financeiro está extremamente articulado e conta com uma significativa parcela de apoio dentro da Câmara dos Deputados. Este opera exclusivamente para pautar seus interesses mercadológicos e buscar mecanismos e formas de ampliar a sua capacidade de lucro e não mudanças que visem minimamente à melhoria do ensino. Exercendo um forte lobby permanente sobre o parlamento para que atenda aos seus interesses.
O caso específico do substitutivo ao Projeto de Lei 341/2003, o que o motiva é justamente este “espírito”. Se pegarmos os dados divulgados pelas próprias instituições de ensino privada, há muito tempo que uma parcela significativa dos estudantes matriculados nas instituições privadas têm entrado em situação de inadimplência. Em 2003, por exemplo, chegou-se a um número de mais de 30% dos estudantes estarem inadimplentes. Isso ocorre, principalmente, devido aos valores abusivos que estão sendo cobrados nas mensalidades. Para que não fique dúvida alguma quanto a isto, o DIEESE divulgou que de 1997 a 2005 as universidades privadas praticaram um aumento de 147,99% nas mensalidades, ou seja, quase que triplicaram o valor cobrado durante este período. Um aumento muito acima da inflação deste mesmo período.
Este episódio deixa uma importante lição para o conjunto do movimento estudantil e demais lutadores ligados a área da educação: as mudanças e avanços na universidade brasileira só ocorrerão com muita mobilização e pressão social. E ter isto claro é fundamental, principalmente com o cenário (ainda que muito indefinido) que se desenha para 2007. Confirmando-se a reeleição de Lula, abre-se a “janela” para pautar, novamente, a Reforma Universitária (que o MEC esta encaminhando no Congresso), e com isso se reabrem as possibilidades de se avançar em um projeto que democratize o ensino superior por inteiro.
Nas universidades privadas temos muito que avançar ainda. Há um conjunto de leis que, via de regra, dão ampla liberdade para as mantenedoras ou donos das instituições operarem abertamente, e quase que exclusivamente, visando a maximização de seus lucros e a secundarização da qualidade do ensino, que deveria ser a prioridade.
E, se por uma lado, temos inúmeras leis (ou omissões destas) que garantem a “liberdade de mercado” para o ensino privado, do outro lado, o dos estudantes (ou consumidores, como gostam de colocar alguns defensores da lógica mercantil no ensino), infelizmente temos poucas leis que minimamente garantam os seus direitos, tais como qualidade no ensino, liberdade de organização estudantil, democracia e participação na gestão do ensino, etc. Resumindo, a UNE e os estudantes venceram apenas uma batalha neste episódio do projeto de lei, mas a verdadeira guerra ainda está para ser travada.
E este é um duro desafio a ser encarado de frente pelo conjunto do movimento estudantil, e tendo o congresso que temos (atendendo muitas vezes mais aos interesses do mercado do que os do povo), só com muita mobilização e luta que conquistaremos qualquer mudança que atenda aos interesses dos estudantes e do conjunto da população.


Erick da Silva é Secretário da Juventude do PT/POA e militante do movimento estudantil.

quinta-feira

A Bolívia, Honduras e o resto do mundo 

José Luís Fiori
Primeiro foi a Bolívia, mas duas semanas depois, o novo presidente de Honduras, Manuel Zelaya Rosales, também anunciou sua intenção de renegociar contratos e “preços justos”, com as empresas petroleiras, instaladas no seu país (O Globo, 13/5/06). Um fenômeno que vem se repetindo em quase todos os países exportadores de recursos energéticos, que nacionalizam suas empresas ou refazem seus contratos, desde que os preços do petróleo dispararam no mercado internacional. O caso mais importante foi sem duvida o da re-estatização da empresa Gazprom, em 2004/2005, que recolocou a Rússia na condição de “gigante mundial da energia”. Mas este também foi o caminho tomado pelos governos da Nigéria e do Kazakhstan, e pela própria Grã Bretanha, que aumentou em 10%, seus impostos sobre o petróleo do Mar do Norte, no início de 2006.
A mesma política que agora está sendo discutida dentro da União Européia, e que já foi aprovada pelo Congresso norte-americano, que decidiu recentemente “punir as empresas que rejeitem uma mudança nos seus contratos de operação que dará ao governo uma fatia maior dos lucros com o petróleo”( Valor, 22/5/06). Uma decisão que já havia sido tomada pela Venezuela, e que está sendo negociada, neste momento, pelo Equador. Portanto, o que se vê, por todo lado, é uma tendência geral, que o New York Times identificou como uma “ressurgência mundial das políticas nacionalistas” (NYT. 6/5/06).
Confirmando esta hipótese, faz algumas semanas, o ministro japonês Shinzo Abe - provável sucessor de Junichiro Koizume – denunciou numa entrevista ao jornal Financial Times, o “renascimento do nacionalismo asiático” (F.T.28/4/06), em particular na China e na Coréia, exatamente nos dois países onde mais se tem criticado – na direção inversa – a volta do “nacionalismo japonês”. Quase ao mesmo tempo em que o vice-presidente norte-americano, Dick Cheney acusava a Russia, no último dia 5 de maio, de usar seus recursos energéticos com objetivos nacionalistas e expansionistas. Enquanto o ministro da defesa polonês, Radek Sikorski criticava a Alemanha e a Rússia por estarem construindo uma gasoduto entre os dois países, através do Mar Báltico, que exclui a Europa Central e que segundo ele, relembra o acordo de 1938, entre Moltov e Ribbentrof.(F.T. 4/5/06)
Por outro lado, dentro da própria União Européia, multiplicaram-se recentemente as políticas defensivas e as intervenções dos governos para impedir aquisições e fusões empresariais que possam desnacionalizar suas empresas energéticas, como no caso mais surpreendente, do veto inglês à compra pela Gazprom, da Centric PLC, a maior distribuidora de energia do Reino Unido. Por isto, num artigo recente, Matthew Lynn, do Bloomber News, fala explicitamente, da “volta do nacionalismo europeu”, e denuncia o fato das “economias européias estarem se conservado obstinadamente nacionais” (Valor, 4/4/06).
Como explicar esta inflexão nacionalista, tão rápida e universal? Parece tratar-se de um fenômeno de mais longo prazo e que não tem uma causa única. Mas de forma mais imediata, no curto prazo, não há dúvida que esta “onda” vem sendo alimentada pelo problema da “segurança energética” da nova “máquina de crescimento mundial”, liderada pelo eixo entre os Estados Unidos e a China/Índia.Em conjunto, a China e a Índia, detém um terço da população mundial, e vêm crescendo nas duas últimas décadas a uma taxa média de 6 a 10% ao ano, e a previsão é que até 2020, a China deverá aumentar em 150%, o seu consumo energético, e a Índia em 100%, se forem mantidas suas atuais taxas de crescimento econômico. A China já foi exportadora de petróleo, mas hoje, já é a segunda maior importadora do mundo, para atender um terço de suas necessidades internas. No caso da Índia, sua dependência do fornecimento externo de petróleo é ainda maior do que a da China, e nestes últimos 15 anos, passou de 70 para 85% do seu consumo interno.Ao mesmo tempo, o Japão e a Coréia seguem sendo grandes importadores de energia, o que explica sua corrida conjunta e competitiva em direção à Ásia Central, África e até mesmo, à América Latina. O Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres atribui a esta mesma disputa energética, a recente reestruturação naval e a presença militar crescente dos chineses e indianos no Mar da Índia e no Oriente Médio.
No outro lado do “eixo”, os Estados Unidos seguem sendo os maiores consumidores de energia do mundo, e vem deslocando seu fornecimento para dentro de sua zona de segurança estratégica, no México e no Canadá, ou mesmo na Venezuela. Mas apesar disto, seguem atuando de maneira ofensiva e “nacionalista”, em todo mundo, buscando um acordo estratégico de longo prazo com a Rússia, e tentando garantir o controle dos novos territórios petrolíferos da África sub-sahariana, e da Ásia Central.
Nesta luta, a Europa entra como “primo pobre” depois que a Grã-Bretanha voltou a sua condição de importadora de petróleo, enquanto o resto da União importa da Rússia, hoje, 49% do seu gás, e deverá estar importando da mesma Rússia, algo em torno de 80%, por volta de 2030. Por isto, em compensação, a Rússia vem ressurgindo como potência, com mais rapidez do que era esperado, não apenas por deter o segundo maior arsenal nuclear do mundo, mas também ser a fornecedora de energia , também, da China, Índia e Estados Unidos.
Olhando desta forma para a Bolívia e Honduras, o que se vê, em última instancia, é que a globalização do capital acabou globalizando a demanda e a disputa pelos recursos energéticos, e provocou um aumento de preços que pode e deve se sustentar por muito tempo, o que fortalece a posição econômica e estratégica dos países exportadores de recursos energéticos. É esta tensão que está por trás da nova “onda nacionalista”, e tudo indica que veio para ficar por um bom tempo, empurrando as Grandes Potências na direção da sua velha luta pela conquista e monopolização de novos “territórios econômicos” supra-nacionais. Este tufão está recém no início, mas já paralisou a União Européia, atropelou o Mercosul, e deve enterrar brevemente os sonhos liberalizantes da Rodada Doha. Enquanto isto, e apesar de tudo isto, a “idiotia conservadora” segue falando de “populismo latino-americano”.

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