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sexta-feira


Porto Alegre sediará encontro mundial sobre Reforma Agrária


Marco Aurélio Weissheimer

Porto Alegre - A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) promoverá, em março de 2006, em Porto Alegre, uma Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, reunindo representantes de 188 países. O anúncio foi feito pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, na terça-feira (dia 26), durante uma reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Rossetto esteve recentemente em Roma discutindo com a direção da FAO a realização do evento na capital gaúcha.O titular do MDA apresentou a proposta do encontro para discutir reforma agrária e desenvolvimento rural como políticas de redução da pobreza, principalmente nos países pobres. Rossetto considerou a decisão da FAO uma vitória do governo brasileiro e de sua política de reforma agrária, lembrando que o último encontro do gênero foi realizado em 1979, em Roma.

A proposta do governo brasileiro recebeu apoio da União Européia, da América Latina, China, Filipinas, Malásia e países africanos. Segundo Rossetto, o objetivo é realizar um debate aprofundado sobre a agenda da reforma agrária, considerando-a como uma política indispensável para o combate à fome e para o desenvolvimento rural. Ao falar sobre a importância do evento, o ministro lembrou os números já alcançados até aqui pelo Programa Nacional de Reforma Agrária. O governo Lula, citou, já assentou 118 mil famílias de uma meta de 400 mil até o final de seus quatro anos de mandato, em 2006.Atualmente, observou ainda Rossetto, cerca de 18 milhões de brasileiros trabalham diretamente na agricultura, um número que sobe para 40 milhões, se consideradas as relações indiretas com a atividade agrícola. Com esses números, o Brasil é hoje um dos poucos países do mundo que tenta executar um processo de reforma agrária em grande escala.
A organização da conferência

Segundo comunicado da FAO, a conferência de Porto Alegre pretende ajudar na ampliação da mobilização internacional em apoio ao acesso dos trabalhadores do campo à terra e a serviços técnicos de desenvolvimento rural. O secretariado da entidade atuará em conjunto com o governo brasileiro e com grupos regionais para elaborar propostas para a organização do evento. Essas propostas serão analisadas pelo conselho da FAO, que se reunirá em junho.Um dos temas que deve integrar essas propostas, segundo informou o ministro Miguel Rossetto, é o atual impasse na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre os subsídios agrícolas praticados por Estados Unidos e União Européia. A conferência também deverá debater a implementação das metas estabelecidas na Agenda 21, da ONU, para a promoção de um desenvolvimento rural e agrícola sustentável.

A realização da conferência pode significar um fortalecimento da agenda da reforma agrária no Brasil e uma retomada de um espaço que a FAO perdeu nos últimos anos, castigada pelos cortes de recursos em nível internacional. A decisão de trazer o encontro para o Brasil representa também um movimento ofensivo do Ministério de Desenvolvimento Agrário que luta atualmente contra o contingenciamento de recursos no orçamento federal.A aproximação do MDA com a FAO coloca o tema da reforma agrária e do desenvolvimento rural em um patamar internacional, pauta defendida durante o Fórum Mundial da Reforma Agrária, realizado em Valência (Espanha), em dezembro de 2004. Ausente da linha de frente deste debate nos últimos anos, a FAO aposta na recuperação do terreno partido. Fundada em 1945, a organização luta hoje para recolocar na agenda internacional dos governos o tema da pobreza rural.

O desafio de superar a pobreza rural

Segundo a FAO, cerca de 70% da população pobre do mundo vive em áreas rurais. O problema da fome é mais grave nestas regiões, portanto. Considerando que o primeiro dos objetivos das Metas do Milênio, preconizadas pela ONU, é a erradicação da fome e da pobreza, o desenvolvimento destas regiões pobres é uma prioridade urgente, defende a entidade, que vem trabalhando com um programa de educação rural.Um dos principais problemas enfrentados, além da falta de recursos, é que a fome, a desnutrição e a insegurança alimentar reduzem a capacidade de aprendizagem das crianças. Formando um circulo vicioso, o analfabetismo e a desinformação aumentam os obstáculos para o desenvolvimento destas áreas. A FAO estima que cerca de 130 milhões de crianças, a maioria vivendo no campo, carece de cadernos, lápis, livros, professores e aulas de verdade. A superação deste quadro é um dos temas que estará em debate em Porto Alegre, em março de 2006.

quarta-feira

Cartum da Semana:



terça-feira

Cartum da Semana:

Cartum de autoria de Alan Sieber.




A economia e a guerra

A frase na entrada da sede do Banco Mundial (Bird), em Washington, nos EUA, “o nosso sonho é um mundo sem pobreza”, mostra agora a sua verdade cruel: o fim da pobreza será um sonho enquanto existirem instituições como o Bird e o FMI.

A indicação de Paul Wolfowitz para presidente do Banco Mundial foi recebida com ceticismo e perplexidade nos países europeus, e com indignação e revolta nos países do chamado terceiro mundo e nas organizações não governamentais de ajuda ao desenvolvimento. No entanto, só pode causar surpresa a quem não conheça o programa neoconservador que hoje domina o governo dos EUA.
O Banco Mundial (Bird) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) foram criados em julho de 1944, na Conferência de Bretton Woods, com o duplo objectivo de financiar a reconstrução da Europa depois da devastação da Segunda Guerra Mundial e de evitar a ocorrência no futuro de depressões econômicas do tipo da que assolou o mundo capitalista nos anos trinta. Nessa conferência, foi ainda decidida a criação de uma terceira instituição multilateral, a Organização Mundial de Comércio, com o objectivo de regular o comércio internacional, mas esta só veio a ser criada cinquenta anos depois, em 1995.
O FMI tomou a seu cargo a supervisão das políticas macroeconômicas (déficit orçamentário, política monetária, inflação, déficit comercial, dívida externa etc.), a ser acionado em momentos de crise, enquanto o Bird se encarregou das políticas estruturais (políticas públicas, mercado de trabalho, política comercial, alívio da pobreza, etc.). A ajuda ao desenvolvimento com que o BM veio a ser identificado nas décadas seguintes estava pouco presente no mandato inicial, uma vez que os países que mais tarde vieram a ser considerados “subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento” eram então colônias, e o seu desenvolvimento era da responsabilidade das potências coloniais européias.
Tanto o Bird como o FMI foram criados sob a égide do pensamento de Keynes, na crença de que os mercados funcionam freqüentemente mal e que as suas falhas devem ser compensadas por uma forte intervenção do Estado na economia (política fiscal, investimento público etc.).
A partir de 1980, com a era de Reagan e Thatcher, deu-se uma mudança radical (que envolveu purgas no Bird) e as duas instituições passaram a ser as grandes missionárias da ideologia da supremacia do mercado e o Estado, antes visto como solução para os problemas econômicos, passou a ser visto como problema, apenas solúvel com a redução do peso do Estado na economia e na sociedade.
Ao mesmo tempo que o Bird e o FMI foram postos a serviço do modelo norte-americano de capitalismo, o Banco Mundial passou a ser visto como uma instituição dependente do Fundo e este, por sua vez, vinculou-se mais e mais às orientações do Departamento do Tesouro dos EUA. Uma receita universal foi então imposta aos países em desenvolvimento: privatização (das empresas públicas, terra, educação, saúde e segurança social), liberalização dos mercados, desregulamentação da economia, precarização do emprego, descaso de preocupações ambientais.
O resultado desastroso desta orientação está hoje à vista: o aumento dramático das desigualdades sociais; muitos países em África, na América Latina e na Ásia, à beira do caos social e político; 1,2 bilhão de pessoas a vivendo com um dólar por dia e 2,8 bilhões vivendo com dois dólares – ou seja, 45% da população mundial nessa situação.
A partir de meados da década de noventa começou a ser notória a tensão entre o Bird e o FMI, com o primeiro desejando preocupar-se com questões “heterodoxas”, como o meio ambiente, a discriminação sexual e a participação democrática, e aproveitar-se dos golpes na arrogância do FMI produzidos pelos vários fracassos das políticas de ajuste estrutural, culminado no colapso da Argentina em 2001.
Paralelamente, os movimentos sociais reunidos no Fórum Social Mundial têm exigido reformas profundas nas duas instituições ou mesmo a sua abolição. Em particular, denunciam a hipocrisia do Bird e do FMI ao imporem a democracia aos países devedores quando elas próprias não são democráticas (47% do poder de voto no Bird pertence à Europa e EUA). Estas críticas têm vindo a encontrar algum eco dentro do próprio Bird e aqui reside uma das razões da indicação de Wolfowitz.
Para os neoconservadores, o Bird é, tal como a ONU, uma organização suspeita porque é vulnerável ao multilateralismo. Só é tolerável se se puder garantir o seu alinhamento incondicional com os interesses estratégicos dos EUA. Esse alinhamento exige uma maior vinculação da estratégia econômica à estratégia militar. Só assim o “terceiro mundo” deixará de sentir-se dividido entre a supremacia militar dos EUA e a supremacia econômica crescentemente atribuída à União Européia e ao euro.
Para isso é fundamental que a ajuda ao desenvolvimento recompense os países “solidários” na luta contra o terrorismo e puna os recalcitrantes. Por outro lado, é necessário preparar a entrada do Bird no Iraque e convertê-la numa política de compensação para a retirada das tropas cada vez mais encurraladas num beco sem saída. É esta a missão de Wolfowitz: a economia é a continuação da guerra por outros meios.
Os movimentos e as ONGs do Fórum Social Mundial que ainda tinham dúvidas sobre o carácter imperialista e destrutivo do Bird e do FMI deixaram de as ter, o que deve traduzir-se em mais forte mobilização para protestar contra estas instituições e para preparar alternativas realistas. A frase à entrada da sede do Bird em Washington, DC, “o nosso sonho é um mundo sem pobreza”, mostra agora a sua verdade cruel: o fim da pobreza será um sonho enquanto existirem instituições como o Bird e o FMI.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal)

sexta-feira

Pingos Nos Is - Geografia Econômica Mundial
José Luís Fiori
Antes, EUA, Alemanha e Japão. Agora, EUA, China e Índia. Por mais que o establishment norte-americano siga propondo o bloqueio da expansão asiática, esse novo tripé da economia internacional está consolidado como a grande fronteira de expansão e de acumulação capitalista do sistema mundial.
"A 'segurança energética' de longo prazo se transformou num tema absolutamente decisivo da atual agenda geoestratégica das Grandes Potências." ( Financial Times, 17 de março de 2005).
No início do século XXI, o eixo econômico do sistema mundial já está completamente refeito, e não deve ser alterado nas próximas décadas. Depois de 1945, a economia capitalista cresceu liderada pelos Estados Unidos, pela Alemanha e o Japão, seus dois protetorados militares que se transformaram em cadeias transmissoras do dinamismo global, na Europa e no Sudeste Asiático. Um tripé que funcionou, de forma absolutamente virtuosa, até 1973, unificado pela reconstrução do pós-guerra, e pela competição com a União Soviética, enquanto se desfaziam os velhos impérios coloniais europeus.
Este eixo dinâmico da economia mundial entrou em crise na década de 70, e perdeu seu fôlego global, na década de 80, logo antes que as economias alemã e japonesa entrassem em estado de letargia crônica, nos anos 90. Ao contrário dos seus antigos parceiros, os Estados Unidos cresceram durante as duas últimas décadas do século XX, de forma quase continua, liderando uma reestruturação profunda da economia mundial. Foi o período em que a economia nacional da China - e logo depois, a da Índia - foram assimiladas pelo "território econômico" do capital financeiro norte-americano, e se transformaram na fronteira de expansão e acumulação capitalista do sistema mundial.
Dentro desta nova arquitetura, a Alemanha e o Japão ainda não perderam seu lugar na hierarquia das economias nacionais, nem deixaram de ser países ricos, cada vez mais ricos. Apenas perderam o seu protagonismo e a sua liderança do processo de acumulação do capital, em escala global. Foram substituídos pelo novo tripé, e esta mutação geológica da economia mundial não tem mais como ser revertida no médio prazo, mesmo que alguns setores do establishment político e acadêmico americano sigam propondo o bloqueio da expansão asiática, e da China, em particular. Daqui para frente, o entrelaçamento econômico deste novo tripé será cada vez maior, mesmo quando a sua competição geopolítica cresça até o limite do enfrentamento explícito.
É interessante observar que esta revolução renova, de fato, uma das relações mais antigas e permanentes da história econômica moderna. A relação do "ocidente" com as "índias", que está na origem do"milagre europeu" e da economia capitalista, e de todos os grandes impérios que se constituíram, depois dos "descobrimentos". Neste sentido, a nova geografia do capitalismo mundial mantém, atualiza e potencializa, a um só tempo, a relação transcontinental que está na origem da globalização do capitalismo europeu.
Esta"permanência" do sistema mundial, entretanto, não elimina a novidade revolucionária da nova geografia econômica do sistema, nem diminui o seu impacto sobre a economia mundial. É muito difícil de prever todas as suas conseqüências, mas já é possível mapear os primeiros "congestionamentos" e conflitos que estão sendo provocados por este deslocamento geoeconômico. Nestas horas de mudança radical, a economia e a política tendem a convergir mais do que de costume, e fica mais fácil identificar conexões e sobreposições entre o jogo geopolítico da defesa e da acumulação do poder, e o jogo geoeconômico da monopolização e da acumulação da riqueza.
Como se pode ver, por exemplo, neste momento, com relação ao problema da "segurança energética" desta nova máquina de crescimento, um verdadeiro quebra-cabeça, do ponto de vista da reorganização e redistribuição - política e econômica - dos recursos disponíveis e escassos, nos vários pontos do mapa energético do mundo. Não é difícil de entender a complexidade do novo arranjo que está em curso, basta olhar para as duas pontas do novo sistema e para as projeções de suas necessidades, se for mantido seu dinamismo atual. Em conjunto, a China e a Índia detêm um terço da população mundial, e vêm crescendo nas duas últimas décadas a uma taxa média entre 6 e 10% ao ano. Por isto, ao fazer seu Mapa do Futuro Global, o Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos previu em 2005 que até 2020 a China deverá aumentar em 150% o seu consumo energético, e a Índia em 100%, se forem mantidas suas atuais taxas de crescimento econômico. E nenhum dos dois países têm condições reais de atender a suas necessidades internas através do aumento de sua produção doméstica de petróleo ou de gás.
A China já foi exportadora de petróleo, mas hoje é o segundo maior importador de óleo do mundo, importações que atendem um terço de suas necessidades internas. No caso da Índia, sua dependência do fornecimento externo de petróleo é ainda maior do que a da China, e nestes últimos 15 anos passou de 70 para 85% do seu consumo interno. Para complicar o quadro das necessidades asiáticas, o Japão e a Coréia permanecem altamente dependentes de suas importações de petróleo e de gás, o que contribui ainda mais para a intensificação da competição econômica e geopolítica dentro da própria Ásia.
A necessidade urgente de antecipar-se e garantir o fornecimento futuro de energia é que explica, por exemplo, neste momento, a aproximação de todos estes países asiáticos com o Irã, a despeito da forte oposição dos Estados Unidos. Como explica também a ofensiva diplomática e econômica recente - massiva, em alguns casos - da China na Ásia Central, na África e até mesmo na Venezuela; e a presença crescente da Índia em Burma, Sudão, Líbia, Síria, Costa do Marfim, Vietnã e na própria Rússia. Além da sua participação conjunta na disputa competitiva, quase belicosa, com os Estados Unidos e com a Rússia, pelo petróleo do Mar Cáspio e seus oleodutos alternativos de escoamento, através da Ucrânia, Geórgia , Arzebaijão, Turquia, Polônia, ou Afeganistão e Paquistão.
Seguindo a mesma estratégia dos seus governos, as grandes corporações públicas ou privadas chinesas e indianas também têm feito investidas fora de sua zona imediata de atuação tradicional, para controlar empresas estrangeiras que garantam o fornecimento futuro de petróleo para seus países. Como foi o caso da China National Offshore Corporation, que já comprou participação acionária em empresas no Irã, como também no grupo Yukos na Rússia, e na Unocal, dos Estados Unidos. É o mesmo caminho que vem sendo trilhado pelas grandes empresas estatais indianas, a ONGC e a IOC, que já anunciaram novas associações na Rússia, no Irã e na própria China. Por fim, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres atribui a esta mesma disputa energética a recente reestruturação naval e a presença militar crescente de chineses e indianos no Mar da Índia e no Oriente Médio. Como se quisessem relembrar aos economistas mais ingênuos, o parentesco muito próximo que existe entre os caminhos do mercado e a competição militar.
No outro lado da ponta deste novo eixo dinâmico da economia mundial, está os Estados Unidos, que já eram e seguem sendo os maiores consumidores de energia do mundo, e que além disso estão empenhados em diversificar suas fontes de fornecimento, para diminuir sua dependência dos países do Oriente Médio. Hoje, a Arábia Saudita só atende 16% da demanda interna dos Estados Unidos, que já conseguiu deslocar a maior parte do seu fornecimento de energia para dentro de sua zona imediata de segurança estratégica, situada no México e no Canadá, aparecendo a Venezuela logo em seguida, como seu quarto fornecedor mais importante.
Mas, além disso, os Estados Unidos vêm trabalhando ativamente para obter um acordo estratégico de longo prazo com a Rússia, e vem avançando de forma agressiva e competitiva em cima dos novos territórios petrolíferos situados na África subsaariana e na Ásia Central, na região do Mar Cáspio. Isto é, na sua condição de poder global, os Estados Unidos estão disputando todos os territórios que tenham disponibilidade atual ou que apresentem algum potencial futuro, capaz de garantir a expansão contínua do seu poder econômico e político. Para complicar este quadro, na sua área imediata de influência tradicional, a Grã-Bretanha, depois de alguns anos voltou a sua condição de importadora de petróleo, ao lado dos seus demais sócios da União Européia, que hoje importam da Rússia 49% do seu gás, e que deverão estar importando da mesma Rússia algo em torno de 80%, por volta de 2030. Por isto, o governo Putin está trabalhando hoje de forma tão agressiva para transformar a Rússia num "gigante mundial da energia", unificando e reestatizando suas empresas produtoras, segundo o modelo Aramco, da Arábia Saudita. Esta nova megaempresa deve se transformar num instrumento fundamental de poder, na luta russa para se recolocar dentro do jogo econômico das grandes potências e para aumentar a margem de manobra e negociação do país dentro da própria Europa.
Em síntese, o que se esta se assistindo hoje no mundo do petróleo e do gás natural é uma expansão veloz da demanda e um aumento da intensidade da competição, entre os velhos e os novos grandes consumidores da energia disponível no mundo. Mas esta não é apenas uma disputa normal de mercado, nem é o produto de alguma manobra da Opep ou do aumento puro e simples das taxas de crescimento da economia mundial. Pelo contrário, é o produto de uma gigantesca mutação geoeconômica do capitalismo mundial, que está exigindo não apenas um aumento da produção da energia, mas também uma redistribuição radical de suas fontes de produção.
Por trás desta transformação, entretanto, esconde-se uma outra mudança ainda mais complexa : a entrada, no tradicional "jogo" de poder das Grandes Potências, de alguns países que faz mais de 500 anos que se transformaram no "objeto do desejo" dos europeus e que foram suas colônias ou protetorados até meio século atrás. Agora, são eles que estão batendo na porta, anunciando sua passagem.
José Luís Fiori é cientista político

terça-feira


Considerações sobre a disputa política da Reforma Universitária



Toda a ação tem uma reação, esta máxima da Física se presta perfeitamente a sua aplicação em outros terrenos. Esta reação pode nos servir muito bem como forma de aprofundar e elucidar a análise sobre a ação que a originou.
O anteprojeto de Reforma Universitária apresentado pelo Ministério da Educação (MEC) em Dezembro de 2004, provocou inúmeras, e contraditórias entre si, reações a proposta. Estas reações vão desde uma análise de que "a reforma do governo tem como objetivo adequar o ensino superior no Brasil à ALCA, aos planos do FMI e do Banco Mundial." 1 ao extremo oposto, de que ela seria uma "reforma universitária de orientação soviética" 2.
Estes elementos nos balizam a compreender a disputa política que se dará sobre o tema e quais as estratégias adotadas pelos diferentes setores. Da mesma forma que, mesmo que de maneira involuntária e adotando discursos e táticas opostas, estas ações podem acabar por se assemelhar e até mesmo se confundir. Podendo, pelo desenvolvimento e pelos fatos até o momento colocado acabarem por ter o mesmo vórtice de ação final.
A crítica à "esquerda"
A reação dos setores que a classificam como sendo uma "contra-reforma privatista" não chega a ser uma novidade no cenário. Visto que antes da apresentação do mesmo, esta linha já estava definida e fechada. Ela se soma a uma estratégia mais geral adotada contra o conjunto de ações do governo3, e se mantêm indiferentemente da conjuntura colocada. Não levam em conta os avanços (ainda que insuficientes) contidos na proposta e nem se dispõem a estar apresentando alternativas.
Se antes da apresentação do anteprojeto do MEC esta política vinha ganhando alguma força, principalmente devido a ações equivocadas do governo, com um viés claramente privatista como a Lei de Inovação Tecnológica e o PROUNI, hoje, a tendência ao isolamento político é um fato dado. O anteprojeto do MEC foi em uma direção oposta ao que se especulava até então, e quem esperava uma política de viés privatista para poder assim crescer em uma política de oposição aberta, agora encontra grandes dificuldades para atuar.
A resistência dos "tubarões"
Por outro lado, a reação dos empresários do ensino chegou mesmo a causar surpresas a alguns. A primeira reação deste setor foi de ir para o enfrentamento direto, chegando mesmo a declarar que a Reforma Universitária deveria ter como destino "a lata de lixo" 4. E já demostram que pretendem entrar duramente nesta disputa, ao articularem o chamado "Fórum Nacional da Livre Iniciativa na Educação", fórum que congrega entidades representativas do setor, instituições privadas e algumas filantrópicas.
Este setor, que possui forte apoio da mídia grande e que movimenta cifras volumosas de recursos, deve usar de toda a sua força para barrar qualquer possibilidade de mudança no quadro atual, e ainda se possível ampliar as suas benesses. O que ocorreu com o PROUNI é um claro exemplo disso. Um programa que para obter bolsas de estudo, amplia a isenção fiscal das privadas e possibilita um melhor incremento na receita destas. Sofreu um ataque dos "tubarões do ensino" 5 e acabou por ficar ainda mais generosos, ao reduzir a contrapartida que as instituições privadas teriam de dar para aderir ao programa. Isto para não rememorarmos o ocorrido na aprovação da Lei de Diretrizes e Base da Educação de 1996.
A linha geral que se observa do setor privado, que está assumindo um enfrentamento mais direto, é de adotar uma busca de ampliação de seu "status quo", ou se preferir de seu "programa máximo". Prova disso é as declarações dadas pelo Prof. Paulo Antônio G. Gardim, vice-presidente da CONFENEN6, de que a principal mudança que o país precisa no ensino superior "é a desburocratização dos critérios e procedimentos para a autorização e a avaliação da educação superior mantida pela livre iniciativa"7, o que é uma grande falácia, pois mais "desburocratizado" somente com a desregulamentação completa e a ausência plena do Estado, bem ao gosto dos neoliberais. O que fica mais explicitado ainda quando diz que as "metas para a expansão do ensino público são totalmente fora da realidade orçamentária federal"8, deixando claro a contrariedade a uma retomada de um papel central ao setor público no sistema de ensino superior brasileiro.
O grande temor deles é de que haja algum nível de controle do Estado sobre o papel social que a educação deve ter. Por isso a crítica a criação dos Conselhos Comunitários Sociais, como coloca o Prof. Dr. Clóvis Pinto de Castro, vice-reitor Acadêmico da Universidade Metodista de São Bernardo do Campo (SP) "nós já tínhamos autonomia garantida pela Constituição. Essa ingerência estatal não é bem vinda". O objetivo de aprovar uma Lei Orgânica a Educação Superior, significa regulamentar o Artigo 207 da Constituição Federal (as tais garantias constitucionais referidas pelo vice-reitor). Este mesmo ponto da Reforma também sofreu críticas do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN9), estes alegam não caber regulamentação por ser auto-aplicável. 10 Estranha similaridade de posições de atores tão opostos!
Avançar é preciso
Neste cenário, cabe a quem luta em defesa da educação em quanto um direito e não um serviço, e que deva ser pública, gratuita, de qualidade e universal, a desconstituição destas posições, antagônicas e ao mesmo tempo similares. E para que estas posições, principalmente a dos empresários do ensino, não derrotem a possibilidade das mudanças que é necessário que haja uma alteração de método de ação do MEC. Que ao invés de priorizar somente reuniões com representações institucionais, ainda que tenha a sua importancia, propicie mecanismos de participação ampla e direta. Só com participação popular as ações dos "tubarões do ensino" poderão ser barradas. Por isso, os movimentos populares como um todo, devem somar esforços para construir uma Conferência Nacional da Educação Superior, para garantir as alterações necessárias ao anteprojeto e para dar a força popular necessária para barrar o "lobby" do poder econômico.
Mas também é tarefa lutar por modificações importantes no anteprojeto, que dêem conta do acúmulo histórico do movimento social de educação. Lutar para que o Estado assim, cumpra o seu papel regulador e sedimente as condições necessárias para a alteração do perverso quadro do ensino superior no Brasil, derrotando definitivamente o fantasma do neoliberalismo.
Erick da Silva
Diretor de Universidades Privadas da UEE/RS

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1 Em www.pstu.org.br
2 Revista VEJA n°04, edição 1889.
3 A estratégia de grupos como PSTU, setores do PSOL e cia, é de estar derrotando o governo a esquerda, denunciando o seu suposto viés neoliberal global, indiferentemente do mérito e do conteúdo do que está sendo proposto, devido a uma questão taticista e de um projeto claro de auto-construção.
4 Revista VEJA n°04, edição 1889.
5 Expressão cunhada pelo movimento educacional para denunciar a ação predatória dos donos das instituições privadas de ensino.
6 Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
7 Revista Ensino Superior, Ed. 77
8 Idem.
9 Sindicato que recentemente desfiliou-se da CUT
10 Revista Ensino Superior, Ed. 77

sexta-feira

Cartum da Semana:

Autoria do Kayser.


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