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quinta-feira

Roberto Jeferson, o paladino da justiça? 

Erick da Silva

Na Segunda-feira (20/06), esteve no programa Roda Viva, da TV Cultura, o Deputado Federal e Presidente Nacional do PTB, Roberto Jeferson. Onde ele teve, mais uma vez, todos dos holofotes da imprensa para colocar as suas acusações.
Fazendo-se uma análise tanto da entrevista que ele deu durante 01h30m no programa, quanto a toda a repercussão que tem tido nas últimas semanas, constata-se uma estratégia clara em curso. Jeferson tenta, ao fazer toda a série de acusações que tem declarado, sair da condição de acusado a acusador. Concretamente, quem foi envolvido em um esquema comprovado de corrupção foi ele. O que ficou demonstrado ao ser exibida na grande mídia o esquema de corrupção nos Correios, foi um funcionário indicado por ele que foi filmado recebendo propina.
Até o momento, todas as acusações feitas por ele, principalmente a de um suposto esquema de "mensalão" pago a deputados na Câmara, não possuem prova alguma. Apenas as suas declarações. O que causa estranheza é a credibilidade excessiva que alguns tem dado as suas afirmações. Principalmente se avaliarmos a sua biografia, sucessivas vezes associada a escândalos e acusações de corrupção.
Mais do que isso, vemos uma clara estratégia de buscar, com estas acusações, obter uma vitória político-eleitoral de médio prazo. Busca-se claramente associar um estigma de corrupção no PT, principal partido de esquerda do Brasil, e assim, fazer voltar a hegemonia tucana no cenário político brasileiro. Este estigma cumpriria um duplo papel. Por um lado, colocaria o PT e a esquerda na vala comum, como mais um partido que como os outros, apenas busca o poder e obter algumas vantagens para os seus, o efeito disto, é o do descrédito com a política, do desencanto e até mesmo da apatia política. Outro efeito, seria sobre a própria base petista, que ao longo de mais de 25 anos de construção do PT, teve na ética e no compromisso com o bem público um de seus principais pilares. Ao colar-se a marca da corrupção, anestesia-se a militância do PT, tirando-lhe a combatividade. Corroendo um pilar estruturante do PT.
Tudo isso ocorre sem que nada se prove. É isso que torna evidente o objetivo dos "criadores" desta crise. Não é o combate a corrupção que te movido os deputados do PSDB, do PFL e ao Roberto Jeferson. Não estamos vendo um espetáculo de surgimento de novos "paladinos da justiça", que iriam acabar com a corrupção. Mas sim, um projeto claro de derrotar o PT e aos demais setores da esquerda, tanto nas próximas eleições quanto lhe impingir uma derrota política de longa duração.
É isso que esta colocado. Cabe ter-se a clareza do que está ocorrendo e lutar para que toda a corrupção seja punida. Mas de maneira alguma, aceitar-se o "golpe branco" que está sendo orquestrado. Sob pena de termos um retrocesso político de longa e dura reversão.
Erick da Silva é estudante de história

Corrupção, esquerda e direita 

Emir Sader

A direita se deleita em afirmar que, como o PT está envolvido em corrupção, tudo é possível, nada é melhor, tudo é igual. Podem perpetuar suas práticas, porque estariam na natureza da política. Mas principalmente se deleita em afirmar que, diante do supremo crime da corrupção, direita e esquerda desapareceriam. A polarização seria entre honestos e corruptos. Bastaria eliminar os corruptos – ou aqueles pegos em flagrante –, fazer reforma política, tomar algumas medidas contra nomeações dos governos e pronto. O saneamento permitiria que tudo seguisse como antes: os ricos cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais abandonados, os poderosos cada vez com mais poder, os humilhados e ofendidos,sem esperança que não a religião. “A vida para os fortes/ para os fracos a morte: e é bom que seja assim” – como diz o personagem de Brecht.
Collor roubava porque era cleptomaníaco, porque os filhos das oligarquias nordestinas criados em Brasília não respeitam os bens alheios. PC Farias fazia o trabalho sujo, porque sempre foi um mafioso. Já a privataria do governo FHC – a maior roubalheira da história brasileira – foi feita toda dentro da lei – para isso se comprou sistematicamente a maioria do Congresso, tudo dentro da lei, contando com a mídia, porque era por uma “boa causa”: a privatização. Parodiando o secretário de Estado dos Estados Unidos: “são corruptos, mas são nossos corruptos”. Afinal, o governo Bush definiu, com Posada Carriles, que há “bons e maus terroristas”, os “nossos e os deles”.
A direita tenta despolitizar a política, tratando a corrupção como uma tentação da natureza humana. O máximo que se poderia fazer seria limitar os riscos, com leis, polícia, controle da imprensa (o terceiro poder que, como diria o Stanislaw, passou rapidamente para segundo). É o que prega o liberalismo, assim como as teorias foucaultianas, para as quais em toda relação humana há poder, dominação, corrupção de caráter.
Para a esquerda, a corrupção significa um crime muito mais grave. Significa apropriação privada de bens públicos. Significa privatização do Estado, desvio de impostos arrecadados da massa da população para mãos privadas. Significa desideologizar a política, estabelecendo-se acordos em base a vantagens materiais. Significa sobretudo desviar recursos que deveriam ser canalizados para afirmar direitos do conjunto da população para vantagens pessoais.
É, portanto, para a esquerda, muito mais do que simplesmente um crime pessoal. É um crime político. E quando é praticado pela esquerda, se torna ainda mais indesculpável, porque a iguala à direita, porque favorece a desqualificação da esquerda, porque desvia as atenções dos maiores problemas do país para um problema de corrupção. E porque se trata de políticos identificados com a esquerda apropriando-se de recursos públicos para objetivos privados.
Um objetivo central da esquerda é a recuperação da política como atividade emancipatória, de construção da polis, da res publica, da esfera pública, dos bens comuns. O socialismo pode ser definido como a socialização dos bens materiais e espirituais, como a reconstrução da sociedade centrada na esfera pública.
Essa luta inclui o resgate da militância política, da militância revolucionária, dessa atividade dedicada e desinteressada, de luta pelos ideais da humanidade, dos trabalhadores, da construção de uma sociedade sem classes e sem Estado, sem exploração, nem discriminação, nem opressão, nem alienação. Da militância como atividade ética, não remunerada, de entrega aos valores de luta pela emancipação de todos, pelos interesses dos mais pobres, dos mais humildes, dos humilhados e ofendidos.
Do resgate da política e da militância como algo totalmente oposto a essa mercantilização da política, das campanhas eleitorais, dos partidos, da mídia. A luta contra a corrupção é também a luta contra a corrupção dos valores da esquerda, rebaixados a um realismo tão rasteiro que já não têm mais nada de esquerda, de luta pela emancipação. Ao contrário, reproduzem e multiplicam a alienação, a opressão, a exploração.
A luta da esquerda contra a corrupção não abole a direita e a esquerda. Ao contrário, recoloca a luta entre direita e esquerda em outro patamar. Quem quer abolir direita e esquerda é de direita. Quem reduz a luta política à luta contra a corrupção é de direita. E quem reproduz a corrupção e a privatização da política não é de esquerda: é de direita.
Ou a esquerda se livra desse tipo de prática e desse tipo de gente ou contribui à alienação do povo e acaba por atentar contra os ideais de emancipação – os que deram origem à esquerda e justificam sua existência, assim como os da militância e da prática política revolucionária.

Emir Sader , professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".

segunda-feira

Humor 


quinta-feira

A luta de classes e os movimentos sociais 


Erick da Silva

O processo de emancipação do conjunto dos setores oprimidos da sociedade é árduo e muitas vezes sujeito a contratempos e fortes revezes. E jamais deve ser pormenorizado a centralidade da luta de classes neste processo de disputa travada no interior da sociedade.
Esta noção, que remete a célebre frase de Marx e Engels " a história de todas as sociedades que já existiram é a história de luta de classes.", dá a dimensão precisa que tem a luta de classes na disputa política a ser travada pelo conjunto dos movimentos sociais organizados. Complementando a frase de Marx e Engels, desde que o homem abandonou a sua organização comunal ou mesmo tribal, e passou a se dividir por classes separadas e, antagônicas a sua história e desenvolvimento tem sido de conflito permanente. O próprio estágio atual do capitalismo é fruto deste conflito.
Que também tem se modificado permanentemente, ao contrário do que alguns "pensadores neoliberais" costumam a dizer. Não havendo assim, um cenário já definitivo e que não esteja sujeito a novas mudanças e ou rupturas. A história ocidental nos demonstra isso. O próprio capitalismo é fruto de uma mudança, ainda que desigual, na organização da sociedade em escala global. Resumindo, não há um fim da história.
Este sentimento de que o cenário para a disputa política é delimitado nos marcos do que o sistema permite é profundamente equivocado. Diversos setores populares e da esquerda tem se enredado neste "impasse" limitador da ação. O discurso do possível, dos acordos pontuais e "táticos", do imediatismo, do que a correlação de forças momentânea permite é um forte empecilho para a própria alteração da correlação de forças. Na medida que a correlação de forças é adversa, não se avança na luta. E na medida que não se avança na luta, a correlação de forças torna-se ainda mais adversa. Entrando-se assim, em uma lógica suicida e imobilista.
Esta lógica tem contribuído para o estado de revés que visualizamos nitidamente em alguns setores organizados. Logicamente à outros fatores conjunturais (internos e externos) que contribuem para o enfraquecimento de uma maior organização e mobilização social de importantes agentes com potencial transformador.
Não se quer aqui pregar aventureirismos, mas não podemos deixar a bandeira por mudanças reais e profundas ficarem esquecidas no "fundo de alguma gaveta". Todas as transformações reais que ocorreram, foram fruto de mobilização e do povo organizado e na rua para impulsionar os processos de avanço social. É este o papel histórico que o conjunto dos movimentos sociais devem buscar atingir, não menos que isto.

Erick da Silva é estudante do curso de história

quarta-feira

Uma escola contra a escravidão 

José Arbex Jr

9 de abril, sábado. Eles são muitos, cerca de trezentos professores universitários (incluindo titulares, livres-docentes, doutores, pesquisadores renomados em suas áreas), psicanalistas, filósofos, economistas e educadores. Ocupam a sala principal da Escola Nacional Florestan Fernandes, criada e construída pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Guararema, a 60 quilômetros de São Paulo. A pauta é extensa: iniciar um debate com o objetivo de elaborar uma grade curricular de nível superior (graduação e pós-graduação), destinada a formar camponeses e integrantes dos mais diversos movimentos sociais. Em cinco séculos de história do Brasil, é a primeira tentativa de criação de uma universidade efetivamente popular, impulsionada pelos setores mais pobres da população e em relação de franca colaboração com a nata intelectual do país.

A sede física da escola foi construída por 1.115 sem-terra, ao longo de quatro anos e meio de trabalho oferecido por voluntários oriundos de assentamentos e acampamentos de todo o país. Sobre um terreno de 30.000 metros quadrados foram construídas instalações de tijolos de solo-cimento fabricados na própria escola. Essa técnica é agroecológica, dispensa reboco, contribui para diminuir a quantidade de ferro, aço e cimento utilizada na obra e é mais resistente e fácil de assentar. Ao todo, são três salas de aula, que comportam juntas até duzentas pessoas, um auditório e dois anfiteatros. Os recursos para a construção da escola foram obtidos com a venda do livro Terra (textos de José Saramago, músicas de Chico Buarque e fotos de Sebastião Salgado), contribuições de organizações não-governamentais (ONGs) européias e doações de amigos e amigas brasileiros e internacionais.

Como era de esperar, a inauguração da escola, em janeiro, foi motivo de escândalo e chacota por parte dos setores mais reacionários da mídia nacional, que mais uma vez se valeram de porta-vozes recentemente convertidos ao credo neoliberal. Eles devem mesmo se sentir ameaçados. Um dos pilares de sustentação da estrutura social baseada na tradicional divisão em casa-grande e senzala é precisamente o abismo que separa os intelectuais das camadas populares. O “povão” sempre foi mantido a distância dos centros produtores do saber. A elite brasileira sempre foi muito eficaz e inteligente a esse respeito. Conseguiu até a proeza de criar no país uma universidade pública (apenas em 1934, isto é, 434 anos após a chegada de Cabral) destinada a excluir os pobres. Como afirma o professor Roberto Romano, em memorável entrevista concedida a Caros Amigos, ao ser indagado sobre a existência ou não de uma universidade pública no Brasil:

“Existe o princípio da universidade pública, uma tradição anterior de universidade pública, mas paradoxalmente excludente. Aí precisamos discutir um pouco melhor o projeto da Universidade de São Paulo. Gosto sempre de lembrar que a USP tem uma origem hedionda. Gosto sempre de citar o texto do Júlio de Mesquita Filho, quando ele diz que a USP, que a universidade deve ser, no organismo social, o que o cérebro é no corpo. E que a função da universidade é estabelecer a disciplina na mentalidade popular. Mas duas páginas depois ele diz: ‘Nós temos que cuidar muito do organismo político brasileiro, e não podemos dar direito de voto a determinadas regiões’ – como a nordestina etc. – ‘porque o organismo brasileiro é meio teratológico, cresceu de um lado e não se desenvolveu em outro. (...) Ocorreu na sociedade brasileira um problema seriíssimo, foi incorporada à cidadania a massa impura e formidável de 2 milhões de negros, que fizeram baixar o nível da nacionalidade, na mesma proporção da mescla operada’. Vou morrer com essa frase decorada. Então, está dado o programa. Está claro?”

Claríssimo. Júlio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo entre 1927 (após a morte do pai e fundador do jornal) e 1969, quando faleceu, é hoje aclamado pela historiografia oficial como intelectual impecável e impulsionador da universidade pública brasileira (empresta o nome à Universidade Estadual de São Paulo, Unesp). Como é possível associar tal imagem a um sujeito que articulou ativamente o golpe de 1964 e que odiava “a massa impura e formidável de 2 milhões de negros, que fizeram baixar o nível da nacionalidade, na mesma proporção da mescla operada”? O professor Roberto Schwartz explica: são as “idéias fora de lugar”, mecanismo perverso de construção da mentalidade ideológica em um país cuja elite tem o cérebro europeu e as mãos crispadas no cabo da chibata com a qual vão golpear o dorso dos escravos (ou do zé-povinho). Para tais “intelectuais”, nunca houve qualquer contradição entre os ideais iluministas de 1789 e o estatuto da casa-grande. Ao contrário, nota Schwartz: alguns senhores de engenho chegavam a atribuir ao regime escravista o mérito de permitir aos seus filhos receberem as “luzes” na Europa.

Carlos Nelson Coutinho e outros autores já demonstraram amplamente que, no Brasil, os intelectuais que assumem uma perspectiva popular sempre encontraram dois destinos: foram cooptados (mediante o seu “apadrinhamento” e/ou a sua incorporação domesticada nas universidades e/ou órgãos de serviços públicos, e/ou sendo regiamente pagos por seus escritos, e/ou recendo bolsas e privilégios etc.), ou os poucos que resistiram foram sumariamente destruídos (presos, perseguidos, torturados, assassinados). Tal mecanismo sempre funcionou com grande eficácia, por ao menos uma razão central: apenas a existência de movimentos sociais fortes, nacionalmente organizados e estruturados poderia fornecer aos intelectuais populares a oportunidade de resistir, produzir e manter uma vida decente, sem depender dos “favores” das elites. Ora, historicamente, tais movimentos foram exterminados antes mesmo de ter tempo de construir laços mais amplos e fortes com outros setores sociais, como mostra, por exemplo, o massacre de Canudos, enaltecido por Rui Barbosa, esse expoente intelectual brasileiro.




É precisamente esse mecanismo histórico de opressão e autoritarismo que o MST hoje abala. A sua prolongada sobrevivência relativa (completou duas décadas em 2004, um feito inédito para um movimento popular de dimensão nacional), e o método de construção por ele empregado, de diálogo e interlocução com o conjunto da nação oprimida, permitiram o lançamento da escola Florestan Fernandes nos moldes inicialmente descritos, para o profundo desespero dos escribas do faraó. O MST não propõe uma relação de favores, não cobra lealdades espúrias, não impõe quaisquer condições, não ameaça, não tergiversa, não oferece propinas, não promete coisa alguma. Estabelece, ao contrário, uma relação genuína de colaboração entre a elaboração teórica e a prática transformadora. É uma oportunidade histórica muito maior do que a oferecida ao próprio Florestan Fernandes, Milton Santos, Paulo Freire e tantos outros grandes intelectuais que, apesar de tudo e contra os Mesquitas da vida, souberam se apoiar no pouquíssimo que havia de público na universidade brasileira para elaborar suas obras.

Por isso mesmo, por constituir uma possibilidade de ruptura com o legado escravista da cultura nacional, o mero lançamento da escola coloca um desafio novo para os intelectuais e militantes brasileiros efetivamente interessados na transformação social. Não basta repetir, como papagaio, que “um outro mundo é possível”, para em seguida retomar as práticas e mentalidades do “velho mundo”. Se é possível, faça. Contribua.



José Arbex Jr. é jornalista.


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