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sexta-feira

Desenvolvimento político insustentável

Maurício Thuswohl

Na grande festa que tomou conta das ruas de Brasília no dia da posse de Lula, um dos momentos mais marcantes foi o anúncio dos nomes dos novos ministros, a maioria deles recebidos com muitos aplausos pela multidão que se concentrava desde a Esplanada dos Ministérios até o Palácio do Planalto. Quando o locutor oficial anunciou o nome de Marina Silva, um verdadeiro delírio tomou conta da massa, que passou alguns minutos aplaudindo a nova ministra do Meio Ambiente. O entusiasmo se justificava porque todos ali, desde os ambientalistas e militantes de esquerda até os eleitores menos politizados, sabiam que a então senadora petista era um dos mais fortes símbolos do novo governo, garantia de que boas mudanças estavam por vir. Metaforicamente, pode-se dizer que os aplausos à nomeação de Marina Silva se estenderam do Brasil ao exterior, tamanha foi a acolhida positiva que sua confirmação no governo recebeu de outros governos, de grandes ONGs internacionais e até mesmo de setores da ONU.
Agora que estamos chegando à metade do governo Lula, a necessidade de realização de um balanço se impõe em todos os setores, e a pergunta que não quer calar, no caso de Marina e de toda a equipe do Ministério do Meio Ambiente, é: será que vale a pena continuar integrando este governo? Está certo que avanços foram obtidos – a própria ministra, em recentes entrevistas publicadas nos grandes jornais, exemplificou alguns e garantiu que não cogita deixar o governo espontaneamente –, mas não seriam eles muito pontuais em relação ao entrave no avanço das questões de maior importância política prática, como a definição do foco da Lei de Biossegurança, por exemplo? A ministra tem razão quando comemora o fato de que o MMA terá disponíveis em 2005 cerca de R$ 63 milhões para aplicar no combate ao desmatamento. Está certa também quando comemora o acordo com o Ministério dos Transportes para avaliação do impacto ambiental de todas as principais estradas do país. Essas e outras medidas são inéditas no Brasil e muito importantes, é claro, mas serão suficientes? E se o Ministério dos Transportes acabar nas mãos do PMDB, será que o acordo vai ser respeitado?
Neste artigo, são muitas as perguntas e poucas as respostas, mas seu objetivo é justamente provocar um exercício de reflexão. De um lado, pode-se argumentar tranqüilamente que pior ainda seria abandonar o barco e deixar a pasta de Meio Ambiente em mãos pouco recomendáveis. Mas, sendo um símbolo da mudança que não veio e conferindo ao governo um “selo internacional de qualidade verde” que ele talvez não mereça, não estariam Marina e sua equipe contribuindo involuntariamente para a derrota dos movimentos socioambientalistas no Brasil? Afinal de contas, já está claro que uma das características deste mandato de Lula que entrará para a História é a indecisão e paralisia que tomou conta da chamada “sociedade civil organizada” frente a um governo tão ambíguo. No movimento ambientalista, com a crise da biossegurança, o quadro seria cômico, se não fosse trágico: todas as principais entidades representativas apóiam o MMA e suas ações, quadro que, infelizmente, não se repete no Palácio do Planalto.
Se a escolha de um conhecido garoto de recados da transnacional Monsanto – o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS) – para relatar o PL da Biossegurança na Câmara não for revertida a tempo com uma ação concreta do governo, a situação do “pessoal do MMA” pode entrar num processo de “desenvolvimento político insustentável”. Na disputa da biossegurança estará posta à prova não somente a verdadeira posição do Palácio do Planalto sobre os transgênicos, mas também a real capacidade que têm o MMA e a ministra de realizarem uma política ambiental transversal a todos os ministérios, como foi prometido no dia de sua posse. Essa promessa ainda não foi cumprida e o episódio da disputa com o Ministério da Agricultura – com a grande mídia apresentando o voraz agronegócio como se fosse arauto do conhecimento científico e a ministra quase como uma curandeira supersticiosa – mostra que, muito provavelmente, jamais será. Há que se reconhecer que processos como a realização das Conferências Nacionais de Meio Ambiente (adulta e infanto-juvenil), a formação de grupos de trabalho como o que discute o Programa Nacional de Educação Ambiental (Pronea) ou as audiências para o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) são progressos políticos. Mas, eles também não estariam sendo realizados mesmo que o presidente fosse José Serra e o ministro – sabe lá Deus – fosse o Fábio Feldman?
Se não houver de fato o compromisso da cúpula governista com o objetivo de tornar a política ambiental uma política de governo, isto ficará claro com o desfecho da novela do PL da Biossegurança. Deixar a palavra final sobre a liberação dos transgênicos a cargo único e exclusivo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que já mostrou mais de uma vez ser, digamos, excessivamente vulnerável às pressões econômicas do pouco escrupuloso setor de biotecnologia, será um pecado mortal do governo Lula. O isolamento do MMA quanto ao processo político decisório, no entanto, pôde ser medido pelas palavras quase desesperadas contra a liberação do algodão trasngênico proferidas durante evento em Brasília pelo secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, João Paulo Capobianco. Mais uma vez, diante de um impotente MMA, a política do fato consumado se repete, com os mesmos atores: capitalistas internacionais desonestos, agricultores gananciosos e governo fraco.
Lendo as palavras de Capobianco, e conhecendo sua trajetória de militante ambientalista antes de integrar o governo, dá para imaginar seu descontentamento. O mesmo não estará se passando com outras “estrelas do movimento” que atenderam ao chamado de Marina para compor a equipe do MMA? Estarão satisfeitas figuras com um passado político a zelar e um futuro político a preservar como o secretário-executivo Claudio Langone, o assessor especial Pedro Ivo Batista e a secretária da Amazônia Muriel Saragoussi – só para citar alguns que gozavam (e ainda gozam) da confiança do movimento ambientalista? Corre um boato de que Marina estaria esperando o momento oportuno para se desligar do MMA e anunciar sua candidatura ao governo do Acre. Se verdadeira, seria a adoção dessa tática pragmática o melhor caminho para a defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável? Quem souber as respostas (de preferência os personagens citados) pode procurar a Agência Carta Maior. Só não garantimos sigilo absoluto...

Maurício Thuswohl é editor de Meio Ambiente e correspondente no Rio de Janeiro da Agência Carta Maior.

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