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terça-feira

A crise, o PT e a luta de classes 


Erick da Silva

Em tempos de crise política como a que vivemos, todos nós somos chamados a refletir sobre a organização partidária que temos, suas debilidades e virtudes. E até mesmo sobre a própria atualidade de um partido, em particular, do Partido dos Trabalhadores.
As alternativas da crise

Num debate mais conceitual, temos visto as mais variadas posições para as saídas da crise do PT. Muitos setores ligados ao antigo Campo Majoritário, tem buscado partir de soluções de continuidade "ética" a uma política que se mostrou de todo equivocada, sobre os mais diferentes aspectos. Pela esquerda, temos posições que apontam, ainda que com algumas diferenças, para o fim da experiência do PT. Destes, à aqueles que partem para a saída de outra construção partidária, de forma definitiva ou supostamente temporária, indo do PPS e PV ao PSOL.
Há ainda aqueles que, saindo do PT, ficariam dedicando-se apenas a organização nos movimentos ou em grupos de reflexão e assemelhados. E até mesmo a resignação. Esta última é extremamente perversa, é a reafirmação da vitória dos vencedores sobre os vencidos da história. É o abandono da luta, do sentimento revolucionário, como dizia Che, de tremer de indignação frente a qualquer injustiça e lutar para mudar.
Estas e outras posições, mais ou menos semelhantes, não se apresentam como soluções reais para a luta popular. Seja pela sua limitação conceitual, em não compreender a totalidade da dinâmica da luta de classes, seja prática, em não se constituir como agente efetivo da disputa de hegemonia.
Neste último aspecto, ele vem como marca maior do resultado de uma virtual dispersão da esquerda. Da perda da capacidade de estar, de maneira efetiva, alterando favoravelmente a conjuntura. "Quando a esquerda fecha o círculo da sua visão à luta dentro da esquerda ou no (ou contra o) PT, deixa de tomar a totalidade contraditória das relações de classe como reveladora do sentido de cada ator e de cada fenômeno - como demanda o marxismo."(1)

Desta maneira, o PSOL não conseguiu se constituir como alternativa partidária ao PT. Tanto por uma excessiva carga dogmática sectária de suas correntes internas majoritárias, pelo seu eleitoralismo excessivo ou pelo seu descolamento do movimento social de massas. Carregando uma forte carga de vanguardismo vulgar.
Isto nos traz a tona o debate de que organização se faz necessária para de fato levar a cabo os desafios que estão colocados, que é nada menos que a superação do sistema capitalista.
O partido e a consciência de classe

Marx colocou que "a ideologia dominante de toda a sociedade é a ideologia da classe dominante", este elemento nos ajuda na compreensão da importância de um Partido para o processo de tomada de consciência da classe trabalhadora. Na luta cotidiana, muitas vezes os explorados recorrem a valores, ideais e ideologias dos exploradores. Mas a ação consciente do movimento de massas, transversalizado pela atuação do partido dando o caráter mais geral a luta específica, faz com que as "amarras" da dominação se abalem.
A ação espontânea dos movimentos, no entanto, não basta para a ruptura com a ideologia dominante. A formação da consciência de classe do proletariado é um processo desigual e descontínuo.
Portanto, é necessário que haja uma vanguarda revolucionária que desempenhe o papel educador de garantir a continuidade do acúmulo de consciência da classe trabalhadora, no seu grau mais elevado de desenvolvimento, em momentos de descontinuidade da atividade política das massas. Transmitindo o acúmulo das lutas passadas.
A capacidade de compreender os diferentes níveis de tomada de consciência de classe, é fundamental para se buscar amalgamar a capacidade transformadora do movimento social de massas com a teoria revolucionária. Sem esta percepção, fugindo-se a todo tipo de vanguardismo dogmático, não é possível a vitória final. Como colocou Lenin, "lançar a vanguarda sozinha à batalha decisiva, quando toda a classe, quando as grandes massas ainda não adotaram uma posição de apoio direto a essa vanguarda ou, pelo menos, de neutralidade simpática, e não são totalmente incapazes de apoiar o adversário, seria não só uma estupidez como um crime... para que realmente as grandes massas dos trabalhadores oprimidos pelo capital cheguem a ocupar essa posição, a propaganda e a agitação, por si, são insuficientes. Para isso necessita-se da própria experiência política das massas... Saber atrair as massas para essa nova posição capaz de assegurar o triunfo da vanguarda na revolução, não pode ser cumprida sem liquidar o doutrinarismo de esquerda, sem corrigir completamente seus erros..."(2).
A alternativa PT

O PT nasceu fruto de acúmulo de forças de diversos movimentos e setores sociais do Brasil. Este nascimento se deu carregado de algumas limitações, e nem todas foram superadas nestas mais de duas décadas de história. E que cobram o seu preço. No entanto, apesar disto, ainda é a principal construção da esquerda brasileira. É o partido que traz consigo a marca da mudança junto as massas da população brasileira. A crise, ainda que abale esta marca junto a alguns setores menos vinculados programaticamente com o "petismo", ainda sim, carrega de maneira singular e indiscutível esta simbologia com uma considerável amplitude.
É neste fator, sua história e sua base social, que possibilita um recolocamento do PT em seu papel estratégico. E que fica mais nítido ao compararmos com o principal projeto "concorrente" ao PT, o PSOL. A ausência de enraizamento social, o que não pode ser produzido artificialmente, o descredencia como partido. "Sem esta ligação, a atividade revolucionária cria um núcleo de partido, mas não um partido. O conceito leninista da organização implica a não existência de uma vanguarda autoproclamada, e que é na procura de uma ligação revolucionária com a parte avançada da classe e as suas lutas efetivas, que a vanguarda deve conquistar o seu reconhecimento como vanguarda (isto é, o direito histórico de agir como vanguarda)(3).
O PT permanece atual enquanto instrumento de luta política. A sua superação não será fruto de uma simples negação descolada da realidade objetiva ou de sua replicação enquanto farsa. Não é esta a dinâmica da luta de classes. A sua superação (se ocorrer) se dará em condições que ainda não se apresentam concretamente, ainda que não impossíveis. O que é por completo imprevisível. Como colocou Gramsci, não se pode prever se não a luta e não o seu desenvolvimento e resultados.
Não há uma "linha-contínua" dos acontecimentos que pré-determina o resultado. O antagonismo, o conflito e suas contradições são inerentes ao sistema. A busca pela renovação de nossas experiências e a disputa programática no PT estão em curso. Esta é a tarefa maior colocada a todos os lutadores e lutadoras, como colocou o companheiro Raul Pont, " a desistência não é uma opção. A injustiça não desaparecerá porque a esperança foi traída. A tarefa de reconstruir o partido não pode ser delegada a uma nova direção. Tem que ser feita pelo conjunto dos petistas, através de um congresso de refundação do PT, uma constituinte petista. E quem traiu o PT não pode permanecer no PT."
A crise, antes de antecipar o possível "fim" do PT, abre a possibilidade de trazer a tona um "novo" e revigorado PT, que venha a cumprir suas tarefas históricas.
Notas:

1 Emir Sader; A crise do PT, a direita e a esquerda; 2005.
2 V.I. Lênin; Esquerdismo doença infantil do comunismo; 1920.
3 Ernest Mandel; Lenin e o problema da consciência de classe proletária, IN: Teoria Leninista de Organização; 1970.

Humor 


segunda-feira

A UNE e a crise política 


Erick da Silva


A crise política tem uma dimensão que de um modo ou de outro se faz sentir em toda a sociedade. O movimento estudantil como um todo, e a UNE em particular, não teria como ficar indiferente.
Dia 16 de Agosto a UNE em conjunto com os demais movimentos sociais que compõem a CMS estarão se mobilizado para um grande ato em Brasília. O posicionamento político que conduz a manifestação se norteia por, mais do que apontar os problemas e impasses da crise, apontar saídas concretas para a sua superação. Que se baseia no combate intransigente a corrupção sistêmica, com a apuração e punição dos responsáveis e na defesa de uma profunda Reforma Política.
Não há como se pensar em uma solução definitiva sem haver mudanças no sistema político que garanta uma maior transparência, com rigor pleno na fiscalização e que altere a relação do público com o privado. Incorporando medidas como o financiamento público de campanha, a fidelidade partidária, a lista fechada de candidatos e a pluralidade partidária. A urgência desta reforma não é apontada apenas agora, no entanto, a partir da crise, se tornou mais evidente para toda a sociedade.
A UNE defender a Reforma Política com participação popular é o posicionamento mais correto para a verdadeira superação desta crise. No entanto, não podemos deixar de detectar as limitações desta ação. A crise não atinge apenas ao Governo Lula e ao PT como alguns gostam de imaginar, mas a esquerda como um todo. Ela tem carregado consigo não uma força potencializadora dos movimentos populares, muito pelo contrário, tem se verificado um crescente sentimento de desesperança e ceticismo. Isso faz com que enfraqueça a capacidade organizativa e de mobilização dos mais diferentes movimentos populares em um cenário que já era adverso antes mesmo desta conjuntura. Os ataques da mídia burguesa não se dirigem apenas ao Governo e ao PT, mas ao próprio imaginário simbólico da esquerda no Brasil.
Outro fator a prejudicar o potencial de mudança da ação do movimento estudantil é o fracionamento na ação política. Setores do movimento estudantil que já não reconheciam a UNE (PSTU), aliados a grupos que compõem a direção da entidade, mas que divergem das posições da UNE e da CMS (PSOL, PDT) estão chamando um ato paralelo para o dia 17. Este ato, não se pauta centralmente por reivindicar mudanças estruturais que alterem o modelo, mas sim por um imediatismo com vistas a disputa eleitoral de 2006. Tentando, de maneira antecipada ao tempo político e as investigações, fazer emergir um movimento de "Fora Lula" motivado pelas denúncias de corrupção.
Os dois atos, no entanto, se assemelham em um aspecto: ambos reivindicam estar trazendo de voltas às ruas os "caras-pintadas". Se por um lado, esta lembrança faz alusão a uma das maiores mobilizações da história recente do movimento estudantil brasileiro no "Fora Collor", também não deixa de trazer carregada consigo um certo "ar" de saudosismo. O movimento estudantil deve neste momento sim buscar refletir e se espelhar em experiências passadas exitosas e combativas. Mas no entanto, ficar buscando usar o simbolismo do passado como legitimador das ações no presente não é a postura mais correta de um movimento como o estudantil.
Que tem em sua própria essência e razão de ser, uma forte capacidade de se reinventar e ousar. De buscar construir e apresentar o novo, de forma autônoma e independente.
Resgatar o acúmulo do movimento estudantil nos últimos anos, reafirmando as nossas bandeiras históricas, e passar a uma postura ofensiva nesta nova conjuntura são as tarefas colocadas. Construindo um grau mínimo de unidade no movimento. A UNE é uma entidade que reúne mais de 60 anos de história construída por várias gerações de lutadores e lutadoras sociais do país. Ainda que a entidade sofra por uma série de problemas e limitações identificados na condução da entidade nos últimos anos, dividi-la é jogar contra nossa história, fortalecer a direita na sociedade e estimular a dispersão política.
A crise não será superada com divisionismos, sectarismos e falta de ousadia. O momento é do movimento estudantil partir para a ofensiva, só assim reverteremos a conjuntura adversa com uma verdadeira superação dela pela esquerda popular.

Refundar o PT 

Raul Pont

Atravessados pela dor, vergonha e decepção, milhares de militantes e eleitores petistas acompanham diariamente a avalanche de revelações no processo de investigações em curso no País. Não se reconhecem neles. Não reconhecem o partido que construíram. Não reconhecem sua história neste espetáculo de horrores que se transformou o noticiário político brasileiro. Como fomos capazes de chegar a isto? Como foi possível que um grupo transformasse o partido no seu exato oposto? Como foi possível que nós, defensores intransigentes do controle social sobre o estado e da ética republicana fôssemos revelados, agora, como fisiológicos operadores de mensalão?
A desistência não é uma opção e nem são opções as saídas de caráter meramente eleitoral ou defensivo. Não desaparecerá a injustiça ou a desigualdade porque a esperança foi traída. A esquerda é desesperadamente necessária e a militância para transformação uma imposição ética desta compreensão.

Construímos ao longo de 25 anos um grande e valoroso coletivo militante chamado Partido dos Trabalhadores. Nossa resposta à crise atual também será construída coletivamente com milhares de companheiras e companheiros.

Desvendar a gênese da crise, compreender seus mecanismos para poder reinventar nossa utopia: a isto chamamos refundação socialista do PT.

A anatomia da crise

A crise hoje vivida pelo PT é resultado da ruptura com seus princípios e sua história. Essa ruptura vinha se expressando até a crise recente em três pontos cruciais:
- Na diluição dos valores socialistas na cultura petista;
- Em práticas políticas e alianças que perderam o sentido de enfrentamento com o neoliberalismo e de participação popular, que deram conteúdo aos diversos programas de governo definidos pelo partido, inclusive no seu último encontro nacional, em Olinda, 2001;
- Na dominação do partido por um “campo majoritário” que asfixiou a democracia interna e implementou uma organização partidária sem controle pela base.

Os conflitos no interior do partido deram-se recorrentemente em torno a esses três pontos e intensificaram-se com a conquista do governo federal.

A explosão de denúncias de corrupção veio acrescentar um novo elemento a esse quadro, a existência de setores no interior do campo majoritário que agiam em função de projetos próprios, nunca declarados ou debatidos no partido. A afirmação deste exige a separação dos que agiram contra ele e o expuseram à sua maior crise. Não cabem mais no partido.
Ao mesmo tempo, não há superação da crise sem ir ao fundo de suas raízes ideológicas, programáticas e organizativas. Quando voltamos aos três pontos cruciais que deram origem à situação crítica de hoje e pensamos sua superação é na própria história e nas definições do PT que encontramos as melhores respostas, que, certamente, devem buscar novas sínteses em compasso com as lutas libertárias contemporâneas.
A este duplo momento – de separação e de superação – chamamos refundação do PT. Seu tempo é agora; da sua resolução depende não só o futuro imediato do governo Lula, mas o futuro daquela que foi a mais bela experiência de esquerda no país.

A crise do PT é de ruptura e não de origem

Rapidamente setores de imprensa e mesmo setores do nosso partido passaram apontar que a crise do Partido tem débitos importantes com sua cultura de esquerda. Seria uma filha bastarda do estatismo, da ética “bolchevique” e aparelhista típicos da esquerda. A saída da crise exigiria uma conversão final do PT aos princípios do mercado e da democracia liberal. Nós afirmamos exatamente o oposto. Esta crise não foi gerada pelas bandeiras petistas do controle da sociedade sobre o Estado, da democracia direta, do Orçamento Participativo, das iniciativas republicanas de justiça social, de transparência e, muito menos pela nossa antiga e intransigente defesa da ética. Todos os temas que são a ossatura do PT, dialogando com sua razão de existir. Nenhum deles tem algo a ver com o quadro que aí está. Pelo simples motivo de que a crise não é de origem, mas de ruptura com a tradição do partido. Quem está no olho do furacão não é o projeto historicamente acalentado pelo PT e os petistas, mas justamente o avesso: a conseqüência mais constrangedora de um rompimento com tudo o que o PT sempre representou.

Na genética da crise está a fratura entre discurso e prática, o distanciamento das bases e dos movimentos sociais, a hegemonia da lógica eleitoral, a despolitização da política, as alianças não-programáticas e, especialmente, a auto-suficiência das decisões de cúpula.

O problema, portanto, não é o partido ou seus fundamentos teóricos. A crise não foi parida pela sua biografia. Não deriva da essência do PT. Antes, provém de ações e omissões que representam justamente a sua negação. Não são os 800 mil filiados e os milhões de simpatizantes que devem fazer sua autocrítica. Enquanto o partido sangra, são eles que, moídos pela decepção, enfrentam nas ruas o escárnio da direita que, agora, numa história repetida como farsa, se arvora guardiã da moral e dos bons costumes.

O PT seqüestrado

O problema, portanto, não é o partido ou seus fundamentos teóricos. A crise não foi parida pela sua biografia. Não deriva da essência do PT. Antes, provém de ações e omissões que representam justamente a sua negação. Não são os 800 mil filiados e os milhões de simpatizantes que devem fazer sua autocrítica. Enquanto o partido sangra, são eles que, moídos pela decepção, enfrentam nas ruas o escárnio da direita que, agora, numa história repetida como farsa, se arvora guardiã da moral e dos bons costumes.
O PT seqüestrado

Afirmamos que a crise por que passa o PT é a crise da direção constituída em 1995 e desenvolvida por 10 anos. E que essa crise tem origem no rompimento sucessivo por essa direção de princípios caros à história do PT: democracia interna, militância social, perspectiva socialista.

O “campo majoritário” não pode se auto-reformar

A resposta do “campo majoritário” à crise do partido foi uma redobrada aposta na arrogância. A eleição da nova direção para suceder a antiga, retirada à força de denúncias dos seus cargos, não foi fruto de uma síntese da pluralidade partidária representada na instância do Diretório Nacional. Foi mais uma vez uma decisão em separado e apresentada pronta para a instância partidária. Com esta genética, não demorou a mostrar seus limites para enfrentar a crise. O anúncio de uma “refundação” limitou-se a uma patética solicitação de que os envolvidos em escândalos encaminhem cartas de explicação ao diretório nacional, a promessa de “ação rigorosa de punição a todos os envolvidos” acabou em uma constrangedora inação, em que nem sequer os militantes confessos de terem traído a confiança do partido tiveram seus afastamentos aprovados.
Ocorreu uma falência do chamado Campo Majoritário que dirigiu o partido desde 1995. É todo um ciclo histórico da direção que se esgotou, com seu programa, seu modo de dirigir o partido, suas principais lideranças públicas. A expressão deste esgotamento é a quebra da relação básica de confiança do chamado Campo Majoritário com os petistas, com a sociedade democrática brasileira. Toda proposta de renovação da direção partidária que for construída a partir principalmente de uma relação com o chamado Campo Majoritário está fadada a fracassar por se apoiar principalmente em compromissos com o que tem de ser superado.

Quem traiu o PT não pode permanecer no PT

Contrariamente às decisões do “campo majoritário” nós afirmamos claramente que quem traiu a confiança do Partido não pode permanecer no Partido dos Trabalhadores. Não será possível refundar um projeto de esquerda sem que façamos um rigoroso ajuste de contas com nosso passado recente. Não será possível restabelecer uma relação de confiança com a população se não formos capazes de punir nós mesmos aqueles que traíram a nossa confiança. Qualquer relativização desta verdade clara e singela lança dúvidas justificadas sobre a extensão das irregularidades no partido e sobre a sinceridade de nossos propósitos.

Uma nova direção deve emergir da democracia partidária

Toda a dificuldade da situação atual está em que um sistema de direção partidária está falido e outro ainda não foi criado.

Seria um grave erro pretender substituir o campo majoritário por outro, nos mesmos termos. Não se trata de encontrar uma liderança pública capaz de sintetizar a resolução da crise. Não existe tal liderança hoje e seria personalizar e mediocrizar a resposta aos desafios colocados pretender criá-la artificialmente. A síntese necessária deve nascer da democracia partidária, do valor da nossa militância.

Mais que eleger uma nova direção, o que o PT precisa é uma verdadeira refundação organizativa e programática. Da qual fazemos parte, mas não pretendemos ser de forma alguma sua única síntese.

Constituinte Petista: a refundação socialista do PT

A tarefa de reconstruir o partido, sua estrutura organizativa, seu programa e suas utopias não podem ser delegadas a uma nova direção por mais qualificada que seja. É uma tarefa a ser feita pelo conjunto dos petistas e lutadores sociais do Brasil.

Para isto propomos a imediata convocação de um congresso de refundação do PT, uma constituinte petista, com papel e poder para reencontrar o partido com suas origens, seus militantes, seu programa e sua base social.


O processo de refundação socialista do PT envolve três objetivos conjugados:

- A renovação e atualização do socialismo petista;
- Uma nova síntese programática de transformação do Brasil;
- A reconstrução da democracia petista, inclusive de suas organizações de base.

Por que refundação do PT?

Primeiro, pela necessidade de uma nova síntese programática.

O princípio de que a cultura política de um partido não conhece vácuo tem sido amargamente experimentado pelo PT. Se a cultura da emancipação não é permanentemente renovada, os valores mercantis dominantes na sociedade vão ocupando terreno.

Assim, o processo de refundação ou renovação das perspectivas do PT passa sobretudo e em primeiro lugar por renovar as fontes da utopia petista. Vivemos a sólida necessidade da utopia. O último grande momento de síntese da utopia petista deu-se em 1990 com o documento “socialismo petista”. De lá para cá, o partido e o movimento antiglobalização capitalista viveram experiências ricas que podem alimentar um novo ciclo de renovação das utopias.

Segundo, pela necessidade da de um novo sistema de organização partidária.

Como já dissemos a atual crise não expõe apenas a falência política, ética e individual de um conjunto de quadros dirigentes, seus métodos e suas plataformas. É sem dúvida isto, mas é, também, o resultado de toda uma transformação organizativa do PT nos últimos anos que alijou a militância da vida orgânica quotidiana do partido e lhe retirou qualquer condição de controlar a direção do partido. Convertendo-os de militantes construtores do projeto político em meros eleitores convocados a cada quatro anos para votar em uma nominata.

Terceiro, pela necessidade de uma reconstrução da relação do petismo com sua base histórica.

Há hoje uma forte crise pública de sua identidade programática (seu compromisso real de realizar as transformações que prometia), de sua integridade ética e mesmo da veracidade de seu discurso. As relações de diálogo e interação com a intelectualidade progressista e de esquerda do país, com as lideranças dos movimentos sociais, estão sob risco de ruptura.

Por que refundar o PT e não criar um outro partido?

Porque estão ainda no campo petista, de sua história, de seus valores, de suas raízes sociais, de suas lideranças os principais fundamentos da esquerda brasileira. A crise do PT é uma crise da experiência mais avançada da história da esquerda brasileira. Entender a crise do PT como terminal seria assumir de partida um horizonte histórico de grave redução da acumulação programática, social e internacional da esquerda brasileira. Por outro lado, seria negar a priori a possibilidade de renovação do petismo antes da experiência ter chegado ao seu limite. Antecipar artificialmente este desfecho implicaria iniciar um novo período histórico de diferenciação e fragmentação da esquerda brasileira em vários projetos partidários concorrentes. A luta pela renovação do petismo é um processo público de disputa programática que terá no desfecho da crise atual o seu momento inicial.

Mudar o governo Lula

No seu terceiro ano, o potencial transformador do governo Lula está estruturalmente contido por três dimensões: a força crescente da oposição liberal-conservadora, a presença de posições liberais na gestão da macroeconomia, e a sustentação da governabilidade em alianças conservadoras no Congresso Nacional. Foi à falência a proposta dominante no governo de conjugar o conservadorismo liberal na gestão macroeconômica com processos moleculares de transformações setoriais nas políticas sociais e administração de uma base político-social que ia da esquerda a posições conservadoras. Enquanto a oposição liberal-conservadora já se encontra com força para disputar a reunificação de sua base político-social, o governo Lula está em contradição evidente com sua base histórico-social. Sem conquistar um novo horizonte programático de transformações para o governo Lula, ele será desmoralizado ou derrotado. O fundamento desta renovação programática só pode ser o PT.




A defesa do governo Lula dos ataques da oposição liberal-conservadora só terá efetividade política se o PT tiver a coragem histórica de defender – como partido, nas suas bancadas, nas manifestações públicas e no apoio aos movimentos sociais – que o governo se coloque à altura de suas possibilidades históricas, que transite para um novo compromisso programático, ressoldando a sua governabilidade junto a sua base histórica e social e abrindo novas perspectivas para a disputa política no país, incluindo a disputa eleitoral de 2006.

Na linha da “Carta ao povo brasileiro”, o governo Lula deve se movimentar em direção ao cumprimento de suas grandes metas de transformação do país, superando os constrangimentos impostos pela gestão da macro-economia, recompondo a sua legitimidade e base de apoio com os movimentos populares e a sociedade democrática brasileira.

Ética e reforma política democrática

Frente a crise devemos reforçar a luta por reformas democráticas do sistema eleitoral (financiamento público de campanha), do funcionamento dos partidos (fidelidade partidária), de novos modos de gestão pública (com participação ativa da cidadania, controle externo e transparência) e de iniciativa popular (plebiscito, entre outras).
Estas reformas não devem ser pensadas como originadas pelo próprio sistema político que resistirá a elas: só podem vir de uma campanha pública pela ética na política e na gestão pública, como foi a campanha das diretas já.

São Paulo, 13 de agosto de 2005.

Raul Pont é deputado estadual (PT-RS), ex-prefeito de Porto Alegre e candidato à presidência nacional do PT

sexta-feira

De Cassandras e Playboys 

Emir Sader
Os tempos de crise são propícios para as Cassandras. O que mais se ouve e se lê é: Eu não disse? Bem que eu avisei... Eu sabia que ia dar nisso!
Profetas do apocalipse têm seus minutos de glória. Vivem do catastrofismo. Desdenham da capacidade dos homens de transformar as condições em que vivem, confiam que sempre as piores soluções triunfarão, porque apostam em que as condições de alienação, de degradação da capacidade de homens e mulheres de entenderem as coisas que vivem, se apropriarem delas e impor-lhes um outro curso sempre se imporão. Inclusive porque esses profetas de talk-shows televisivos – quanto mais convidados a falar e a escrever, tanto mais abusam do vocabulário, radicalizando vernaculamente, em discursos nos quais expressões como “camarilha”, “traidores”, “canalhas” devem ocupar lugar predominante e reiterado – fazem pouco ou nada para que as coisas deixem de ser assim.
Agem individualmente na busca de espaços para suas atividades, mas não costumam trazer consigo nada de construção coletiva. São livre-atiradores, quando não simplesmente aventureiros, de estilo individualista e conflitivo, renomados por dividir e não por agregar, dentro mesmo da esquerda, na qual pregam radicalismo mas escrevem programas políticos e participam de governos bem pouco ortodoxos – para não dizer “bem pouco religiosos”, o que neste caso não caberia. Unem-se alegremente à direita e têm em comum o ataque ao PT e a tudo o que lembre o PT, seja porque foram deslocados por esse partido, seja porque perderam a luta para ocupar o espaço central da esquerda, seja pelo rancor de terem sido injustiçados pelo PT.
Comentando uma análise de Trotsky, Gramsci comparou-a a uma menina, a quem se prevê que um dia será mãe. Não se nega a ela esse inegável potencial, diz Gramsci, mas não se pode por isso violentá-la aos cinco anos. Falta a compreensão das condições que permitem os avanços históricos, as relações entre as condições que os homens e mulheres encontram, herdadas das gerações anteriores, e as que conseguem gerar, para transformar o mundo, rumo a uma outra direção. Não compreender isso é ficar no plano do funcionalismo e do catastrofismo: “Ia dar errado, tinha que dar errado, deu errado e sempre dará errado”.
Os que propugnam o abandono da política, pululam e comemoram. Parece que a natureza humana está definitivamente condenada à degeneração. O poder e a política corrompem. Fiquemos na luta social ou protestemos contra os políticos. Salvamos a biografia e o mundo seguirá tal como está, com a política e o poder nas mãos de quem sempre o deteve – os poderosos do dinheiro, das armas e da mídia. Com estes instrumentos seguirão enriquecendo, fazendo guerras e fabricando a alma e a cabeça das pessoas.

“Mudar o mundo sem tomar o poder”, dizem uns. “Deixar que a multidão faça a história”, abandonando os partidos, o Estado e tudo o que a história teria jogado na lata do lixo. Esses iluminados seguem tentando colocar o social no lugar do político. Por um caminho em que, no máximo, se resiste, pode-se chegar até às portas dos palácios presidenciais – como se chegou tantas vezes no Equador e na Bolívia, recentemente –, mas se delega o poder e se sente frustração pelos ideais uma vez mais não realizados, porque delegados à política, que volta pela janela, depois de ter sido magicamente jogada fora pela porta da frente.
Dessas análises não se deduz nada, salvo que se está querendo escrever página para a biografia, para daqui a uns tantos anos poder, de novo, retomar o discurso: “Eu não disse?”, “Bem que eu avisei...”. Há tendências na esquerda especializadas em fazer balanços das derrotas, mas totalmente incapazes de apontar os caminhos para a construção de alternativas hegemônicas. São cafetões das derrotas; não perdoam os avanços, mas se lambuzam com os tropeços.
O funcionalismo se caracteriza por armar quebra-cabeças, em que tudo é montagem do império e da direita. Há intelectuais que chegam a dizer que a política externa deste governo não passa de armação, uma farsa, uma cobertura para a política econômica, sua única alma. Não há contradições, o governo Lula é igual – ou pior – que o de FHC. “Nada es mejor, todo es igual”, no estilo cambalacho. Viva Talcot Parsons e adeus Hegel!
O papel do intelectual e do dirigente político – e dificilmente um bom dirigente político pode assumir o papel de estadista se não tiver capacidade teórica própria – não é o de amalgamar a história, mas de captá-la nas suas diferenças específicas, compreender seus elementos de continuidade e de ruptura, para poder propor linhas de ação transformadora.
Qualquer análise funcionalista e catastrofista termina com a data do jornal que a publicou e do brilhareco da TV que a exibiu, substituído pelos comerciais. Não terá captado o nervo do real senão desembocar na forma, nos espaços e na direção política de acumulação de forças, de construção das forças que podem retomar e dar continuidade ao processo de transformação do real. Mas isto só vale para os que efetivamente estão empenhados nessa transformação e não para os que surfam na crise para vender pragas, exibir rancores e posar, como nova Cassandras, para a Playboy. Tempos propícios, aliás, para as Cassandras e para a Playboy. Mas estes só querem mesmo é transformar suas contas bancárias.

quinta-feira

Projeto econômico de López Obrador é traição, diz ‘Marcos’ 

Verena Glass - Carta Maior

Depois de cinco anos recluso, durante os quais se limitou a falar à opinião pública através de comunicados, o líder zapatista subcomandante Marcos reapareceu no último sábado (6) no pequeno vilarejo de San Rafael, em Chiapas, para dirigir a primeira de uma série de seis reuniões entre o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e diversos movimentos e organizações sociais e políticas do país. Na pauta, a construção de uma agenda alternativa, apartidária e independente, que Marcos chamou de “uma outra campanha”, para as eleições presidenciais em 2006.
Neste primeiro encontro, que reuniu organizações políticas como a Unidad Obrera y Socialista, o Colectivo Acción en la Reflexión Rumbo Proletário, o Partido Revolucionario de los Trabajadores, o Partido Obrero Socialista, a Intersindical Primero de Mayo e a Fuerza de Izquierda Revolucionaria del Pueblo, entre outras, o líder zapatista escolheu como alvo o “esquerdista” Andrés Manuel López Obrador, atual líder da corrida eleitoral de 2006 nas pesquisas, e seu Partido da Revolução Democrática (PRD), aclamados por boa parte das esquerdas mexicana e latino-americana como a grande alternativa progressista à caótica administração do atual presidente Vicente Fox, do Partido de Ação Nacional (PAN).
Frente a uma audiência eclética de centenas de ativistas de mais de 30 organizações, Marcos chamou Obrador de traidor e não colocou freios no discurso. “Vamos com tudo contra ele (Obrador)”, afirmou, arriscando uma cartada alta: "os assistentes a estes encontros devem ser honestos; se estão com López Obrador, não podem estar com o EZLN”. E desafiou: “os zapatistas estão dispostos a marchar sozinhos e inclusive morrer, mas não que lhes faltem com respeito como eles (o PRD e López Obrador) fizeram. Vamos cobrar o que nos fez [o PRD] durante estes 12 anos, esse partido que se diz de esquerda e que está conformado por um grupo de sem-vergonhas, que vão pagar por ter feito troça de nós”.



Mais atrás
A opinião desfavorável do líder zapatista sobre López Obrador não é novidade. Em junho deste ano, logo após uma entrevista do candidato presidencial à imprensa americana, na qual afirmava que garantiria a atual política econômica para acalmar o mercado financeiro internacional, Marcos acusou Obrador de planejar dar continuidade ao ‘liberalismo social’ do ex-presidente Carlos Salinas de Gortari, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), no poder à época do levante zapatista em 1994 e responsável pela adesão mexicana ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês).
"A oferta de López Obrador é a estabilidade macroeconômica", afirmou Marcos, "são ganhos crescentes para os ricos, miséria e despojos para os despossuídos. Foi isso que López Obrador prometeu ao poder mais acima".
Mas as desavenças entre os zapatistas e o PRD são mais antigas. Advêm do complicado processo de negociação de uma agenda para a região de Chiapas e os povos indígenas do país, demandadas pelo levante do EZLN em 94.
O longo processo de negociações entre zapatistas e governo, que culminou nos chamados Acordos de San Andrés, acabou encaminhado ao Congresso Nacional pelo então presidente Ernesto Zedillo (PRI) em 1996, quando, além dos partidos conservadores PRI e PAN, o centro-esquerdista PRD era peça-chave das decisões políticas.
Uma série de agregações de emendas e modificações, no entanto, acabou desvirtuando o acordo de tal forma que das negociações originais não permaneceu praticamente nada, denunciaram os zapatistas. Em 2001, última vez em que Marcos se mostrou em público, o movimento marchou sobre a Cidade do México em protesto contra a Lei Indígena em que foram transformados os Acordos de San Andrés, anunciando o rompimento definitivo do processo de negociações com o governo e acusando o PRD de ter sido parte fundamental da derrota das demandas indígenas.
Mais à frente
Os ataques de Marcos a López Obrador, considerado no espectro político mexicano o “menos pior”, capaz de aglutinar minimamente as esquerdas nacionais, podem ter sido um passo calculado que, além do profundo apelo político, teriam também uma função de “marketing”.
Desde seu levante em 1994, o movimento zapatista de Chiapas foi considerado o mentor do movimento altermundista e da antiglobalização neoliberal, foi festejado pela juventude mundial como uma reinvenção do anarquismo libertário, ocupou junto à academia o posto de mais importante movimento social da América Latina, foi alvo de acusações dos EUA, que o queriam no balaio dos terroristas, ocupou manchetes em jornais do mundo todo, mas também, nos últimos anos, foi gradativamente se esvaindo do imaginário internacional por não apresentar os chamados “resultados concretos” esperados pela opinião pública.
Eminentemente indígena, o movimento zapatista e o EZLN também acabaram recebendo críticas de alguns setores populares do México, por não estarem dispostos a ampliar a luta para outros setores, como os trabalhadores rurais e urbanos; e isto pode ter sido um dos motivadores da recém divulgada “Sexta Declaração da Selva Lacandona”, documento-base para o que Marcos e o EZLN estão chamando de “a outra campanha”.
Em resumo, a idéia zapatista é que, estando falido o sistema político mexicano a partir da estrutura partidária, é necessário reconstruir um novo modelo de participação e construção políticas. Para isso e em vista da corrida eleitoral de 2006, propõe reunir organizações e movimentos sociais e políticos que queiram participar da Campanha Nacional com Outra Política (ou “a outra campanha”), por um Programa Nacional de Luta de Esquerda e por uma nova Constituição.
"Queremos ouvir o que pensam as pessoas de seus problemas e como os estão resolvendo. Vocês conhecem suas lutas porque estão aí. O EZLN seguirá promovendo a aparição de novos sujeitos sociais, novas formas de organização e novos mundos.
Não vamos oferecer uma estrutura, mas veríamos como natural que as correntes políticas da ´outra campanha´ as ofereçam”, afirmou Marcos aos militantes partidários. Segundo os zapatistas, nos meses de agosto e setembro serão feitas reuniões com 30 organizações políticas de esquerda (a que ocorreu neste sábado último), 32 organizações indígenas do México, 47 organizações sociais de esquerda, 210 ONGs artísticas e culturais, grupos e coletivos, e 636 ativistas individuais. Dia 16 de setembro, avalia o movimento, poderá ser feito o primeiro comunicado público oficial resultante desta maratona.
Reações
Segundo o jornal mexicano La Jornada, as reações às declarações de Marcos foram variadas. Inclusive dentro do PRD. De acordo com o diário, o líder do partido no Senado, Jesús Ortega, qualificou as opiniões do subcomandante de intolerantes e resquícios de uma velha esquerda incapaz de escutar razões, de discutir e de aceitar a pluralidade de pensamentos. Ligado à corrente Nova Esquerda do PRD, Ortega representa a ala mais conservadora do partido.
É exatamente este conservadorismo presente no PRD que afeta as relações com os movimentos sociais, avalia a líder do partido na Assembléia Legislativa do Distrito Federal, Alejandra Barrales. Segundo ela, mesmo considerando injustas as declarações de Marcos sobre a totalidade do PRD, Ortega, a quem definiu como “direita dentro da esquerda”, através de sua atuação no Congresso contra a propostas dos indígenas contribuiu com o sentimento de traição do EZLN.
“Mas é lamentável que o subcomandante inclua todos os membros do PRD [nas críticas], já que ha companheiros e companheiras que têm lutado com os zapatistas por uma vida melhor para os indígenas”, afirmou a deputada.

Já para o historiador Carlos Montemayor, ouvido pela agencia DPA, “as críticas de Marcos não devem ser interpretadas como ofensiva contra um partido ou candidato, mas contra todo o sistema político que se distanciou do povo. O mais importante é que a política mexicana neste momento é um assunto de cúpula, das elites. O mais importante da convocatória de Marcos é que está possibilitando imaginar-se um país melhor através dos diálogos com as bases”.
E concluiu: “as mensagens do EZLN são um bom sinal para que todos que se sentem de esquerda reflitam o que significa ser de esquerda. O subcomandante Marcos é bom para a análise, e sua proposta de levar a política às bases é a única alternativa que terá o país de mudar para melhor”.
Com informações de La Jornada

Humor 


segunda-feira

O desafio de mudar o PT 

Emir Sader
Se o PT quer resgatar seu papel como partido de esquerda, precisa, antes de tudo, mudar muito. Mudar sua relação com a militância do partido, mudar sua relação com o governo, mudar sua relação com a intelectualidade, mudar seu clima de debate interno, mudar a relação entre sua prática e sua teoria, mudar seu processo de formação de quadros, mudar sua capacidade de análise política, mudar sua visão do Estado e da sociedade brasileiras. E, está claro, fazer uma operação mãos limpas interna, que recupere o espírito público, indispensável para um partido de esquerda.

Em suma, ou o PT muda muito, ou terá perdido definitivamente tudo o que construiu ao longo das últimas décadas. Os objetivos são muito difíceis, porque justamente neste momento o partido perdeu força moral, pode perder mais quadros, tem que arcar com o ônus de um governo que mantém uma política econômica antipopular e com um inevitável processo interno de apuração de responsabilidades, que deve deixar muitas feridas.

O PT pode conseguir isso? O Processo de Eleições Diretas (PED) é um momento de renovação da sua direção, como nunca o PT havia vivido. O partido tem a possibilidade de eleger uma direção que combine o processo de renovação levado a cabo pela nova direção que assumiu recentemente o partido e um contingente significativo da esquerda, dando novo sangue, mais combatividade e uma força moral de que o partido está precisando. Os membros do PT podem mandar uma mensagem clara na direção da renovação que o partido precisa, condição para que esta possa ser levada adiante.

Apenas essa mudança não será suficiente para atingir os objetivos mencionados acima, mas na relação com os movimentos sociais, com a intelectualidade, com o governo, na geração de um clima saudável de debate interno – essa nova composição certamente ajudará.

Construir a teoria da sua prática significa retomar um intercambio intenso com o trabalho intelectual, encontrando espaços para ele dentro do PT e relacionando-se com o que se produz fora do partido. Reaproximar o PT dos movimentos sociais significa retomar uma relação de intercâmbio direto com eles, dentro e fora do PT.

Mas o governo Lula é o governo do PT e fazer tudo isso – por muito que seja – é apenas requalificar o partido para poder atuar na direção da superação da política neoliberal hegemônica dentro do governo. É qualificar-se com propostas de saída do modelo atual e de início de construção de um Brasil pós-neoliberal.

Sem isso, as mudanças internas terão servido para acumular força para a redefinição do perfil da esquerda no Brasil em um país pós-governo Lula, mas não evitarão a derrota de dimensões estratégicas, que significaria inscrever na história brasileira que um líder operário chegou à presidência da República, com um partido dos trabalhadores, e reproduziu o Brasil das injustiças, da miséria, da financeirização e da violência.

Não se abandona um patrimônio como o do PT, como quem muda de roupa, por mais incômoda que esta tenha se tornado. Sair do PT é apenas uma parte da posição assumida – perfeitamente possível. Mas o que fazer? Manter aí a definição é “ir para casa”, se despolitizar, desanimar, abandonar a luta. Ou então é definir um espaço mais fértil de acumulação de forças, mais além das briguinhas e querelas que costumam caracterizar a esquerda – especialmente em épocas de retrocesso. Ele existe ou apenas faz parte do processo de atomização – parte da derrota da esquerda, ao invés de espaço de seu resgate.

Os que participam do PED estão obrigados a seguir no PT ou então participariam para ganhar ou ir embora, em uma atitude eleitoreira? Menos ainda tem sentido sair do PT na data limite para poder encontrar outra legenda em que se candidatar. Também configuraria um oportunismo eleitoreiro. Já basta o PSOL, que na raiz comprometeu a possibilidade de uma polarização unificadora à esquerda do PT, ao fundar apressadamente um partido – com uma visão eleitoral, dado que a campanha de fundação é uma campanha de assinaturas para conseguir sua legalização e não um grande debate nacional sobre a refundação da esquerda. Contribuir mais ainda para a atomização da esquerda seria mais um desserviço a uma esquerda já tão golpeada pelos seus próprios erros.

Mudar o PT é um desafio, mas que vale a pena – mostrar que se tentou ao máximo esgotar a possibilidade de resgate da principal força produzida pela esquerda brasileira em sua história –, se queremos demonstrar que nossa alma não se tornou pequena.

quinta-feira

Refundar o PT pela esquerda 



Erick da Silva


O sentimento da imensa maioria dos militantes e simpatizantes do Partido dos Trabalhadores frente a toda esta crise colocada, é no mínimo, um misto de perplexidade e indignação. Perplexidade frente a "avalanche" de denúncias de desvios éticos de integrantes da direção nacional do PT e, ou do Governo Federal.
Os sentimentos de angústia, decepção e revolta já estão pairando entre nós, não podendo ser ignorado. A crise gerada pelas denúncias de corrupção envolvendo alguns dirigentes do PT, é um agravante sério a um cenário já adverso. E que não se resolve com o mero afastamento de alguns dirigentes do partido, a própria construção do PT se dá em outros patamares. "Não nos distinguimos de outros partidos por virtudes pessoais ou espontaneísmos, mas buscamos expressar uma nova concepção de mundo que orienta e define estratégias no cotidiano de nossas experiências e ações governamentais. Essa concepção está alicerçada na representação social e política dos trabalhadores."1

O que ocorre é que o verdadeiro causador desta crise, tem seu centro em equívocos de ordem política. Esta crise desvela toda uma série de erros de orientação política protagonizados pelo chamado Campo Majoritário do partido. Equívocos que não se iniciaram somente após a vitória de Lula em 2002, mas que se origina na política do setor majoritário em priorizar a disputa eleitoral, em detrimento de uma disputa política na sociedade por inteiro, que apontasse claramente por uma orientação socialista de partido. E que tem um de seus marcos principais a mudança estatutária do Partido, em 2001, onde se inverteu a lógica de funcionamento partidário.
O PT vem de uma experiência que combina o programa com uma concepção de partido, de democracia interna, de militância, de organização de base. O que foi sendo secundarizado ou até mesmo, sobre certos aspectos abandonados.
Esta política, no entanto, tomou proporções ainda mais impactantes após 2002, onde o processo de redução de nosso programa partidário e de adaptação a institucionalidade tem levado o nosso partido a uma prática tradicional e eleitoreira. O Governo Lula priorizou a busca pela chamada "governabilidade", centrada no apoio da mídia burguesa e nas alianças com os partidos do centro e da direita. Deixando para um segundo plano, uma construção mais sólida, pautada na participação popular e que tivesse por centro medidas concretas de transformação social. "A esquerda tem pago um preço alto, em praticamente todo o mundo, por não conseguir enfrentar um dilema básico. Uma das lições que as experiências de governo de esquerda trouxeram, ao final do século XX, consistiu na incorporação do conceito de democracia como um elemento constitutivo da construção de qualquer coisa que mereça o nome de socialismo. Essa incorporação implicou mudanças táticas e estratégicas na agenda de muitos grupos de esquerda, entre elas a elaboração de uma idéia de democracia que aliasse justiça social, participação, liberdade de expressão e respeito ao meio ambiente. A experiência que mais se aproximou desse projeto, no Brasil, foi a do PT gaúcho, cujos governos em Porto Alegre e no Estado, fizeram da capital gaúcha a capital do Fórum Social Mundial. Com todos os seus limites e imperfeições, essa experiência deixou dois símbolos fortes, de repercussão internacional: o Orçamento Participativo e o Fórum Social Mundial."2 É este acúmulo de construção, que já demonstrou os seus êxitos que tem sido esquecido na experiência federal.
Indo além, e mal comparando, esta face de adaptação, se não corrigida tem um preço alto, que alguns exemplos históricos comprovam. Um exemplo extremo, e que não podemos cometer o erro de fazer uma comparação direta, mas sim analisar os seus aspectos similares, é o caso da experiência da social-democracia alemã do início do século XX. Após um processo de "pasteurização" de seu programa e de adaptação, onde o objetivo central do partido deixou de ser a mudança da sociedade para ser o objetivo imediatista de disputa de poder3, acabou por gestar a sua própria falência. Os mesmos tinham, de forma quase cega, "confiança no 'apoio das massas' e" uma "subordinação servil a um aparelho incontrolável". Que não se resumia apenas nisto, "o conformismo, que sempre esteve em seu elemento na social-democracia, não condiciona apenas suas táticas políticas, mas também suas idéias econômicas. E uma das causas de seu colapso posterior. Nada foi mais corruptor para a classe operária alemã que a opinião de que ela nadava com a corrente."4 Isto colaborou de maneira decisiva, aliada a uma série de questões conjunturais e específicas, para o assenso do fascismo na Alemanha. Neste episódio, não houve uma "esquerda autêntica", que de uma só vez derrotou a social-democracia e o fascismo.
Não queremos aqui dizer que a experiência alemã irá ter qualquer possibilidade de reedição "a brasileira". São imensas as diferenças em ambos os casos, mas serve como elemento para reflexão em um cenário que também guarda as suas, perversas, semelhanças.
Por mais que o Governo Lula seja eminentemente contraditório e adote uma política econômica de caráter neoliberal, ele é fruto da construção e do acúmulo de forças da esquerda brasileira de mais de duas décadas. E tem políticas que, mesmo que de forma marginal, apontam para avanços importantes. Como na política internacional, no reposicionamento de um conjunto de agentes do Estado, na relação com os movimentos sociais, na reforma agrária, na política energética, na atuação do ministério da justiça e de seus órgãos no combate a corrupção5, no apoio a agricultura familiar e etc.
O que o torna, a despeito do que dizem alguns setores da esquerda, pouco confiável para a burguesia. Para o capital a melhor saída, e que inclusive já trabalha neste sentido, é ou, desgastar o governo de forma ainda maior6, produzindo uma derrota eleitoral em 2006 para algum candidato mais "confiável". Ou então, condicionar o governo a uma situação de ainda maior recuo político, ampliando ainda mais a presença de "más companhias"7 no governo e a um condicionamento pleno a gestão neoliberal no Estado, inclusive removendo "políticas indesejáveis" do atual governo.
Ambos os cenários tem como conseqüência direta uma dura derrota para a esquerda brasileira, inclusive para os setores que se opõem ao governo Lula e ao PT. Colocando uma necessidade de reorganização da esquerda socialista que poderá durar décadas. Gerando uma derrota política, sob os mais diferentes aspectos, e uma dispersão que podem ser tão ou mais profundas do que as vividas após o golpe militar de 64.
Estes cenários tem ainda condições, ainda que difíceis, de serem evitados. E isso passa por uma recolocação do PT em seu papel histórico e "não se trata de reeditar aqui o 'pessimismo da razão e o otimismo da vontade' para encerrar com chave de ouro um juízo crítico. Mas de professar uma razão dramaticamente otimista, isto é, reconhecer que há, no próprio diagnóstico, em nós, na nossa história, capacidade e grandeza ético-politica para superar as dificuldades pela situação"8
Recolocar o PT no caminho das lutas populares e das mobilizações sociais, pela democracia participativa (em todos os governos do PT e no próprio PT), por uma outra lógica de gestão pública centrado em nosso programa e acúmulos históricos, restabelecer a autonomia do partido frente aos governos e pela construção do socialismo. Este são alguns dos pressupostos da necessária "refundação" que deve passar o PT. Reconstruindo valores, confiança e identidade. Uma mudança na rota suicida, para o partido, que a direção do Campo Majoritário tem trilhado até aqui, e que deve ser interrompida.
Este não é o caminho mais fácil a ser trilhado, mas é o necessário, é assim que funciona a luta de classes. "Muitas vezes, na ação política, podemos não deter capacidade, competência ou correlação de forças para alcançar determinados objetivos. Isso pode nos exigir tempo, acúmulo de forças, capacitação. Mas são problemas passíveis de solução. O que é irreversível é a perda de identidade, de nitidez política, de referência de que classe social somos expressão e representação política."9
A possibilidade de renovar o PT tem data: o dia 18 de setembro, quando ocorre o Processo de Eleições Direitas (PED) do PT, que escolherá os novos dirigentes do partido. Onde será o momento singular para que os rumos do PT tomem outro curso. Onde deveremos afirmar o nosso programa, nossa política e abrir o diálogo com todas e todos aqueles que ainda compõem a base do partido e acreditam nele como sendo o melhor mecanismo para a afirmação de um projeto alternativo de esquerda para o Brasil.
Nossa tarefa é eleger Raul Pont presidente do PT, lutando pela reconstrução socialista do nosso partido neste momento crucial. As nossas tarefas são imensas, e nossas convicções e determinação deve ter a mesma medida.

Notas:


1 - Raul Pont, O Partido dos Trabalhadores: sua herança e vocação, 2003.
2 - Marco Aurélio Weissheimer, A corrupção e suas esquecidas conexões, 2005.
3- Esta adaptação teve o seu principal marco definidor, digamos assim, quando a social-democracia apoiou a primeira guerra mundial, perdendo considerável apoio popular. E marcou o processo de sua adaptação ao aparelho do estado e a ruptura com setores importantes da esquerda alemã.
4 - Walter Benjamim, Teses sobre o conceito de história, 1940.
5 - Este é um aspecto muitas vezes deixado indevidamente em segundo plano. Apenas para relembrar o passado recente, basta ver como foi o comportamento destes mesmos órgãos de fiscalização durante as denúncias de compra de votos para aprovar a emenda da reeleição no governo FHC.
6 - O que não tem sido tarefa difícil.
7 - Referência a fala do ex-governador Olívio Dutra sobre a crise política e sua relação com o Governo Federal.
8 - Juarez Guimarães, Perspectivas do projeto nacional, 2005.
9 - Raul Pont, Os desafios que nos aguardam, 2005.


terça-feira

Humor 


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