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quinta-feira

Cultura não é mercadoria 

Emir Sader
Depois de longos anos de debate, finalmente a Unesco aprovou, na semana passada – com pouquíssima repercussão na imprensa brasileira – a Convenção sobre Diversidade Cultural, em sua 33ª Conferência Geral, realizada em Paris. A resolução foi apoiada por 148 países, com 2 votos contra – EUA e Israel – e 4 abstenções – Austrália, Nicarágua, Honduras e Libéria.
Para os EUA, os intercâmbios culturais deveriam ser regidos pelas mesmas leis do comércio internacional, submetidas às políticas de “livre-comércio” da OMC. O debate transcorreu ao longo de duas décadas e meia, quando os EUA, não contentes de dispor de 85% do mercado mundial de cinema, queriam poder estender ainda mais o seu império, para o que necessitariam do desaparecimento das políticas culturais de caráter nacional ou de integração regional, de apoio a projetos, de divulgação ou de cotas de proteção dos mercados nacionais e regionais.
A resistência foi iniciada pelos franceses, em princípio com a definição do que chamavam de “exceções culturais”, mas que evoluiu para a definição da defesa da “diversidade cultural”. Os EUA haviam chegado a abandonar a Unesco, em 1984, descontentes com os rumos que tomava a discussão. Retornaram recentemente, mas encontraram um consenso geral contrário às suas posições, que se expressou finalmente na votação da semana passada.
Aliados dos EUA, como o ex-primeiro ministro espanhol José Maria Aznar, chegaram a expressar o conteúdo das posições de Washington com rara dureza: “a exceção cultural é o argumento dos países culturalmente fracos”, disse ele. Para os EUA, a aprovação da resolução “pode prejudicar a livre circulação de bens e serviços” e “legitimar as violações dos direitos humanos” (sic). Washington pressionou fortemente seus aliados, com argumentos utilizados diretamente por Condoleeza Rice, como os de que deixariam de comprar produtos como arroz, trigo, algodão, importados da América Central. Com isso, conseguiram a abstenção da Nicarágua e de Honduras.
A aprovação da convenção não garante sua imediata aprovação, apenas instaura o marco legal de defesa da diversidade cultural. Mas só terá validade para os países que a ratificarem. Fundamental agora é que, da forma mais rápida possível e pelo maior número de governos, o acordo seja ratificado, para que a hegemonia imperial não imponha sua brutal homogeneidade de forma ainda mais ilimitada ao mundo todo.

sexta-feira

Carta das Mulheres encerra na África viagem a 53 países 

Fernanda Sucupira - Carta Maior

No dia 8 de março, como parte das comemorações do Dia Internacional da Mulher, uma manifestação que reuniu 30 mil feministas na cidade de São Paulo marcava o início de uma longa viagem. Naquele dia, uma carta partia do Brasil rumo à Argentina, de onde rodaria o mundo, parando em outros 51 países. Era a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, que exigia o fim da opressão, da dominação, da exploração, do egoísmo e da busca desenfreada pelo lucro, que produzem injustiças, guerras, ocupações e violências. O documento - resultado de um longo processo que envolveu organizações feministas de 50 países que compõem a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) - rejeita o mundo como se encontra e propõe a construção de um outro mundo, a partir de cinco princípios básicos: igualdade, liberdade, justiça, paz e solidariedade.

Nesta segunda-feira (17), a carta chegou a sua parada derradeira, a capital de Burkina Faso, Ougadougou, um dos países mais pobres do mundo, onde as diversas formas de violência contra a mulher fazem parte do cotidiano. Mobilizações feministas nos 53 países por onde o documento passou marcaram o último dia da jornada, reafirmando o compromisso com os valores contidos na carta. No Brasil, as mulheres se manifestaram em 14 estados pela valorização do salário mínimo, como passo importante para se chegar a uma distribuição de renda verdadeira, e por mudanças na política econômica do governo federal que tem garantido lucros vergonhosos aos bancos e desemprego ao povo.

Ainda que a MMM trabalhe mais com outros temas como a luta contra o livre comércio, a militarização, o tráfico e a prostituição, e a violência em geral ou pela legalização do aborto, a coordenação brasileira decidiu dar prioridade ao salário mínimo ainda que também aborde as outras questões. “Em breve vai haver a votação do orçamento e o ano que vem é o último do governo Lula, se nós ainda quisermos arrancar alguma vitória, temos que nos mobilizar agora”, justifica Nalu Faria, membro da coordenação da MMM no Brasil. Desde julho de 2003, a Marcha Mundial das Mulheres faz uma campanha pelo aumento do salário mínimo no país, como uma estratégia para combater a pobreza, que sofre um processo de feminilização, e de enfrentar as desigualdades entre mulheres e homens.





As mulheres da MMM vão participar, na quarta-feira (19), de uma marcha da Central Única dos Trabalhadores (CUT) que irá pressionar pelo aumento do salário mínimo no orçamento e também vão levar essa questão à Assembléia Popular, em Brasília, de 25 a 28 de outubro. Para Sonia Maria Coelho, do comitê paulista da MMM, essa é uma medida fundamental para aumentar a renda feminina, já que a maioria das mulheres que trabalham ganham apenas um salário mínimo. “Temos que ver também que a maior parte das pessoas que recebem os menores valores na nossa sociedade são mulheres negras”, completa. No centro de São Paulo, as manifestantes fizeram um ato em frente aos bancos Itaú e Bradesco para protestar contra a concentração de riqueza e a política econômica de juros altos que aprofunda essa situação e favorece o lucro dessas instituições.

Foi também realizado, na segunda-feira, um ato internacional em Burkina Faso, abordando a questão da violência contra as mulheres da África e do não pagamento da dívida externa dos países pobres, como uma medida para melhorar as desigualdades no mundo. As mulheres da região estão fazendo um levantamento da situação dos conflitos no continente africano, que recebe tão pouca atenção da opinião pública mundial. Em dezenas de outros países, a manifestação se repetiu. No Japão, as mulheres protestaram contra as bases militares, em Yohohama, a segunda maior base dos Estados Unidos. Em Chiapas, no México, fizeram um ato divulgando os valores contidos no documento.

Carta das Mulheres

A carta – que propõe a construção de um outro mundo onde a integridade, a diversidade, os direitos e liberdades de mulheres e homens sejam respeitados - esteve em todos os continentes, parando, inclusive, em regiões de conflito, como a Palestina e o Afeganistão. Ela partiu de São Paulo, subiu pela América do Sul e América Central até a América do Norte. De lá, foi para a Europa, Ásia e Oceania, até chegar à África, seu destino final. No decorrer desse trajeto foram realizadas diversas atividades, em cada lugar por onde ela passava, como oficinas e manifestações. Países próximos também se uniram em mobilizações nas fronteiras. Um exemplo disso foi o que aconteceu na Índia, uma das paradas previstas na jornada. “As mulheres do Paquistão também queriam muito participar e não estavam na rota, então elas viajaram para a Índia e uma das ações planejadas era atravessar a fronteira entre os dois países com a carta.

Foi uma ação política com grande significado, por causa das guerras que ocorreram entre os dois países que fizeram muitos mortos. Como as mulheres se vêem como construtoras da paz, fizeram essa ação altamente simbólica e perigosa”, conta a canadense Elsa Beaulieu, integrante da MMM, vinda de Quebéc. Não foi só a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade que circulou pelo mundo e foi sendo passada de mão em mão pelas feministas de diferentes nacionalidades. Uma grande colcha de retalhos também veio sendo costurada desde março. Cada país que estava na rota contribuiu com um dos pedaços que compõem a colcha, com imagens significativas para a população feminina dos povos representados nela. Em um determinado momento da viagem a colcha se perdeu e as mulheres dos países que já haviam recebido a carta começaram a fazer uma nova versão de seu retalho, mas a colcha foi reencontrada antes que a substituta fosse concluída.

Para as integrantes da MMM, a longa viagem da carta, indo de país em país, e a construção coletiva da colcha mostram a capacidade de organização e articulação das feministas no mundo todo. “A nossa proposta era justamente uma ação mundial de diálogo com a sociedade, que começava no dia 8 de março e terminava hoje, uma mobilização mundial. A gente não se propôs a ir frente a nenhum organismo internacional, como o FMI e a ONU. Até porque a Marcha já fez isso em 2000 e avaliamos que a mudança de que a gente precisa é global, não virá de nenhum desses organismos. A gente quer debater com a sociedade e convencê-la sobre a importância disso”, afirma Nalu.

quinta-feira

Humor 


A crise política e suas conseqüências 


Erick da Silva

A crise política que assola o Brasil nos últimos meses tem uma série de conseqüências, e que muitas delas ainda demorarão um período indeterminado para se fazerem sentir em toda a sua plenitude.
A primeira das conseqüências diretas da crise é a alteração no quadro político-partidário brasileiro. Temos visto um "estranho" fenômeno de inversão de papéis na política. Sujeitos que historicamente tinham seus nomes vinculados a uma conduta, no mínimo questionável, sob o ponto de vista do interesse público e que, em muitos casos, tendo uma trajetória política vinculada a escândalos de toda a ordem, surgem como paladinos da moral. Tendo todos um espaço desproporcional de cobertura para suas colocações na grande mídia. Aliás, este é um aspecto que merece uma melhor reflexão, a forma parcial com que muitos veículos de comunicação de massa tem feito as suas coberturas sobre a crise, muitas vezes beirando ao absurdo. A "velha" máxima da imparcialidade no jornalismo nunca esteve tão "esquecida" como neste período.
No entanto, a um outro aspecto que parece ser ainda mais perverso e com desdobramentos de difícil previsão quanto as suas conseqüências futuras. O descrédito com a política e com os partidos nunca teve tanta acolhida como nos últimos meses. Ao se ter desvelado toda uma série de práticas condenáveis sob o ponto de vista da ética pública republicana, a imagem do PT e do Governo Lula ficaram profundamente abalada. E com isso, as teses de que "não existem alternativas", de que "tudo é igual" e de não existe mais uma "diferença" entre esquerda e direita tem ganhado força. E o que é pior, inclusive junto a setores historicamente vinculados a própria esquerda, que partem para a dispersão ou, até mesmo, o abandono da luta.
A questão central é que, por mais que alguns tenham traído a confiança e a toda uma história coletivamente construída, isto não é motivo para se abandonar a luta e a esperança. As desigualdades e as injustiças continuam a existir. As possibilidades de se construir uma outra lógica de sociedade continuam em aberto. O que não pode ocorrer é a desistência, pois esta é a maior vitória que os "de cima" poderiam almejar. Mais do que destruir uma legenda, como muitos setores da direita têm operado, o que não se pode permitir é que se destrua ao sonho e a esperança.
É ela que move o mundo. É o movimento pela mudança que permite que as desigualdades sejam superadas, e que os excluídos possam mudar a sua condição. Não se apaga tão facilmente toda uma história construída ao longo de mais de duas décadas por milhares de lutadores e lutadoras de todos os cantos do país. Ainda que a gravidade da crise seja extremamente profunda, e que todos os seus desdobramentos ainda se farão sentir, a luta permanece necessária, e os instrumentos para ela, que as forças populares construíram, ainda permanecem vitais.
A dispersão e o abandono não são uma saída. Muito pelo contrário, são a consagração da vitória final do "anjo da história" que implacavelmente tem acumulado vitórias, como em um outro momento, colocou o filósofo alemão Walter Benjamin. É esta escalada contra a barbárie que deve ser detida. As possibilidades, ainda que aparentemente difíceis, permanecem em aberto. Cabe construirmos este caminho de final incerto, mas ainda sim, necessário.

quarta-feira

Entradas, saídas e bandeiras 

Emir Sader


A conjuntura atual está caracterizada pela ofensiva da direita contra o governo Lula e contra o PT, a partir dos graves erros cometidos pela direção anterior do partido e pelo próprio governo. Apoiada nesses erros e na sua exploração por uma série de CPIs – a partir da conquista pela oposição da direção da Câmara em fevereiro, com Severino Cavalcanti – e por um gigantesco aparato monolítico de imprensa privada, a direita busca golpear mortalmente o governo e o PT.
Como resultados imediatos, a ofensiva conseguiu efeitos importantes, que alteraram a relação de forças a seu favor e contra o governo e o PT:
a. A desarticulação do eixo de coordenação política do governo, que tinha em José Dirceu e Luiz Gushiken seus principais protagonistas;b. A reversão da imagem ética do PT, transformada no seu oposto: “o partido do mensalão”, responsabilizado pelo que seria “o maior caso de corrupção da história política brasileira” (versão totalmente falsa em nível dos fatos, mas propagada pela mídia privada como verdade estabelecida);c. O enfraquecimento significativo da antiga maioria interna do PT e alteração da composição da nova direção do partido.
É em meio a essa crise que se desenvolve um debate dentro da esquerda, especialmente entre os que deixaram o PT antes mesmo da realização do segundo turno do Processo de Eleições Diretas (PED) e os que permanecem no PT. Desde o começo do governo Lula, este vem recebendo – em geral, com toda razão – duras críticas às suas políticas do governo. Sobre a natureza do governo, sobre a eventual possibilidade de seu resgate, sobre as linhas de demarcação dos enfrentamentos atuais etc.
A correção das críticas não deve ser avaliada pelo seu tom – exacerba-se no vocabulário, como se o radicalismo verbal fornecesse atestado de revolucionário, mas que muitas vezes se reduz a um exercício verbal, que alinha erros do governo, sem articular análises que permitam intervir corretamente na realidade. Para quem não quer apenas “interpretar o mundo de diferentes maneiras”, mas “transformá-lo”, a correção da análise deve ser julgada à luz da capacidade de propor formas de ação que revertam a relação de forças existente.
Isto inclui propostas que permitam retomar a iniciativa por parte da esquerda, promover sua reunificação, deslocar a pauta de debate nacional para aquelas que a esquerda considera como essenciais, capacidade de retomar mobilizações populares e de avançar na formulação de projeto alternativo ao neoliberalismo.
Tudo isso se dá no marco de uma grave derrota estratégia da esquerda, em que o governo Lula não sai do modelo neoliberal e, ao contrário, o reproduz, com várias outras políticas conexas do governo. Embora a hegemonia neoliberal marque com seu selo profundamente o governo, este não é igual ao de FHC e nem pode ser dito que é o governo que a direita brasileira quer.
A política internacional – para tomar somente uma daquelas em que houve significativa ruptura em relação ao governo FHC – conseguiu articular um espaço de alianças na América Latina, que vai de Cuba e Venezuela até a Argentina e o Uruguai, com autonomia em relação aos EUA, de forma claramente distinta da política de subserviência total em relação a Washington do governo FHC. Sem dizer que a privatização desenfreada do governo FHC – que teria no Banco do Brasil, na Petrobras e na Caixa Econômica Federal, além daquela na educação – não tive a continuidade prevista nos acordos de Malan com o FMI.

Se é pouco para caracterizar um governo como de esquerda, é um erro grave, com conseqüências muito graves, não diferenciar os dois governos. Facilita visões reducionistas – que ajudam a explicar, por exemplo, votos e alianças tácitas com a direita por parte do PSOL contra o governo – e posições classicamente de ultra-esquerda.
A discussão se centra, em última instância, em diferenças sobre a polarização central do período. Uma dessas visões acredita que o governo Lula é um governo de direita, que deve ser destruído e concentra suas energias nisso. Acredita que para isso valem até alianças com a direita tradicional contra o governo. Não faz diferenciações dentro do governo, que fica reduzido a um governo de direita, o que não possibilita explicar porque o governo é vítima de duros ataques por parte da direita, do grande empresariado, da grande mídia privada.
Mas o principal é que essa atitude gera uma posição extremista, que isola essa posição dos movimentos sociais (duramente criticados por ter elaborado a Carta ao povo brasileiro, por exemplo), que não desemboca em propostas alternativas, por desconhecer a relação de forças real no país, o que leva à incapacidade de tomar iniciativas com fortes repercussões concretas, com capacidade de mobilização popular, de organizar um novo bloco político de forças, de promover a unidade da esquerda. Ao contrário, tende ao auto-isolamento, a iniciativas de pouca monta, a canalizar suas energias para as polêmicas dentro da esquerda, a contribuir para a fragmentação da esquerda e não à sua união e à potenciação de suas forças.


PSOL

A estréia dos que foram para o PSOL não poderia ser mais significativa (e desastrosa). A votação para a presidência da Câmara opôs Aldo Rebelo, do PC do B, e José Thomas Nonô, do PFL, vice de Severino. Foi uma ducha de água fria que obrigou a um acerto de contas com a realidade, com a correlação de forças real, com os grandes enfrentamentos entre direita e esquerda. Sem consultar a bancada, Luciana Genro anunciou que o PSOL votaria em branco, numa eqüidistância que caracteriza que as duas alternativas são idênticas.

Para o PSOL, Aldo Rebelo ou Thomas Nonô são iguais e daria o mesmo se um ou outro dirigisse a Câmara, esquerda ou esquerda. O resultado da votação permite dizer que ninguém, entre os sete deputados do partido, obedeceu a orientação oficial: alguns votaram por Aldo Rebelo, Chico Alencar anunciou que anulou seu voto, mas como foram revelados outros votos em branco e nulos, permite que pensemos que os que já estavam no PSOL anteriormente acabaram votando em Nonô. Mostra desconcerto, falta de identidade e possibilidade real de ser manipulado por outras forças.
Foi o desfecho da campanha de Plínio de Arruda Sampaio no PED, uma campanha que não foi boa e cujo déficit ficou mais claro à luz do desfecho: sair do partido antes mesmo do segundo turno, marcado para o próximo dia 9. O discurso foi abstrato, apenas crítico, com referências ao “socialismo” – quando a própria evolução do PT demonstra que essa referência, se não ganha caráter marxista, raízes históricas, caráter anticapitalista, se limita a um voto, a um desejo, a uma adesão ideológica sem maiores conseqüências.
A saída antes do segundo turno igualmente debilitou o grupo. Plínio de Arruda Sampaio foi o único dos candidatos opositores a não assinar o compromisso histórico de unidade da esquerda, inédito no PT, como tampouco se comprometeu a permanecer no PT. Era uma candidatura de “entrismo”, um tipo de ação típica do trotskismo, de instrumentalização de outros partidos – PC, PSs ou do próprio PT ao longo da sua história. Não se compromete com alternativas para o partido como um todo, apenas em acumular forças para romper com o partido. Foi o que fizeram, com argumentação ainda mais indefensável, conforme Raul Pont passou para o segundo turno, inviabilizando o argumento de que não haveria diferenças essenciais em relação a Berzoini.

A atitude firme de Valter Pomar e Maria do Rosário de reafirmar o apoio a Raul Pont revela como podem se unir na nova direção do PT, configurando uma nova maioria. Claro que a deserção dos cinco deputados e de outros militantes tira votos de Raul, como uma profecia auto-cumprida: caso Raul perca, a responsabilidade recairá também sobre a deserção dos que abandonaram o partido em meio a uma campanha na qual entraram para ganhar ou sair. Para completar o fato de que saem com sentimento de derrota e de perda, com menos força ainda anímica e ideológica para sua atuação futura, os parlamentares não entregaram, pelo menos até aqui, seus mandatos. Mandatos que foram conseguidos no PT, com votos de legenda, com o acordo de fidelidade partidária, mas que são levados embaixo do braço, como se fossem uma propriedade, um objeto, desconhecendo que não apenas o poder não é uma coisa que deve ser tomada, mas os mandatos também são um compromisso, um compromisso partidário.

Perderam, ficaram em minoria, romperam as regras do jogo, em mais uma atitude ruim que não os fortalece. A ponto que, ao invés de reagrupar descontentes, o PSOL os divide: apenas 5 saíram do PT, e outros 13 publicaram manifesto (desconhecido pela imprensa, como mais um capítulo da editorialização da informação no massacre ao PT) em que reafirmam por que ficam no PT e apóiam Raul Pont.

Pode-se dizer que fracassou a operação da candidatura de Plínio de Arruda Sampaio de agrupar para uma ruptura em grupo do PT. Saíram companheiros valiosos, tanto parlamentares quanto militantes, mas em um marco que não os fortalece. E, pior ainda para eles, vão enfrentar um marco político e ideológico muito mais distante do que o que tinham na relação com tendências do PT como a Articulação de Esquerda e Democracia Socialista, por exemplo.

Em questões essenciais para a esquerda, como o MST, Venezuela, Cuba, há divergência claras com o grupo – de Babá e Luciana Genro – que controla a direção do PSOL. Nem nisso se pode dizer que exista convergência, que se limita à crítica ao PT. Dificilmente se pode prever um debate frutífero para construir alternativas para o Brasil, em um marco de tantas diferencias ideológicas, com posturas sectárias e doutrinaristas prevalecendo.

O grupo de intelectuais que aderiu inicialmente ao PT, ou tomou distâncias, ou desde o começo optou por uma adesão distante, não participa ativamente na construção da nova organização, que ficou hegemonizada pelos vários grupos trotskistas que viram ali sua possibilidade de encontrar espaço próprio, em que o morenismo argentino tem hegemonia. Se não mudar radicalmente – o que significa, antes de duto, desalojar o grupo dirigente atual –, o PSOL continuará a alinhar-se no campo da ultra-esquerda, junto com o PSTU, sem protagonismo político de algum peso.

Todas as esperanças parecem estar jogadas na campanha eleitoral de 2006, um mal presságio, pois se queria justamente mudar o caráter institucional e eleitoralista assumido pelo PT. A escolha dos que saíram do PT poderá ser julgada por eles mesmos à luz dessa capacidade, sem que nada até agora demonstre sua viabilidade – e sua primeira participação no novo partido não permite uma previsão positiva. O PSOL assim, ao invés de solução, se torna parte do problema – a crise da esquerda brasileira.


Venezuela e Cuba


A polarização central do período atual, aquela que opõe direita e esquerda, cruza o governo e partidos que pretendem estar no campo da esquerda. Os objetivos centrais da esquerda no período atual são a luta contra o poder do dinheiro e o poder das armas – a luta contra o modelo neoliberal e contra a política belicista do governo dos EUA. Nessas lutas é que a fronteira cruza o governo e não o coloca globalmente como adversário, seja porque há políticas que não se enquadram na lógica neoliberal, embora minoritárias, seja porque a política externa brasileira – mesmo com problemas, como o Haiti – se constitui em uma força importante na luta por um mundo multipolar (daí o ódio que suscita na grande mídia e na direita em geral).

Não por acaso os venezuelanos e os cubanos, Hugo Chávez e Fidel Castro, propugnam fortemente pela reeleição de Lula, apesar da consciência da orientação econômica central do governo, porque sabem que a substituição de uma política externa como a do governo atual pela de um governo tucano, pró-EUA, significa um duríssimo golpe, um retrocesso de proporções históricas para a esquerda e, em particular, para as revoluções bolivariana e cubana, com o desaparecimento da aliança continental atual.

Não poderia haver demonstração mais concreta do peso e da importância dessa política, considerando-se o que Venezuela e Cuba representam para a esquerda na América Latina e mesmo em todo o mundo. E a demonstração do caráter negativo dos que desconhecem esse aspecto, de costas para a América Latina, reforça a visão negativa ou pouco importante que têm de Venezuela e de Cuba.

Reunificar a esquerda significa unificar as forças, do PT e de fora do PT, dos movimentos sociais, da intelectualidade crítica, da imprensa independente, contra o modelo neoliberal e pela construção de um modelo alternativo. As nuances, o radicalismo maior ou menor nas críticas a esse modelo, devem ser subordinadas ao que têm hoje em comum o conjunto da esquerda – a luta por uma país pós-neoliberal.

A comprovação da correção dessa visão está na sua fertilidade para a retomada da iniciativa por parte da esquerda – mais além das simples manifestações de protesto, um plebiscito sobre a política econômica –, para a mobilização popular, para a ampliação das forças, incluindo todas as forças antineoliberais.

Para o marxismo, a verdade está na totalidade (contraditória). O significado de cada evento, de cada força, de cada enfrentamento, ganha sentido à luz da totalidade – das relações de força entre as classes fundamentais.

A existência de tendências no PT, se contribuiu para a democracia interna, não contribuiu para fertilizar o debate. Difícil saber as propostas e as estratégias elaboradas por parte de cada tendência. Então se correm todos os riscos do chamado “internismo”, da perda da visão da totalidade dos enfrentamentos de classe, focando-se as energias, as definições, as atitudes, no espaço interno, com todas as deformações apontadas por Gramsci, de que as seitas tendem a reduzir a vida do partido à sua vida interna, perdendo o seu sentido essencial, que é o da sua relação com as classes fundamentais, com o poder do Estado, com o processo de acumulação de forças própria e dos adversários, da correlação de forças etc.

Via de regra se justifica uma atitude como reação à atitude da direção, do Campo Majoritário, de tal outra tendência. Quase nunca se avalia o PT na relação de forças geral na sociedade. Além disso, parece que a disputa entre as tendências se dá entre elas. Enquanto a referência essencial deveria ser um projeto hegemônico para a esquerda no conjunto do país. É quase como se a disputa entre as tendências fosse um jogo fechado sobre si mesmo.

Fidel diz que devemos ser radicais, mas nunca extremistas. Os radicais vão à raiz das coisas, os extremistas extremam uma parte da realidade, deformando-a. Os embates internos do PT se prestam muito a isso, situação em que cada tendência justifica seu comportamento pelo que seria o comportamento das outras.

O que se perde são os grandes enfrentamentos, a compreensão da correlação de forças e do significado que os embates internos têm à luz desta visão totalizadora. Costuma-se perder o sentido da relação de forças global entre direita e esquerda, do processo e acumulação de forças, de criação de um projeto hegemônico alternativo, do processo de mobilização de massas.


Bandeiras


Fica difícil definir o comportamento de cada força e de cada um, sem compreender o tipo de enfrentamento que se dá hoje. Valendo-se dos graves erros cometidos pela antiga direção do PT e pela frustração popular com o governo Lula, a direita desata uma brutal ofensiva de extermínio do PT, como partido fundamental da esquerda brasileira. A expressão de Bornhausen revela exatamente o desejo da direita brasileira. E não se enganam quando atacam o PT.

O problema é que se formou uma frente, que vai da extrema-direita, passando por partidos como PPS, PV, PDT, chegando ao PSOL e ao PSTU, que comunga, objetivamente, desse mesmo objetivo. Uns, porque tem o PT como seu inimigo fundamental, outros porque sabem que não terão espaço se o PT continuar a ocupar o espaço que continua ocupando na esquerda.
Ninguém de esquerda pode desejar a destruição do PT. Pode preferir sair, mas se fizer dos ataques ao PT seu alvo privilegiado – como têm feito o PSOL e o PSTU –, se somam à ofensiva da direita de destruição do PT, e sua ação ganha um caráter antiesquerdista. No clima de guerra fria atual, o antipetismo torna-se o anticomunismo de hoje.

As atuações nas CPIs de parlamentares da esquerda que se opõem ao PT, não se diferenciaram dos da direita. A grande mídia abriu todos os espaços que nunca havia aberto para outras lutas, para os ataques ao PT. Heloisa Helena votou pela abertura dos bingos, porque o PT havia proposto seu fechamento. O PSOL recomendou o voto em branco nas eleições municipais de São Paulo e Porto Alegre, entre outras cidades.

(Plínio, escrevendo no espaço privilegiado do sábado na Folha de S. Paulo, fez o mesmo antes do segundo turno. Será que continua a considerar que para o povo de São Paulo dão no mesmo as políticas sociais de Serra e as Marta? Pelo menos não fez nenhuma autocrítica, revelando o terceirismo entre o PT e a direita.
Em Porto Alegre, a candidatura de Raul Pont foi caracterizada como de “nova direita” pelo PSOL. Na eleição para a presidência da Câmara entre Aldo Rebelo, do PC do B, e Tomás Nonô, do PFL, o PSOL optou por não votar em ninguém, confirmando que se considera eqüidistante entre a esquerda e a direita. Caso cheguem a um segundo turno Lula e algum candidato do bloco PSDB-PFL, o PSOL também se absterá, por considerá-los iguais.
Para a ultra-esquerda (que não é um xingamento, mas uma categoria política elaborada por Lênin), a polarização central é aquela entre o governo e a oposição. Assim justificam a aliança – tácita ou assumida – que fazem com a direita contra o governo. Mas a polarização essencial é aquela entre direita e esquerda (ao que tudo indica abolida pelos que assumem a alternativa anterior), uma oposição que cruza o governo e cruza a oposição. Há gente de direita no governo e na oposição, como há forças de esquerda no governo e na oposição.
Trata-se, para a esquerda, de buscar os meios – temas, formas de luta, expressões organizativas – de reunificação da esquerda, em torno da luta pelo pós-neoliberalismo e por um mundo de negociações pacíficas dos conflitos bélicos. E de lutar tenazmente contra a fragmentação da esquerda, contra os enfrentamentos fratricidas dentro da esquerda. A derrota da Unidade Popular no Chile não representou que chegava a vez do MIR, ao contrário, levou de roldão ao conjunto da esquerda.
Da mesma forma, a derrota na Alemanha levou de roldão ao mesmo tempo os comunistas e os socialistas, abrindo campo para a ascensão do nazismo, com a destruição de toda a esquerda e uma ofensiva brutal contra o povo alemão. A ofensiva da direita começa pelo partido que lhes parece o mais perigoso, mas ao mudar a relação de forças a seu favor, produz as condições de ataque a todos os setores à esquerda – dos movimentos sociais aos outros partidos da esquerda, da intelectualidade crítica à imprensa independente, buscando “livrar-se dessa raça por 30 anos”. Recordemos que os maoístas começaram criticando a URSS pela esquerda. Depois, ao disputar espaço com a URSS, passaram a se aliar aos EUA, e assim terminaram tendo a URSS como o alvo preferido de seus ataques.
Aqueles que têm ocupado os espaços generosos cedidos pela grande mídia – o próprio artigo do Plínio de Arruda Sampaio é exemplo disso, em que ainda elogia a “vigilância da imprensa” na Folha, ao invés de denunciar o massacre totalitário contra a esquerda, revelando como não tem consciência do caráter do maior enfrentamento, que não se dá dentro do PT, mas entre direita e esquerda e que passa pelo PT também – e centram o fogo no PT ou, como tem sido quase todos os casos, só atacam o PT, se comportam dessa forma, similar aos maoístas.
O sentido de cada ato ganha significado à luz da totalidade dos enfrentamentos políticos, sociais e ideológicos. São dois os alvos fundamentais da nossa luta: o modelo econômico neoliberal e a política imperial belicista dos EUA. A discussão estratégica não é ficar ou sair do PT, mas a definição do melhor espaço e a plataforma para reunificação da esquerda, para a retomada da ofensiva política e de massas por parte da esquerda. Há argumentos para ser de esquerda e ficar no PT ou sair do PT.
Mas ser de esquerda é lutar pela unidade da esquerda, lutar contra a fragmentação, contra a guerra fratricida dentro da esquerda, guardar o melhor de suas forças e tempo para lutar contra a direita, e não contra outras forças de esquerda (o PSTU, o PSOL, assim como o PT, fazem parte da esquerda, pelo menos numa concepção de esquerda).
Não se deixar utilizar pela direita contra outras forças de esquerda, mesmo se isso renda espaços imediatos na mídia (São convidados para falar do MST, da Venezuela, de Cuba, das políticas imperiais dos EUA, da Colômbia ou da Palestina?). É um ganho bom para a direita, ruim para a esquerda, mesmo para os que pensam em ganhar espaço, porque desmoralizam os que se deixam utilizar pela direita, eles que nunca tinham tido esses espaços, quando estavam no PT, lutando pelas causas históricas da esquerda.
Um partido que não valorize estratégica e programaticamente o MST, Cuba e Venezuela dificilmente terá possibilidades de se constituir em um pólo melhor do que o PT para acumular força. A saída do PT tem que ser julgada à luz do lugar para o qual se deslocam – e não há dúvida que esta solução foi equivocada. Ainda mais que, ao levar consigo muito poucos companheiros, divide ao invés de reunificar a esquerda.
Entradas e saídas têm que ser julgadas pelas bandeiras que defendem. Construir alternativa ao neoliberalismo, unificar a esquerda, enfrentar duramente a ofensiva da direita (e não colaborar com ela), para derrotá-la, e abrir um novo período, mais favorável a uma ação comum contra as políticas neoliberais e as políticas de guerra no mundo – são as bandeiras da esquerda.
Não é menos árdua a tarefa de resgate do PT, mas vale a pena, pela força acumulada pelo partido ao longo da sua história. Sabemos o esforço que demandou sua construção, mesmo feita em um período de ascensão das lutas. Por isso mesmo existem grandes dúvidas sobre a possibilidade de construir um outro partido em um momento de revés da esquerda e de refluxo do movimento de massas.
A impressionante participação no primeiro turno do PED revela, em parte, a força que o PT ainda preserva. A esquerda não ganharia com um debilitamento do PT, menos ainda com o sucesso das tentativas de sua destruição por parte da direita.
O PT continua sendo o melhor espaço para essa acumulação, a força mais importante da esquerda – de sua capacidade de contribuir para realizar essas bandeiras depende inclusive o futuro de outros setores de esquerda, que dependem de um PT e de uma esquerda fortes e firmes na luta antineoliberal, para o que devem colaborar e não atuar contrariamente. Porque o que ficam não são as entradas e saídas – são as bandeiras.

terça-feira

Humor 


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