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quinta-feira

Refundar o PT pela esquerda 



Erick da Silva


O sentimento da imensa maioria dos militantes e simpatizantes do Partido dos Trabalhadores frente a toda esta crise colocada, é no mínimo, um misto de perplexidade e indignação. Perplexidade frente a "avalanche" de denúncias de desvios éticos de integrantes da direção nacional do PT e, ou do Governo Federal.
Os sentimentos de angústia, decepção e revolta já estão pairando entre nós, não podendo ser ignorado. A crise gerada pelas denúncias de corrupção envolvendo alguns dirigentes do PT, é um agravante sério a um cenário já adverso. E que não se resolve com o mero afastamento de alguns dirigentes do partido, a própria construção do PT se dá em outros patamares. "Não nos distinguimos de outros partidos por virtudes pessoais ou espontaneísmos, mas buscamos expressar uma nova concepção de mundo que orienta e define estratégias no cotidiano de nossas experiências e ações governamentais. Essa concepção está alicerçada na representação social e política dos trabalhadores."1

O que ocorre é que o verdadeiro causador desta crise, tem seu centro em equívocos de ordem política. Esta crise desvela toda uma série de erros de orientação política protagonizados pelo chamado Campo Majoritário do partido. Equívocos que não se iniciaram somente após a vitória de Lula em 2002, mas que se origina na política do setor majoritário em priorizar a disputa eleitoral, em detrimento de uma disputa política na sociedade por inteiro, que apontasse claramente por uma orientação socialista de partido. E que tem um de seus marcos principais a mudança estatutária do Partido, em 2001, onde se inverteu a lógica de funcionamento partidário.
O PT vem de uma experiência que combina o programa com uma concepção de partido, de democracia interna, de militância, de organização de base. O que foi sendo secundarizado ou até mesmo, sobre certos aspectos abandonados.
Esta política, no entanto, tomou proporções ainda mais impactantes após 2002, onde o processo de redução de nosso programa partidário e de adaptação a institucionalidade tem levado o nosso partido a uma prática tradicional e eleitoreira. O Governo Lula priorizou a busca pela chamada "governabilidade", centrada no apoio da mídia burguesa e nas alianças com os partidos do centro e da direita. Deixando para um segundo plano, uma construção mais sólida, pautada na participação popular e que tivesse por centro medidas concretas de transformação social. "A esquerda tem pago um preço alto, em praticamente todo o mundo, por não conseguir enfrentar um dilema básico. Uma das lições que as experiências de governo de esquerda trouxeram, ao final do século XX, consistiu na incorporação do conceito de democracia como um elemento constitutivo da construção de qualquer coisa que mereça o nome de socialismo. Essa incorporação implicou mudanças táticas e estratégicas na agenda de muitos grupos de esquerda, entre elas a elaboração de uma idéia de democracia que aliasse justiça social, participação, liberdade de expressão e respeito ao meio ambiente. A experiência que mais se aproximou desse projeto, no Brasil, foi a do PT gaúcho, cujos governos em Porto Alegre e no Estado, fizeram da capital gaúcha a capital do Fórum Social Mundial. Com todos os seus limites e imperfeições, essa experiência deixou dois símbolos fortes, de repercussão internacional: o Orçamento Participativo e o Fórum Social Mundial."2 É este acúmulo de construção, que já demonstrou os seus êxitos que tem sido esquecido na experiência federal.
Indo além, e mal comparando, esta face de adaptação, se não corrigida tem um preço alto, que alguns exemplos históricos comprovam. Um exemplo extremo, e que não podemos cometer o erro de fazer uma comparação direta, mas sim analisar os seus aspectos similares, é o caso da experiência da social-democracia alemã do início do século XX. Após um processo de "pasteurização" de seu programa e de adaptação, onde o objetivo central do partido deixou de ser a mudança da sociedade para ser o objetivo imediatista de disputa de poder3, acabou por gestar a sua própria falência. Os mesmos tinham, de forma quase cega, "confiança no 'apoio das massas' e" uma "subordinação servil a um aparelho incontrolável". Que não se resumia apenas nisto, "o conformismo, que sempre esteve em seu elemento na social-democracia, não condiciona apenas suas táticas políticas, mas também suas idéias econômicas. E uma das causas de seu colapso posterior. Nada foi mais corruptor para a classe operária alemã que a opinião de que ela nadava com a corrente."4 Isto colaborou de maneira decisiva, aliada a uma série de questões conjunturais e específicas, para o assenso do fascismo na Alemanha. Neste episódio, não houve uma "esquerda autêntica", que de uma só vez derrotou a social-democracia e o fascismo.
Não queremos aqui dizer que a experiência alemã irá ter qualquer possibilidade de reedição "a brasileira". São imensas as diferenças em ambos os casos, mas serve como elemento para reflexão em um cenário que também guarda as suas, perversas, semelhanças.
Por mais que o Governo Lula seja eminentemente contraditório e adote uma política econômica de caráter neoliberal, ele é fruto da construção e do acúmulo de forças da esquerda brasileira de mais de duas décadas. E tem políticas que, mesmo que de forma marginal, apontam para avanços importantes. Como na política internacional, no reposicionamento de um conjunto de agentes do Estado, na relação com os movimentos sociais, na reforma agrária, na política energética, na atuação do ministério da justiça e de seus órgãos no combate a corrupção5, no apoio a agricultura familiar e etc.
O que o torna, a despeito do que dizem alguns setores da esquerda, pouco confiável para a burguesia. Para o capital a melhor saída, e que inclusive já trabalha neste sentido, é ou, desgastar o governo de forma ainda maior6, produzindo uma derrota eleitoral em 2006 para algum candidato mais "confiável". Ou então, condicionar o governo a uma situação de ainda maior recuo político, ampliando ainda mais a presença de "más companhias"7 no governo e a um condicionamento pleno a gestão neoliberal no Estado, inclusive removendo "políticas indesejáveis" do atual governo.
Ambos os cenários tem como conseqüência direta uma dura derrota para a esquerda brasileira, inclusive para os setores que se opõem ao governo Lula e ao PT. Colocando uma necessidade de reorganização da esquerda socialista que poderá durar décadas. Gerando uma derrota política, sob os mais diferentes aspectos, e uma dispersão que podem ser tão ou mais profundas do que as vividas após o golpe militar de 64.
Estes cenários tem ainda condições, ainda que difíceis, de serem evitados. E isso passa por uma recolocação do PT em seu papel histórico e "não se trata de reeditar aqui o 'pessimismo da razão e o otimismo da vontade' para encerrar com chave de ouro um juízo crítico. Mas de professar uma razão dramaticamente otimista, isto é, reconhecer que há, no próprio diagnóstico, em nós, na nossa história, capacidade e grandeza ético-politica para superar as dificuldades pela situação"8
Recolocar o PT no caminho das lutas populares e das mobilizações sociais, pela democracia participativa (em todos os governos do PT e no próprio PT), por uma outra lógica de gestão pública centrado em nosso programa e acúmulos históricos, restabelecer a autonomia do partido frente aos governos e pela construção do socialismo. Este são alguns dos pressupostos da necessária "refundação" que deve passar o PT. Reconstruindo valores, confiança e identidade. Uma mudança na rota suicida, para o partido, que a direção do Campo Majoritário tem trilhado até aqui, e que deve ser interrompida.
Este não é o caminho mais fácil a ser trilhado, mas é o necessário, é assim que funciona a luta de classes. "Muitas vezes, na ação política, podemos não deter capacidade, competência ou correlação de forças para alcançar determinados objetivos. Isso pode nos exigir tempo, acúmulo de forças, capacitação. Mas são problemas passíveis de solução. O que é irreversível é a perda de identidade, de nitidez política, de referência de que classe social somos expressão e representação política."9
A possibilidade de renovar o PT tem data: o dia 18 de setembro, quando ocorre o Processo de Eleições Direitas (PED) do PT, que escolherá os novos dirigentes do partido. Onde será o momento singular para que os rumos do PT tomem outro curso. Onde deveremos afirmar o nosso programa, nossa política e abrir o diálogo com todas e todos aqueles que ainda compõem a base do partido e acreditam nele como sendo o melhor mecanismo para a afirmação de um projeto alternativo de esquerda para o Brasil.
Nossa tarefa é eleger Raul Pont presidente do PT, lutando pela reconstrução socialista do nosso partido neste momento crucial. As nossas tarefas são imensas, e nossas convicções e determinação deve ter a mesma medida.

Notas:


1 - Raul Pont, O Partido dos Trabalhadores: sua herança e vocação, 2003.
2 - Marco Aurélio Weissheimer, A corrupção e suas esquecidas conexões, 2005.
3- Esta adaptação teve o seu principal marco definidor, digamos assim, quando a social-democracia apoiou a primeira guerra mundial, perdendo considerável apoio popular. E marcou o processo de sua adaptação ao aparelho do estado e a ruptura com setores importantes da esquerda alemã.
4 - Walter Benjamim, Teses sobre o conceito de história, 1940.
5 - Este é um aspecto muitas vezes deixado indevidamente em segundo plano. Apenas para relembrar o passado recente, basta ver como foi o comportamento destes mesmos órgãos de fiscalização durante as denúncias de compra de votos para aprovar a emenda da reeleição no governo FHC.
6 - O que não tem sido tarefa difícil.
7 - Referência a fala do ex-governador Olívio Dutra sobre a crise política e sua relação com o Governo Federal.
8 - Juarez Guimarães, Perspectivas do projeto nacional, 2005.
9 - Raul Pont, Os desafios que nos aguardam, 2005.


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