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sexta-feira

Título da Vila Isabel é vitória política de Hugo Chávez 

Maurício Thuswohl – Carta Maior


Acostumada a cada ano a retomar o trabalho mais aprofundado de cobertura e análise dos fatos políticos somente na segunda-feira seguinte ao Carnaval, em 2006 a grande imprensa brasileira foi tomada de assalto por um tema político em plena Quarta-Feira de Cinzas. Com o enredo “Soy loco por ti, América – A Vila canta a latinidade”, a G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel sagrou-se campeã do Grupo Especial do Carnaval carioca cantando forte a mensagem da integração do continente e do fortalecimento da identidade latino-americana. Na avenida, a escola da Zona Norte do Rio retratou heróis que lutaram pela emancipação da América Latina, como Tiradentes, Che Guevara, San Martín e Sandino, entre outros, além de trazer uma alegoria com mais de dez metros de altura de Simon Bolívar, general que comandou os processos de independência de Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia no século XIX.

Muito viva por trás dessas personagens históricas, a figura do presidente venezuelano Hugo Chávez foi a mais comentada após a vitória da Vila Isabel. Mesmo não estando presente na Marquês de Sapucaí no domingo de Carnaval para ver a escola, como chegara a admitir, Chávez acabou se tornando o grande beneficiário político da conquista da azul-e-branco. A idéia de divulgar os ideais bolivarianos propagados pela Venezuela através daquele que é considerado “o maior espetáculo da Terra” - e que se materializou através do aporte financeiro dado à escola carioca pela estatal venezuelana de petróleo, a PDVSA - revelou-se para o governo Chávez uma tremenda bola dentro. Ou, para ficar em linguagem carnavalesca, o governo Chávez mereceu nota dez no quesito oportunidade política.



“O triunfo da Vila Isabel demonstra que a consciência da necessidade de integração dos países do Sul tem tomado força e é também o triunfo da idéia de emancipação latino-americana e do resgate dos valores originários dos povos do continente que vem sendo defendida pelo presidente Hugo Chávez há seis anos”, afirmou Nelson Gonzáles, da Embaixada da Venezuela no Brasil. O diplomata ressalta a importância do Carnaval carioca para popularizar os ideais bolivarianos. “O pensamento libertador de Bolívar está aí desde o século XIX e, no entanto, ainda é muito pouco conhecido pelas camadas mais populares no Brasil e até mesmo nos países de língua espanhola. Como o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro é transmitido pela televisão para várias partes do mundo, acreditamos que a mensagem de Bolívar esteja um pouco mais conhecida no Brasil e em outros países”, disse.

O embaixador Julio Montoya também ligou a vitória da Vila Isabel à expansão “da idéia de integração de nosso continente” e garantiu presença no desfile das campeãs que acontecerá no próximo sábado (4). É grande a expectativa quanto a uma possível aparição de Chávez no Sambódromo, mas é pouco provável que ela aconteça, pois o presidente venezuelano teme uma exposição excessiva que possa melindrar o colega Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo que Chávez não apareça, no entanto, é certo que a Venezuela tomou gosto pelo Carnaval e pretende repetir a dose. “O governo venezuelano vai dar continuidade ao apoio a esse trabalho que aproveita o poder da cultura popular para buscar a conscientização coletiva e a emancipação dos povos. São idéias que não foram criadas pelo presidente Chávez, elas estão aí há anos, mas nosso governo tem a compreensão de que é necessário difundi-las”, afirmou Nelson Gonzáles.

ASSUNTO PERIGOSO
A abordagem claramente politizada das autoridades venezuelanas sobre o desfile e seus desdobramentos políticos torna-se mais tímida entre os dirigentes da Unidos de Vila Isabel. Todos repetem o refrão de que a política não é determinante na escolha dos enredos da escola, mas o fato de que nunca se falou tanto de política internacional no Morro dos Macacos e em toda o bairro de Vila Isabel quanto este ano ficou evidente antes do Carnaval, quando o site da Vila na internet conclamava “toda a América Latina a formar um só povo”, e depois, com as inúmeras bandeiras da Venezuela que foram vistas na festa da vitória nas mãos de moradores das comunidades mais pobres da região.

Como o tratamento dado pela grande imprensa tornou o assunto subitamente perigoso, o presidente da escola, Wilson Alves Vieira, conhecido como Moisés, baixou uma regra determinando que todas as declarações sobre o tema Venezuela ficassem concentradas nele. A Carta Maior tentou falar com ele diversas vezes durante o dia, mas seu celular permaneceu desligado. Um diretor da escola, que pediu para não se identificar, afirmou que Moisés está preocupado com possíveis ilações políticas que possam estigmatizar e prejudicar a Vila nas próximas disputas. “Já ouvimos repórter falando que a Venezuela bancou todo o desfile da Vila, o que não é verdade. É por isso que, para o ano que vem, vamos adotar um enredo do Joãosinho Trinta sobre os fenícios ou algo ainda mais distante da realidade política atual”, disse.

Na realidade, o aporte da PDVSA à Unidos de Vila de Isabel foi de cerca de US$ 450 mil dólares, quantia suficiente, segundo os dados tornados públicos pela escola, para arcar com os custos de um terço do desfile de 2006. Houve quem, alheio à polêmica surgida após o título, reforçasse os laços com o tema bolivariano. Foi o caso de Martinho da Vila, figura maior da escola e militante histórico de esquerda. Um dos autores do enredo deste ano - ele também tem um projeto solo sobre latinidade - Martinho (que acabou não desfilando por estar aborrecido com a eliminação do seu samba na escolha interna) afirmou estar “com a alma em festa por a Vila ter vencido com um enredo tão importante”.

O carnavalesco campeão, Alexandre Louzada, passou toda a comemoração pelo título enrolado em duas bandeiras. a da Unidos de Vila Isabel e a da Venezuela. Em entrevista à Carta Maior antes do Carnaval, ele afirmara. “Procuramos explorar a união cultural da América Latina, procurando resgatar a identidade de nosso povo. É um tema polêmico e mexe com diversos interesses políticos. Mas, somos artistas. Não estamos fazendo propaganda política. Falamos apenas sobre a integração cultural. Daí vêm os pensamentos de Bolívar como espinha dorsal de nosso trabalho. Mas não é a política que nos interessa”.

“INFLUÊNCIA CHAVISTA”

Parte da grande imprensa, no entanto, enxergou politização excessiva no Carnaval da Vila Isabel em 2006. Todos os canais de televisão mostraram imagens de populares com bandeiras da Venezuela durante a comemoração pelo título e associaram o desfile a Hugo Chávez, o mesmo acontecendo com os jornais de maior circulação. O jornal O Globo, que fez a maior cobertura da festa carioca, colocou em sua primeira página desta quinta-feira (2) uma foto das bandeiras da Vila e da Venezuela na quadra da escola com a legenda. “As bandeiras da escola de samba e da Venezuela, cujo governo do presidente Hugo Chávez patrocinou o enredo, são agitadas por foliões na quadra da Unidos de Vila Isabel”.

Na matéria de corpo, o jornal afirma que a vitória da Vila “representa uma vitória também para o presidente da Venezuela Hugo Chávez” e diz que ele “tem se notabilizado pela política de enfrentamento com George W. Bush (EUA), Vicente Fox (México) e Alejandro Toledo (Peru) e tem sido acusado de se intrometer na política interna de outros países, como a Bolívia, além de usar a alta do preço do petróleo para comprar aliados”. A matéria diz ainda que Chávez agora “conseguiu estender sua influência ao Carnaval carioca”.

O tom foi o mesmo na parte da mídia venezuelana que é contra o governo de Chávez. As matérias variaram entre as denúncias sobre um “trem-da-alegria” de 500 foliões do governo venezuelano que foram curtir a festa carioca “com tudo pago”, as críticas ao “oportunismo político-carnavalesco” do presidente e as acusações de “mais um desvio de dinheiro da PDVSA pelos roubolucionários”. Segundo Nelson Gonzáles, o governo de Chávez já contava com essas reações. “Qualquer ato de qualquer governo que tente resgatar o respeito ao povo latino-americano para lutar contra a exclusão atual e em prol de mudanças políticas e econômicas no continente será sempre questionado por parte da mídia que é de direita, conservadora e atrelada aos interesses do grande mercado capitalista”, disse.

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