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quarta-feira

Não à demissão como válvula de escape 


Marcio Pochmann

Na primeira metade da década de 1950 era um sinal inegável de maturidade industrial para um país deter a produção doméstica de automóveis. No Brasil, os veículos ainda eram importados na forma de Kits completos (CDK) ou parcialmente desmontados (SKD) e remontados por empresas subsidiárias.
Para uma economia que ainda não tinha completado dez anos de domínio interno da produção de aço e com uma infra-estrutura ínfima, a idéia de constituir um parque produtivo automobilístico foi identificada, por exemplo, por membro da Ford em 1952, como uma mera utopia. Cinco anos depois, o Brasil tinha consolidado o seu programa nacional de produção automobilística, com a produção inicial de quase 31 mil veículos, em 1957. Posteriormente, a mesma estratégia de política industrial foi copiada por vários países, como Argentina e México.
Inegavelmente, a soberania nacional e a autonomia dos dirigentes de então tornaram factível ao país completar a sua industrialização, tendo por orientação a constituição de conselhos de negociação com as grandes empresas transnacionais da época (Geia – Grupo Executivo da Indústria Automobilística do governo JK). Da mesma forma, quando a recessão econômica provocada pelo governo Collor dilacerava o sistema produtivo e comprometia o tecido social, foi constituída, em 1992, a inédita câmara setorial do complexo automotivo, capaz de interromper o ciclo de demissões (de 118,3 mil empregados do setor automotivo, em 1989, para 105,4 mil, em 1992) e fazer novamente mover o moinho da produção de veículos (aumento de 29,5%) e do emprego (crescimento e 0,5%) já a partir de 1993.
Agora, novamente encontra-se em dificuldades a manutenção do nível de emprego no setor automobilístico. Enganam-se, novamente, os liberais-conservadores de sempre, que tratam da situação da corporação Volkswagen como algo natural, resultante da globalização e da inflexão dos trabalhadores. Não parece desprezível relembrar que a produção do primeiro veículo produzido pela Volks no Brasil, em 1957 dependeu da concessão do empréstimo no valor de 150 milhões de cruzeiros do BNDES. Tudo isso, sem falar nas várias decisões de política econômica favoráveis ao estímulo do setor automobilístico no país. A questão da produção da Volks e do emprego dos trabalhadores não deve ficar restrita à simples negociação bipartite, assim como se encontra em curso ainda a situação da Varig. Por serem grandes corporações de âmbito mundial, necessitam, inexoravelmente, de tratamento à altura, especialmente num país da periferia do capitalismo global.
O Brasil precisa urgentemente de duas inovações em termos de intervenção pública. De um lado, a implementação de uma regulação apropriada à defesa da produção no seu espaço nacional. Dessa forma, o governo federal poderia lançar mão inteligente e imediata de recursos favoráveis ao atendimento de uma agenda ampla de negociação nacional dos interesses do setor produtivo (câmbio, tributo, juro, tecnologia, entre outros), conforme a experiência de vários países, sobretudo os asiáticos. De outro lado, caberia a provação de uma legislação adequada que permitisse diferenciar a simples demissão individual do empregado de uma demissão de natureza coletiva de trabalhadores. A experiência italiana do Fundo de Integração de Salário avança muito neste sentido, uma vez que busca considerar medidas ativas com objetivos distintos.
No caso do trabalhador individualmente demitido, há o sistema público de emprego (intermediação, seguro desemprego e qualificação profissional) que pode conceder atenção devida, mesmo que no caso brasileiro seja necessário avançar muito. Mas para a demissão em grande escala, geralmente por motivo econômico ou tecnológico, não há tratamento diferenciado. Nesse caso, não necessariamente precisaria haver rompimento do contrato de trabalho, caso houvesse medida decente de garantia de intervenção pública. É claro que qualquer demissão representa um sofrimento humano injusto, embora ele termine sendo praticamente irreparável quando ocorre em grande dimensão, sobretudo no plano local.
O caso atual da Volks pode ser uma excelente oportunidade para o Brasil avançar no enfrentamento das distintas situações de incerteza patronal e insegurança do trabalhador. Para isso, não cabe deixá-lo circunscrito ao âmbito da negociação bipartite, pois é fundamental conceder a dimensão que ele merece, o que seria inicial a construção de uma câmara setorial do setor automobilístico. Em seguida, a formulação das duas inovações no campo da intervenção pública, tanto no plano da defesa da produção nacional como no tratamento especial da demissão coletiva.
Com a palavra, os políticos e os gestores públicos de plantão.

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