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sábado

A racionalização da sociedade capitalista em Weber e a perspectiva revolucionária em Marx 

Erick da Silva


Com grande freqüência temos visto idéias de Max Weber serem confrontada e apresentadas como sendo uma antítese do marxismo, uma visão sociedade que se contrapõe as idéias marxistas. O que é plenamente justificável.
Marx e Weber, em comum, possuem o fato de ambos terem dedicado boa parte de suas obras a analisar a sociedade capitalista contemporânea. No entanto, o diagnóstico feito por ambos em muito se confronta.
Weber, em seu tempo, teve uma grande influência sobre a academia, é inegável a sua contribuição no sentido de consolidar a sociologia como uma ciência. Muitas das idéias levantadas por Weber ainda hoje exercem forte influência (das mais diferentes maneiras) em muitos setores. Principalmente no debate sobre a viabilidade (ou não) de mudanças na ordem vigente, aos quais muitos defensores do status quo se valem de um discurso ambíguo que se apóia por diversas vezes em pressupostos levantados por Weber.
Da mesma forma que as idéias de Marx permanecem em debate e colocadas a prova frente às diversas mudanças conjunturais e ao processo de evolução do sistema capitalista. Mesmo após a “queda do muro”, onde muitos ideólogos da ordem se apressaram em afirmar a falência do marxismo. O que se vê na prática é que ainda se faz presente o debate levantado pelo marxismo. Parafraseando Marx, o “fantasma do comunismo” ainda ronda a atormentar o sistema vigente.
A grande questão é que, se temos de um lado uma teoria centrada na transformação e derrubada do capitalismo e de outro um aparente “contraponto” que legitimaria o capitalismo enquanto um constante evolutivo, através da racionalização permanente da sociedade. Como se colocam em debate essas duas visões é o que, de forma breve, estará sendo apresentado a seguir.

A racionalização da sociedade capitalista em Weber

Max Weber tinha como uma de suas idéias centrais a de que as sociedades capitalistas ocidentais teriam uma tendência central a racionalização em todas as esferas. E é com esta premissa que Weber estrutura a sua analise das sociedades modernas.
O princípio estruturante desta teoria seria de que o capitalismo moderno teria uma tendência para uma crescente racionalização burocrática de sua organização. Substituindo ou se sobrepujando a outras formas de dominação. Pela dominação burocrática se reduziria a influência de outros fatores externos a própria lógica de funcionamento do sistema, como por exemplo, costumes, moral, amizades pessoais e etc. tomando lugar normas e leis que regulariam a sociedade. “As ordens passam a ser dadas de maneira previsível e estável; cuida-se da execução dos deveres e dos direitos dos que se submetem a ela; a especialização necessária para o exercício de cargos ou funções é claramente determinada; (...)” (QUINTANEIRO, 2003, p.139).
A este processo ideal de crescente racionalização burocrática da sociedade, Weber atribuía grande importância para a consolidação do capitalismo e, possivelmente, para a sua própria continuidade. Esta racionalização seria impossível de vir a florescer sem que acompanha-se uma conduta ética que a legitime. “Tal processo ocorrera por meio ‘da empresa permanente e racional, da contabilidade racional, da técnica racional e do Direito racional. A tudo isso se deve adicionar a ideologia racional, a racionalização da vida, a ética racional da economia.’ Em suma, o capitalismo vinculava-se à racionalização na vida prática” (QUINTANEIRO, 2003, p.141). E a este processo, Weber atribuía grande importância a religião protestante.
Principalmente por ser o protestantismo um instrumento decisivo para uma mudança de atitudes e valores em relação ao cristianismo. Que se tornaria claro, no campo dos valores, “a perda de tempo (...) é o primeiro e principal de todos os pecados. (...) A perda de tempo, através da vida social, conversas ociosas, do luxo e mesmo do sono além do necessário para a saúde – seis, no máximo oito horas por dia – é absolutamente dispensável do ponto de vista moral” (WEBER IN: QUINTANEIRO, 2003, p.141). Ou seja, tínhamos uma religião que estimulava a busca pelo lucro, ao contrário do catolicismo que condenava a ambição do lucro e a usura.
Ao fator religioso, Weber via como sendo o impulso decisivo para a consolidação do capitalismo. “Mas este foi apenas um impulso inicial. A partir dele, o capitalismo libertou-se do abrigo de um espírito religioso e a busca de riquezas passou a associar-se a paixões puramente mundanas. O capitalismo moderno já não necessita mais do suporte de qualquer força religiosa e sente que a influência da religião sobre a vida econômica é tão prejudicial quanto a regulamentação pelo Estado.” (QUINTANEIRO, 2003, p.143).
Ou seja, partindo-se deste pressuposto, o processo de racionalização, dentro da sociedade capitalista, seria um processo permanente, e em alguns casos, até mesmo necessário para as sociedades modernas. Mesmo que este processo, carregue consigo também aspectos contraditórios e regressivos.
Como pode-se observar, muitas dessas idéias se vê com freqüência serem proclamadas por diferentes ideólogos do sistema. O próprio neoliberalismo tem muito deste “espírito” weberiano ao defender um sistema em constante processo de transformação a fim de se consolidar e se legitimar a partir de uma retirada do Estado das esfereras produtivas e econômicas e um processo de ideologização constante.

A transformação revolucionária da sociedade em Marx

Karl Marx ao analisar o sistema capitalista, buscou identificar as suas origens, desenvolvimento e, principalmente as suas contradições internas. E seria nestas contradições internas que permitiria a possibilidade da transformação da sociedade para Marx.
O fator fundamental para o nascimento do capitalismo teria se dado a partir do momento que o capital penetrou na esfera da produção, o que permitiu a sua reprodução através do modo de produção capitalista e com ele o surgimento do capital moderno. “Agora, o detentor de capitais não é simplesmente usuário, banqueiro ou mercador. É proprietário de meios de produção, alugador de braços, organizador da produção, fabricante, manufaturador ou industrial. A mais-valia deixa de ser extraída da esfera da distribuição. Passa a ser correntemente produzida no decurso do próprio processo de produção.” (MANDEL, 1978, p.54). Neste processo, temos uma mudança radical na sociedade, passando a burguesia (detentora dos meios de produção) a ser a camada a se beneficiar deste sistema, à custa do proletariado (possuidora apenas de sua força de trabalho).
No entanto, a burguesia apesar de exercer um domínio na sociedade, isso só se dá através de um processo de conflitos permanentes. “A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos das classes. Estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta no lugar das antigas.” (MARX, 2000, p.09) Foi a própria burguesia que possibilitou o surgimento de uma numerosa classe trabalhadora, e que estabelece esta dominação para a sua própria sobrevivência enquanto classe hegemônica.
Marx identificava neste fato: burguesia rica minoritária baseada na exploração de um lado, e proletariado explorado e em maior número de outro, como uma das contradições fundamentais que expunham a possibilidade de mudanças na sociedade. Através do acirramento desta contradição elementar, de que uma minoria se mantém através da exploração da maioria, no transcorrer da luta de classes residiria à possibilidade da transformação da sociedade. Pois “a sociedade não pode mais viver sob esta burguesia, (...) A condição essencial para a existência e para o poder da classe burguesa é a formação e o crescimento de capital. A condição para o capital é o trabalho assalariado. (...) O avanço da indústria, cujo promotor involuntário é a burguesia, substitui o isolamento dos trabalhadores, devido à competição, pela combinação revolucionária, devido à associação. O desenvolvimento da indústria moderna, portanto, tira sob seus pés a própria fundação sobre a qual a burguesia produz e apropria-se de produtos. O que a burguesia, portanto, produz, acima de tudo, é seus próprios coveiros.” (MARX, 2000, p.28).
A solução final para a supressão do sistema capitalista (baseada na dominação de uma classe minoritária sobre a maioria) seria a abolição deste sistema. Pois este, em essência, não seria passível de ser “melhorado” enquanto permanecesse a contradição fundamental da expropriação da mais-valia pela detenção privada dos meios de produção. Esta contradição só seria eliminada pela construção de uma sociedade socialista, baseada na supressão da propriedade privada dos meios de produção e a socialização das mesmas. O que só se faz possível através de uma ruptura, pela via revolucionária.
Mas este ainda não seria o estágio final para a consolidação de uma sociedade de novo tipo. A luta dos trabalhadores, mesmo após a vitória e construção do socialismo, seria um avanço parcial para a construção da verdadeira emancipação. “Se o proletariado se eleva necessariamente à condição de classe dominante em sua luta contra a burguesia e, na condição de classe dominante, tira de cena as antigas relações de produção, então com isto ele tira também de cena a condição para a existência da oposição entre as classes e para a própria existência destas classes. E acaba por abolir seu papel de classe dominante. No lugar da sociedade burguesa antiga, com suas classes e antagonismos de classe, teremos uma associação, no qual o desenvolvimento livre de cada um é a condição para o desenvolvimento livre de todos.” (MARX, 2000, p.44) E esta sociedade, sem divisão de classes, seria o comunismo, um estágio superior de desenvolvimento da sociedade.
Este processo, de derrubada do capitalismo pelo socialismo e de evolução deste último para o comunismo, não seria algo já pré-determinado pela própria evolução da sociedade, muito pelo contrário. Para que ela sagrar-se vitoriosa seria necessária a ação organizada do proletariado em uma perspectiva revolucionária.

Racionalização versus Revolução

Weber e Marx têm em comum o fato de terem ambos buscado analisar o desenvolvimento da sociedade capitalista contemporânea. No entanto, com pontos de partida, objetivos e métodos distintos. Não ignoramos, no entanto que há pontos de contatos entre as duas posições teóricas. Mas o que aqui queremos destacar são as posições centrais sobre a concepção da sociedade capitalista e suas visões quanto a sua evolução (ou não) de maneira geral.
Se por um lado, Weber reconhecia algumas das mazelas e contradições da sociedade capitalista ele entendia, no entanto, que o capitalismo promovia o desenvolvimento através da racionalização e da eficiência. Enquanto que Marx, ainda que reconheça alguns avanços promovidos pelo capitalismo em relação às sociedades anteriores, coloca-se também as crescentes contradições do sistema, principalmente devido à exploração dos trabalhadores pela burguesia. Residindo aí os limites do capitalismo enquanto sistema, se fazendo necessário (e possível) a sua derrubada.
Para Marx a racionalização não poderia ser entendida como um fim para o capitalismo, mas sim, um meio para incrementar a exploração de classe. E que se dá de forma por deveras irracional não permitindo assim, uma idealização desta racionalização. Weber entendia como possível uma racionalização permanente e (talvez) plena do capitalismo em todas as suas esferas. O que possibilitaria uma evolução do capitalismo para estágios superiores de seu desenvolvimento.
Neste debate, um argumento que é muito corrente ser levantado para contrapor as idéias de Weber as de Marx, é de que o marxismo teria um “pecado original” que o limitaria enquanto teoria, que seria a sua tendência a um unilateralismo do econômico sobre as análises, não levando em conta outros fatores. Esse não é um argumento que surge apenas por parte dos “discípulos” (ou assemelhados) de Weber, mas é comum a muitas outras correntes teóricas que buscam decretar a “morte” ou a “falência” do marxismo frente a teorias mais “modernas” ou completas. E nem é um questionamento novo, mas extremamente necessário de se fazer, visto que ele correntemente surge nos debates e estudos sociológicos e de outras áreas.
Sobre este tema, Engels no final de sua vida buscou esclarecer esta polêmica. “Segundo a concepção materialista da história, o fator que, em última instância determina a história é a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos, uma vez se quer, algo mais do que isso. Se alguém o modifica, afirmando que o fator econômico é o único fator determinante, converte aquela tese em uma frase vazia, abstrata e absurda. A situação econômica é a base, mas os diferentes fatores da superestrutura que se levanta sobre ela – as formas políticas da luta de classes e seus resultados, as constituições que, uma vez vencida uma batalha, a classe triunfante redige, etc, as formas jurídicas, e inclusive os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos que nelas participam, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as idéias religiosas e o desenvolvimento ulterior que as leva a converter-se num sistema de dogmas – também exercem sua influência sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam sua forma, como fator predominante. Trata-se de um jogo recíproco de ações e reações entre todos esses fatores, no qual, através de toda uma infinita multidão de acasos (isto é, de coisas e acontecimentos cuja conexão interna é tão remota ou tão difícil de demonstrar que podemos considera-la inexistente ou subestimá-la), acaba sempre por impor-se, como necessidade, o movimento econômico. Se não fosse assim, a aplicação da teoria a uma época histórica qualquer seria mais fácil de resolver que uma simples equação de primeiro grau.” (MARX e ENGELS, 1983, p.547).
Ou seja, desde o ponto de vista do materialismo dialético, não é possível a compreensão da totalidade da sociedade sem se levar em conta outros fatores, as vezes até mesmo fatores de ordem secundários, para a correta análise da sociedade. Mas não se podem negar os fatores determinantes que definem as contradições internas de uma dada sociedade. Na sociedade capitalista, os fatores de ordem econômica, pela própria lógica de dominação do capital, vem a exercer uma influência decisiva sobre a sociedade em sua totalidade.
E, para o bem e para o mal, a história destes últimos séculos tem demonstrado de forma cabal que não há “correção de rumo” de forma “natural” destas contradições, tanto do ponto de vista racionalista-weberiano e assemelhados, como do ponto de vista de um “marxismo vulgar” a acreditar na derrubada natural do sistema e a edificação do socialismo em seu lugar. Sobre este última em especial, apesar de não pretender aqui aprofundar muito, cabe uma breve observação sobre o equívoco dela, do ponto de vista marxista. O atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, com uma tendência a cada vez mais se fortalecer os monopólios transnacionais que buscam apenas a maximização rápida de seus lucros, sem preocupação alguma com a degradação ambiental por que passa o planeta e a exploração amplificada dos trabalhadores, somada a uma política imperialista belicista com alto poder destrutivo da vida, nos leva a crer que, a frase proferida por Rosa Luxemburgo (comunista alemã do início do século XX) de que é as alternativas seriam o “socialismo ou barbárie” é profundamente atual. O capitalismo não cairá sozinho, a possibilidade mais concreta de sua “morte natural” é levando a humanidade a própria ruína junto consigo.
Este é um debate a ser permanentemente travado, e que a evolução histórica tem mostrado (ou
mostrará) os acertos e falhas destas duas visões distintas sobre a análise da sociedade capitalista.

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