<$BlogRSDUrl$>

segunda-feira

Popular e Populista 

Frei Betto
A democracia é ótima enquanto resulta no que convém à Casa Branca. Daí os golpes militares para derrubar Jango, no Brasil, e Allende, no Chile. Foram democraticamente eleitos, mas não correspondiam às imposições do governo dos EUA. É aquela história: fico no jogo enquanto ganho. Se começo a perder, abraço a bola e saio de campo.
A vitória do Hamas na Palestina é outro exemplo de como a democracia é, aos olhos dos donos do mundo, uma falácia. O que vale igualmente para o regime iraniano, pressionado a abrir mão do seu direito de possuir armas nucleares, privilégio das nações metropolitanas e, de quebra, de Israel. Por que a ONU não propõe a desnuclearização bélica de todos os países do mundo? Porque ficaria falando sozinha.
Agora a América Latina volta ao foco. Carlos Andrés Perez, notório corrupto, presidiu a Venezuela sob os aplausos das nações ricas. Hugo Chávez, embora seja o presidente mais legitimamente democrático de toda a história republicana do Continente, é alvo de todos os preconceitos. Fosse branco, trajasse terno e gravata, e agradasse as elites, seria louvado por Tio Sam.
A elite boliviana torce o nariz para Evo Morales, como a brasileira nutriu ojeriza a Lula até este provar que não veio para arrasar privilégios. Assim, os governos populares, eleitos democraticamente pelo voto, recebem agora a pecha de populistas. É a metamorfose da linguagem produzida por preconceitos elitistas e em prol dos interesses daqueles que jamais associaram crescimento do país à erradicação da miséria e da pobreza.
Um governante que se apóia preferencialmente nas elites é considerado democrático, ainda que reprima movimentos populares, como foram os casos de Menem na Argentina e FHC no Brasil. Se inverte o pólo e expressa as demandas dos pobres, passa a ser considerado populista, caudilhista, demagogo. E ainda querem nos convencer de que não existe ideologia...
Em outubro, os eleitores brasileiros irão às urnas para escolher o novo presidente da República. Tudo indica que veremos uma campanha política na qual os insultos terão mais realce que os programas. O governo Lula cometeu o equívoco de empurrar para debaixo do tapete as denúncias de corrupção nas gestões FHC. Agora haja fôlego para recuperar o tempo perdido e, sobretudo, moral para colocar o dedo na ferida alheia se ele próprio carrega uma enorme chaga. Lula conseguiu dar nó em pingo dágua: agradou as elites, graças à política econômica ortodoxa, capaz de saciar a voracidade do grande capital, e também aos pobres, com políticas sociais compensatórias que, efetivamente, reduzem a desigualdade social e aumentam as oportunidades de emprego.
Este o fio da navalha no qual trafega: de um lado, as elites talvez prefiram, em outubro, um candidato mais confiável, identificado por seu physique du rôle com a classe dominante. De outro, os movimentos populares vão cobrar do candidato petista algo mais do que esperança, ou seja, um programa de governo condizente com a história do PT e, portanto, em dissonância com a atual política econômica.
Uma coisa é certa: o tema da ética não estará em alta nesta campanha, exceto pelo seu avesso, em acusações recíprocas de falcatruas. Não há mais vestais partidárias no cenário político brasileiro. E qual dos pré-candidatos tem uma proposta alternativa à ortodoxia econômica neoliberal?
O eleitorado terá de rever seus critérios, caso não queira ficar sem opção ou considerar todas elas farinha do mesmo saco. Fico com Lula por sua postura frente aos movimentos populares, jamais criminalizados ou cooptados em seu governo. Se algo se pode avançar na direção de um crescimento que coincida com o aumento substantivo do índice de desenvolvimento humano, creio que é pela via de quem tem ainda potencial de se revelar amanhã como popular.
Mas para isso será preciso varrer a tucanagem do Ministério da Fazenda e do Banco Central e ousar, no mínimo, alterar a estrutura fundiária do Brasil, o que considero a prioridade das prioridades, pois dilataria os postos de trabalho, reduziria a migração rumo às áreas urbanas e ativaria o mercado interno, multiplicando a oferta de bens de primeira necessidade.

Links to this post:

<\$BlogItemBacklinkCreate\$>

Comments: Postar um comentário

This page is powered by Blogger. Isn't yours?