<$BlogRSDUrl$>

quarta-feira

Até quando agüentaremos, sem levantar o traseiro? 

João Pedro Stedile
Caros amigos e amigas, estou chegando de nossa marcha nacional pela reforma agrária. Fizemos um balanço positivo de seus resultados, pois ela conseguiu atingir os objetivos que havia se proposto. Queríamos recolocar o tema da reforma agrária na opinião pública. Queríamos chamar atenção para o problema da política econômica, e queríamos debater com a sociedade a necessidade de pensarmos um novo projeto para o Brasil. E, de quebra, convencer o governo a honrar seus compromissos de campanha e também do plano nacional de reforma agrária, naquilo que era específico do atendimento aos sem-terra. Em certa medida, conseguimos colocar essas questões em debate.
Mas quero aproveitar o espaço de nossa revista para compartilhar com vocês impressões pessoais a respeito da política econômica. Impressões resultantes das relações que temos com os demais movimentos sociais, com as igrejas, os partidos, as entidades, com parlamentares e setores do governo.Vejam.Todos concordam neste país que a atual política econômica está baseada: na aplicação de altas taxas de juro; na garantia de superávit primário, ou seja, o governo se compromete a não gastar um terço de tudo o que recolhe nos impostos, para poder ter sobra (superávit), e aí repassa aos bancos na forma de pagamento da dívida e dos juros. E no estímulo as exportações.
Todos concordam que essas linhas de política econômica são uma determinação clássica do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, para fazer com que as economias do Terceiro Mundo funcionem na lógica da acumulação e das necessidades do capital internacional.
Todos sabem que essa lógica é tão perversa para as economias nacionais, que o próprio governo dos Estados Unidos não a aplica para sua economia. É lá que se pratica uma das mais baixas taxas de juros do mundo (apenas 2 por cento ao ano, para estimular o consumo dos seus cidadãos) . O governo dos Estados Unidos tem o maior déficit orçamentário do planeta, ao redor de 500 bilhões de dólares anuais. E, ainda, é o país de maior déficit da balança comercial, ou seja, importa 400 bilhões de dólares a mais do que exporta. E a sua economia funciona muito bem, obrigado.Já os nossos economistas burocratas muito bem pagos pela metrópole vivem repetindo besteiras para que aqui se aplique o que os do norte querem, independentemente da melhoria das condições de vida de nosso povo.
São mais realistas que o rei.Todos os economistas, das mais diferentes correntes de pensamento, desde Delfim Netto até os do P-SOL, dizem que essa política econômica não faz a economia crescer, aumenta a concentração de renda e de riqueza e, portanto, aumenta a desigualdade social. E que, mesmo quando há crescimento econômico, não cresce o emprego formal, dentro das necessidades nos contingentes que chegam ao mercado, pois os setores que crescem são os exportadores e os mais modernos em tecnologia, ou o setor financeiro. Todos desempregadores de mão-de-obra.
A quem interessa então essa política econômica? Defendem essa política os banqueiros, as transnacionais, os setores exportadores, os tucanos e toda a imprensa conservadora. Colonizada e adesista das grandes empresas que lhes pagam fortunas em publicidade para apoiarem o governo na política econômica, e criticarem ferozmente o governo na política social e na política externa.
A novidade que vimos na marcha é que até mesmo dentro do governo, pelas conversas que tivemos com os quinze ministros, a maioria é contra a atual política econômica. Parece que o presidente é refém, saiba lá Deus por que razões, da política do Ministério da Fazenda, capitaneada pelo seu porta-voz, o médico sanitarista doutor Palloci, mas operada pela mesma equipe montada pelo governo FHC. Ora, se era para ter a mesma política econômica e a mesma equipe, eles poderiam ter avisado na campanha. Porque assim mais gente teria votado no Serra.
Esses dias mudaram o secretário do Tesouro, e trouxeram mais um tucano, o senhor Murilo Portugal, que era a ponte entre o FHC e o FMI, e vice-versa. Pois agora ele tem a chave do cofre. Dizem os fofoqueiros de Brasília que a equipe econômica está apenas se precavendo, caso o STF aprove o processo contra o doutor Meireles, por corrupção eleitoral, e ele tiver de se afastar, sobe o doutor Portugal, ou seja, entregamos logo pro FMI e seus prepostos o controle do Banco Central.
Acorda, presidente Lula! Se todo mundo critica essa política econômica, e apenas os banqueiros, os tucanos e a turma do Palloci apóia, alguma coisa está errada. Você precisa ouvir mais o povo, e menos os puxa-sacos.
Embora, cá entre nós, tenhamos dúvida se, a essa altura do campeonato, basta a vontade do Presidente, tal as alianças e os compromissos feitos. O que as boas lições da história nos ensinam é que apenas as mobilizações sociais podem conquistar mudanças em sociedades tão desiguais. Daí que o maior desafio que temos nessa conjuntura para alterar a política econômica é a situação de descenso do movimento de massas, que deixa a ratazana com a faca e o queijo na mão. Então, os movimentos sociais e as forças sociais organizadas de nosso povo devem, isso sim, se articular e estimular todo tipo de lutas sociais, para que o povo se mobilize para mudar a política econômica do país, antes que seja tarde.
E, enquanto não mudar, vamos assistindo a cada dia a renda se concentrar. No ultimo dia da marcha, por exemplo, tivemos que fazer várias reuniões para convencer o governo a descontingenciar os únicos 15 milhões de reais aplicados pelo governo em educação para adultos no meio rural, o tal do Pronera. Um programa do próprio governo. No mesmo dia, soubemos que o Tesouro vai repassar ao Banco do Brasil, somente neste ano, nada menos do que 3,38 bilhões de reais, por juros não pagos ao banco, pelos fazendeiros, em contas antigas. Mas isso não sai na imprensa. Não é comentado pelo ministro da Fazenda como um arrombo nos cofres públicos. No outro dia, o Banco Central aumentou a taxa de juros de 19,5 para 19,75 por cento ao ano. E o Tesouro terá que tirar de todos brasileiros, mais 900 milhões de reais, por esses 0,25 por cento a mais, a serem transferidos aos bancos até o final do ano.Como vêem, o presidente tem razão, está mais do que na hora de o povo brasileiro tirar o traseiro da poltrona e ir para a rua, dar um susto.
João Pedro Stedile é dirigente do MST e da Via Campesina Brasil.

Links to this post:

<\$BlogItemBacklinkCreate\$>

Comments: Postar um comentário

This page is powered by Blogger. Isn't yours?