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sexta-feira

E a luz se faz negócio
Déborah Moreira
Falta pouco para que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, consiga aprovar na Assembléia Legislativa do Estado o Projeto de Lei 02/05 que prevê a privatização da CTEEP, Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista, a maior empresa do setor Brasil. Apesar de ter se comprometido, durante a campanha eleitoral de 2002, a não realizar mais privatizações, sob a alegação de que o Programa Estadual de Desestatização (PED) estaria ultrapassado, Alckmin está determinado a incluir a estatal de energia na retomada do PED, um dos maiores programas de privatização do país e da América Latina, instituído em 1996.
A justificativa dada para a venda é o pagamento da dívida da CESP, Companhia de Energia de São Paulo, que, de acordo com balanço da empresa de 2004, gira em torno dos R$ 11 bilhões (conforme variação do dólar, já que 69% da dívida estão atrelados à moeda estrangeira). Apesar de não haver garantias legais para isso, o governo afirma que o dinheiro arrecadado com a operação servirá para saldar os compromissos da CESP. Porém, segundo último Balanço Patrimonial da CTEEP, a empresa tem um valor estimado em R$ 4,6 bilhões, e seu valor de mercado não ultrapassa os R$ 1,5 bilhão. Apesar de deter 64% das ações ordinárias (com direito a voto), o Estado de São Paulo só possui 40/% das ações gerais. Ou seja, serão repassados apenas R$ 700 milhões aos cofres públicos, o que não paga nem as parcelas deste ano do empréstimo feito pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). “É uma falácia. De nada vai adiantar a privatização da CTEEP para sanar as dívidas da Cesp”, declarou o líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Assembléia Legislativa, o deputado Renato Simões.




Na prática, o PL inclui a CTEEP na Lei 9361/96, que regulamenta o PED e autoriza a privatização das empresas de transmissão de energia elétrica, até então controladas pelo Estado. Contudo, o setor de transmissão, responsável pelo transporte da energia elétrica do local onde ela é gerada até o local de consumo, era tido como estratégico até bem pouco tempo pelo próprio governo. “O sistema de transmissão é um monopólio natural já que os custos para se manter duas linhas de transmissão seriam muito altos”, avaliou o professor Cláudio Antonio Scarpinella, colaborador do Programa de Pós-graduação de Energia da USP. Além disso, da forma como está, não há como ter certeza de que serão feitas todas as obras necessárias para a manutenção da rede.
Em quase todo país, o sistema de transmissão permanece sob controle estatal e vem sendo melhorado nos últimos anos, conforme autorizações da Agência Reguladora Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Mas, algumas estimativas recentes elaboradas por técnicos apontam para um déficit de obras de cinco anos, só em São Paulo. “Ao mesmo passo que vem crescendo a demanda pela geração de energia, a área de transmissão também precisa crescer para poder transporta-la”, explicou Scarpinella.“O modelo anterior de privatização não previa o setor de transmissão. É um patrimônio do povo. Agora, o que tem que ser discutido mais a fundo é o modelo que queremos para o setor energético em todo o país. Tem que haver uma discussão federal”, disse o presidente do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, Murilo Celso de Campos Pinheiro, durante a Audiência Pública sobre a CTEEPP, ocorrida na terça-feira, dia 03 de maio.
Durante a audiência, que tomou boa parte do dia, um grupo de cem trabalhadores da companhia esteve presente no auditório para protestar contra a venda da estatal, criada em 1999, a partir da divisão da CESP e da Eletropaulo (em 2001 foi dividida e uma das partes, a EPTE, Empresa Paulista de Transmissão de Energia Elétrica, foi incorporada a CTEEP). Atualmente, são 2 mil 985 funcionários altamente capacitados, atuando em 102 subestações, responsáveis pela operação de 11.781 quilômetros de linhas de transmissão. Ainda com relação aos funcionários, 82% estão na área técnica, 30% possuem ensino superior e 55% estão na faixa etária entre 31 a 45 anos.
Caso a privatização seja concretizada, não há segurança quanto à permanência dos trabalhadores. Presente à audiência pública, o secretário estadual de Energia e Recursos Hídricos, Mauro Arce, reafirmou não ter nenhuma garantia sobre os trabalhadores limitando-se a dizer que “está aberto a negociações”. Segundo o sindicato estadual da categoria, nos últimos 10 anos foram fechados 47% dos postos de trabalho no setor, o que representa 19 mil e 807 desempregados em todo o país.
Os sindicalistas afirmam que a CTEEP é uma empresa lucrativa e que as justificativas do governador para a venda não se sustentam. “'O governo perdeu o debate. Agora vamos esperar para ver de que forma ele vai reagir aos argumentos apresentados neste encontro”, disse o deputado petista Cândido Vaccarezza, no final da audiência. Só no ano passado, o lucro da CTEEP foi de R$ 348 milhões, um crescimento de 56% em relação a 2003, quando a empresa transportou cerca de 118.000 GWh, quantidade superior a energia consumida em todo Estado (93.608 Gwh). Em 2005, já houve um investimento no valor de R$ 523 milhões, além dos recursos em caixa de R$ 666 milhões.
Outra preocupação da categoria é defender desde já a permanência da EMAI, Empresa Metropolitana de Água e Esgoto, que, conforme lembrou Wilson Marques, presidente do Sinergia de Campinas, durante a audiência, pode estar na mira das privatizações. Apesar do maior controle acionário ser da Petrobrás (de 39, 02%), o governo do estado possui 38,78% do total de ações da EMAI. A empresa surgiu também a partir da cisão da Eletropaulo e atualmente opera um sistema hidráulico e gerador de energia elétrica localizado na região metropolitana de São Paulo, no Médio Tietê e Vale do Rio Paraíba do Sul. Por causa da sua localização tem um papel ambiental muito importante. Sua principal característica é a de operar as águas superficiais, e os recursos hídricos disponíveis, de forma racional promovendo geração de energia e o controle de cheias na capital paulista, além de servir como reservatório de água para o abastecimento público.
“Estamos aqui fazendo exatamente o que o presidente da república nos disse: estamos ‘tirando a bunda da cadeira’ para reivindicar nossos direitos. O que está em jogo aqui não é simplesmente a venda da CTEEP mas, sim, a crise de uma das maiores companhias de energia elétrica, cuja dívida vem desde a ditadura militar”, lembrou o presidente do Sindicato dos Eletricitários do Estado, Antonio Carlos dos Reis, referindo-se a declarações do Presidente Lula sobre uma possível “acomodação” das pessoas sobre a cobrança de juros altos pelo bancos.
Passando o trato
Desde que o projeto foi apresentado, no dia 1º de fevereiro, o governo do estado vem colecionando algumas derrotas mas, mesmo assim, está conseguindo vencer as trincheiras estabelecidas pelos deputados de oposição. As derrotas até agora foram a perda da presidência da Assembléia Legislativa e a diminuição do número de Comissões sob controle de seu partido. Por outro lado, durante as plenárias que discutiram o projeto, a oposição apresentou um total de 32 emendas. Todas foram rejeitadas. Na contagem do tempo necessário para que seja levado a votação, restam apenas pouco mais de uma hora das 12 horas exigidas. “Sinto em dizer mas o negócio já está fechado. Estamos aqui fazendo oposição, criando barreiras e etc, mas já está tudo decidido. Para o governo não há mais nada a ser discutido. Já se sabe quanto vai custar e quem é o provável comprador”, exclamou o deputado Adriano Diogo (PT).
A bancada petista na Assembléia questiona o destino do dinheiro arrecadado com a venda da estatal e diz que tentará de todas as formas impedir a concretização do negócio. “Iremos à esfera judicial, se for preciso”, prometeu Simões. Ainda segundo o líder do PT na casa, a intenção do governo do estado é meramente eleitoreira, já que no ano que vem haverá eleições para governador em todo o país. “Eles propõem uma saída de governo e não uma saída de Estado”, afirmou.
Durante a audiência pública foi apresentado um projeto alternativo elaborado pelos parlamentares petistas e sindicalistas: a criação de uma holding entre a CESP, CTEEP e EMAI que se chamaria Companhia Paulista de Serviços Públicos de Energia e Infra-Estrutura e que teria um capital equivalente ao valor das ações pertencentes ao Estado de São Paulo, emitidas pelas estatais e pela CPP Companhia Paulista de Parcerias (já criada através da Lei 11.688/2004). Conforme a proposta, o Estado continuaria controlando, indiretamente, essas companhias através da holding, que pode ser criada imediatamente, não dependendo da concordância ou deliberação das assembléias gerais das companhias emitentes das ações, futuras controladas da holding. “A idéia é diluir a dívida da CESP no capital das outras empresas. Assim a dívida diminui e fica mais fácil administrar a crise”, explicou Simões.
Privatizações à FHC
Presidido pelo próprio Geraldo Alckmin, o PED foi criado pelo antecessor de Alckmin, o então governador Mário Covas, morto em 2001 - liderava o PSDB paulista - e somou uma arrecadação de R$ 71,6 bilhões. Apesar de ser um número alto, separadamente, as estatais foram vendidas a preço de banana. Foram elas: de distribuição de eletricidade (Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL, Elektro, Bandeirantes e Metropolitana), de geração de energia (Cesp, Paranapanema, Cesp Tietê); de distribuição de energia (Eletropaulo) e de gás (Comgás e Área Sul e Noroeste do Gás), além de parte da Sabesp, Fepasa Ceagesp, e das rodovias estaduais .

O modelo de privatização adotado pela gestão do PSDB no estado foi o mesmo orquestrado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, regulamentado pelo Programa Nacional de Desestatização-PND, de 1991, responsável pela venda de 68 empresas e participações acionárias estatais federais, a maioria na siderurgia, química e petroquímica, fertilizantes e energia elétrica. Do total arrecadado, 72% desse valor (R$ 51,7 bilhões) foram resultado da venda só do setor de energia elétrica, segundo Balanço Geral do Estado de SP de 2001 a 2003 e o Relatório de Atividades do Governo do período.

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