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segunda-feira

O maratonista cego

Moacyr Scliar
Certa vez, ouvi pelo rádio uma notícia dando conta de que, em algum outro lugar do mundo, não consegui identificar qual, também se realizava uma maratona. O locutor comentava o desempenho de um corredor vindo da Mongólia, que tinha chegado em último lugar, com o pior tempo dos últimos 84 anos. E aí vinha o detalhe: esse homem era cego. Para ele, o desafio havia sido não o de chegar em primeiro, ou em segundo, ou em quinto, ou em décimo: o desafio era terminar a prova. E para este propósito, até que sua deficiência visual ajudava. Ele não via os outros corredores, que certamente o ultrapassavam e se distanciavam. Também não via pessoas torcendo. Aliás, nem via a pista da maratona. Ele corria numa pista interna, a pista de sua imaginação, que, felizmente, coincidiu com a pista real, tanto que ele acabou chegando a seu destino.
Há uma bela lição nessa história, uma lição válida, sobretudo, para a época atual. Vivemos numa sociedade essencialmente competitiva: é preciso ser o número 1 em qualquer coisa, em audiência, em vendas, em popularidade. O que não é de todo mau. Competir, comparar nosso desempenho com o de outras pessoas, é uma forma de avaliação, não raro muito eficiente, e disso os Estados Unidos são um exemplo: fazendo da competição uma regra de negócios (e de vida) obtiveram extraordinários progressos na área de ciência e de tecnologia. Para vocês terem uma idéia da importância da competição naquele país, façam o teste da Internet: digitem, no Google, a palavra "competition". Aparecerão mais de 8 milhões de referências. "Cooperation", que seria o oposto, dá menos: 6 milhões de referências.
É uma competição, não raro, selvagem, uma competição que, como já foi dito, extrai o melhor das coisas e o pior das pessoas. "Winner takes all", o vencedor fica com tudo (não só as batatas do Machado de Assis). Quanto ao perdedor - não há pior palavra que loser. Como diz um aforisma americano: "Não há bons perdedores. Há perdedores, ponto."
Estava competindo, o corredor da Mongólia? Claro que estava. Mas estava travando a melhor das competições, a competição contra o desânimo, contra a apatia. O corredor da Mongólia tinha de provar a si próprio - não a adversários - que ele podia, sim, terminar a prova. Dizem que o importante não é vencer, o importante é competir. Não é bem assim. É importante vencer, mas depende de que vitória estamos falando. Vitória contra a fome, vitória contra a miséria, vitória contra a ignorância, estas são grandes vitórias. Vitória contra as próprias limitações também, e foi esta vitória que o homem da maratona obteve.
Agora vejam que coisa interessante: da Mongólia veio também um famoso guerreiro, Gengis Khan. No começo do século 13 e comandando tropas aguerridas, Gengis Khan invadiu a China, Coréia, a Índia, o Irã, o Iraque, a Turquia, a Rússia e outros países europeus. Dizia-se que, onde passavam suas tropas, a grama não cresceria jamais. Khan passou para a história como um exemplo de feroz ambição. Convenhamos: em matéria de competição, o modesto corredor mangol é um exemplo muito melhor.

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